Impressões sobre o filme O exótico hotel Marigold

O longa metragem 'O exótico hotel Marigold' conta a chegada de alguns velhinhos ingleses a um lugar que houvera sido ofertado como um excelente espaço para descanso e conforto absoluto numa província da Índia. Bom, espera aí. Isso de mostrar alguns velhinhos que vão para um lugar tranquilo e pacato longe da correria e da loucura de uma capital moderna na Europa é bem clichê, não é? É porque não é bem isso o que acontece. E para falar a verdade, tranquilidade e conforto é o que não há no tal hotel.

O filme ganha relevância à medida em que as cenas se sobrepõem e fragmentos de vidas em profundo dilema se descortinam aos olhos do leitor, lhes convidando a mergulhar em cada situação apresentada de modo específico. A justificativa para o argumento do roteiro de que as coisas não são bem o que parecem começa pelo fato de aquele lugar descrito como um degrau mais próximo do paraíso, propaganda vendida com êxito até a chegada, se trata na verdade de um hotel antigo, repleto de ruínas (aqui cabe o direito à polissemia), com problemas sérios de instalação (como um quarto privativo que não tem porta), além de não ter recebido hóspedes já faz bem um tempo. Os tais velhinhos têm as reações mais esperadas de todos com relação ao engodo que acabam de sofrer e protestam sem muita ênfase, isso também porque já estão cansados da viagem, dos problemas normais desta fase da vida e, ainda, porque muitos deles estão com sérios problemas financeiros para buscarem outras e melhores opções. A partir daí os dramas de cada um daqueles novos hóspedes ganham cenas mais densas, sobretudo, quando colocados diante dos novos desafios que são a descoberta de uma terra e de uma cultura totalmente diferentes (o interior de um país em plena transição para a modernidade), além de terem que sobreviver com as novas surpresas que o contato com os outros lhes provoca.

Somente a título de exemplo, pode ser mencionado o romance que acaba sendo construído com o encontro entre uma recém viúva, que está um pouco angustiada pela nova vida sem o companheiro de sempre e tendo que tomar a dianteira das coisas pela primeira vez, e um marido muito mal correspondido que demonstra a todo momento querer viver bem o que lhe resta com muita simpatia e sorriso no rosto, o completo avesso de sua esposa que reclama a todo momento da velhice por que passa, do lugar onde está e que ainda tenta trair o marido com um homem que ela acaba descobrindo ser gay (que aliás, possui um drama muito especial). Esse romance é apenas um assente, um ensaio e uma possibilidade, pois não vemos os dois se beijarem e nem fazerem sexo, o que não seria problema algum, mas presenciamos uma nova relação sendo construída com muito companheirismo e cumplicidade, sentimentos tão escassos atualmente e que demonstram ser, quiçá, componentes mais importantes para uma verdadeira vida feliz à dois.

Há, também, a estória de uma ex-governanta que dedicou sua vida inteira a cuidar de uma família distinta e rica que, em certo momento, tomou a decisão sobre a inutilidade de sua presença com eles e lhes demitiram. Uma velha que, num primeiro momento, nos é apresentada como ranzinza, preconceituosa com seu racismo e sua xenofobia exacerbados, e que nem o fato de estar sentada numa cadeira de rodas quase todo o tempo à espera de uma cirurgia alivia o peso de sua imagem negativa, quer dizer, isso pelo menos até certo ponto em que a própria Índia e suas peculiaridades culturais lhes tocam de maneira sutil e decisiva. Então, uma mudança na sua personalidade e também na imagem para o leitor do filme ocorre quando a funcionária do hotel, uma mulher considerada da mais baixa estirpe pelas divisões de castas daquele país, e que serve as refeições sempre calada e numa posição inferior para aquela senhora doente, acaba convidando-a para conhecer a sua imensa e humilde família e comer uma comida típica ofertada como um gesto de retribuição ao reconhecimento dela para consigo como um ser humano, ou seja, apenas um gesto de agradecimento por alguém ter notado a sua existência. Nesse momento, ocorre uma grande dança de posições hierárquicas, deixando o leitor confuso por inverter continuamente as lições e os gestos de grandeza, além de que as mudanças são fulcrais.

Bom, poderia ser dito ainda muito sobre esse belo filme, mas fico apenas com mais algumas palavras sobre o elemento condutor desta narrativa que é o gerente do hotel, um jovem indiano que sofre por ir contra os desígnios da tradição de sua cultura, representada por sua mãe, e que simboliza a força dos sonhos e a imagem da renovação, ainda mais quando resolve declarar o seu amor por uma jovem e linda indiana que trabalha num call center (símbolo da modernidade e da Índia globalizada) e que nem de longe parece se aproximar de uma pretendente que, certamente, seria escolhida pela mãe do jovem.

Enfim, o texto e sua execução, bem dirigido e representado por competentes e consagrados atores, merece as 2h e pouco de apreciação por surgir como uma das mais belas lições de vida que o cinema nos deu nos últimos anos, enfatizando, sobretudo, a importância da quebra de preconceitos de toda ordem e a imagem da renovação constante que é a vida de cada um, a partir do instante em que cada um desejar que assim o seja. Assistam! Vale muito a pena!