Breves notas sobre 'Tudo Que Aprendemos Juntos'

Por Oubí Inaê Kibuko*

"Só quem é de lá sabe o que acontece".

Assisti ontem, 7/12/15, "Tudo Que Aprendemos Juntos" no Caixa Belas Artes, em parte por falta de opção nos cinemas de bairro ou proximidades. Falha da distribuição ou orçamento curto para um número significativo de cópias? Se fosse blockbuster americano ou de uma monopolista emissora de tevê brasileira, tropeçaríamos em salas a cada esquina.

Logísticas e Racionalismos à parte, durante quase toda a exibição, emocionado, chorei, lembrei passado, presente e entornos. Devido a família ter sido empurrada pelo especulação imobiliária, fomos bem se dizer expulsos da Vila Paiva e resido na zona leste desde 1967. Nasci em 1955, no bairro do Tucuruvi. E em 60 anos, algumas cenas e passagens do filme me são bem familiares, muitas pelos 48 em que vivo na região, cuja ausência de escolas de música é gritante. Às vezes até conflitantes. Villa-Lobos e Mário de Andrade devem estar rolando de raiva nos seus respectivos túmulos. Mostram o pouco andado, alguns avanços e conquistas, e o muito ainda a ser feito, em vários níveis e setores. Tanto culturais quanto educativos, políticos e pessoais. Não saber ler uma partitura, por exemplo, ou desconhecer os empregos que podem ser dados à música, denunciam nosso analfabetismo, o quanto e as formas que tocamos de ouvido em outras praças para sobreviver.

Existem pérolas e vozes líricas no lodo, pensei comigo. Uma alusão à Chico Science. A periferia seja no lado norte, sul, oeste, leste, Heliópolis, Cidade Tiradentes, têm suas jóias. Basta ter humildade, paciência, persistência na busca e honestidade na descoberta. Elas estão lá, a espera de uma oportunidade ao modo Confunciano, para revelar talentos e mostrar o seu devido valor, a quem possa interessar. Não de assistencialismos manipuladores ou de oportunismos garimpeiros, nem de banhos de sangue como os retratados em "Cronicamente Inviável", "Quanto vale ou é por quilo?", "Cidade de Deus", apenas para citar a longa lista de produções nacionais voltadas para dramas e questões sociais, cuja luz no fim do túnel fica sempre distante.

Este filme me fez rememorar o conto "O Menino do Oboé", de Oswaldo de Camargo, publicado no livro "O Carro do Exito", se eu pudesse revisioná-lo tendo como epígrafe um excerto de Solano Trindade: "Ouçam aqueles que me entendem eu amo a Quinta Sinfonia de Beethoven e não quero limites para viver". É bom ver a música erudita conversando e se confluindo com a música popular na passagem dos créditos. Principalmente o Rap, que ainda é mal visto por muitos cânones acadêmicos. Violino e Cavaquinho tocando Bach num samba-choro é o máximo! Lembra Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Valdir Azevedo, um quase Curtição, da Padre Miguel. A música erudita que se ouve hoje foi popular ontem nas praças, cafés, bailes, saraus, antes de ir de casaca e gravata para as salas e templos de concerto a meia dúzia de amantes musicais ou mecenas endinheirados e exigentes de nariz empinado. Quem não vive encastelado em redomas, tiver curiosidade e paciência para se debruçar com ouvidos e olhos abertos sobre a história e etnologia da música, em todas as suas vertentes e correntes, ou sintonizar a vasta programação Cultura FM, vai entender melhor esta afirmação.

Tudo Que Aprendemos Juntos é um filme que merece audições e exibições públicas, seguidas de debates em pontos chaves da periferia paulista; em todos os pontos órfãos de atenção dos poderes público; pais, professores e lideranças convalescentes ou míopes no Brasil. Assim como a Sala São Paulo e a OSESP, da qual sou freqüentador pelo projeto Passe Livre Universitário. Titanicamente "A gente não quer só comida/A gente quer comida/Diversão e arte/A gente não quer só comida/A gente quer saída/Para qualquer parte..." O deslocamento agora carece ser inverso como sugere o filme. O centro precisa ir para o subúrbio, para os bairros-dormitórios, escolas públicas, favelas, cohabs, cineclubes, associações culturais e de moradores, cursinhos pré-vestibular populares, CEU's, fábricas de cultura, centros culturais, etc. Somos todos responsáveis pela mesmice recorrente como também agentes de mudança, independente da área em que atuamos, meio no qual circulamos, classe a que pertencemos. As drogas maiores e mais letais chamam-se Ignorância e Indiferença.

A montanha tem ido cotidianamente até Maomé. Agora é Maomé que deve ir continuamente à montanha. Onde muitos jovens são mortos pelas costas antes de florescer e frutificar. É de lá que sai a base e grossa parte da mão de obra para o sustento e brilho de inúmeros patrões, empresários, pesquisadores, produtores, investidores. E quase nunca ou quando muito, obtém um misero e esmoleiro retorno, por falta de políticas públicas e leis de responsabilidade social eficientes. A mentalidade cabralina e portuguesa colonial ainda permanece com seus visgos e tentáculos extrativistas. Projetos de desenvolvimento sustentável, de fixação do individuo no seu ambiente, andam a passo de tartaruga, servem na maioria apenas de cabos eleitorais ou de fachada para empresas familiares e grupos especulativos da fé, sob a sigla de organizações não governamentais "sem fins lucrativos". Em muitos casos, contam inclusive com a conivência dos próprios moradores. Muitos temem perder a quirela que lhes é dada. Nas periferias, o golpe do vigário é constante com a velha sopa de pedra, espelhinhos e perfumes baratos, como fizeram os jesuítas e bandeirantes com indígenas e africanos.

Superação, empoderamento, auto-estima, possibilidade, perspectiva, creio serem as palavras-chaves. Contrariando o mestre Lima Barreto, em Clara dos Anjos: "O subúrbio pode vir a ser o celeiro dos felizes". Algo como "Não mude da Cidade Tiradentes, ajude a mudá-la, que volta e meia circula pelo complexo habitacional. Creio que a Orquestra Sinfônica de Heliópolis está cumprindo esta Missão Possível. "É nóis mesmo, vagabundo". Se eu já admirava e respeitava Lázaro Ramos como ator e diretor e o Sérgio Machado como cineasta, agora com este Tudo Que Aprendemos Juntos, aumentou a conta em consideração e aplausos. "O mundo é diferente da ponte pra cá". BRAVO!!!

A quem possa interessar, a crítica clínica de Bruno Carmelo em conjunto com as da Imprensa no Adoro Cinema são recomendáveis.

*Oubí Inaê Kibuko é fotógrafo, editor de Cabeças Falantes e um dos coordenadores do Cineclube Afro Sembene.

São Paulo, dezembro/2015.