O tirano do piano

O TIRANO DO PIANO
Miguel Carqueija




Resenha do filme “Os 5.000 dedos do Dr. T” (The 5.000 fingers of Dr. T”) – Columbia Pictures, Stanley Kramer Company, Estados Unidos, 1952. Produção: Stanley Kramer. Direção: Roy Rowlands. Roteiro do Dr. Seuss e Alan Scott, com base em história do Dr. Seuss. Desenho de produção: Rudolph Sternad. Fotografia: Frank Planer. Música: Frederick Hollander. Direção musical: Morris Stoloff. Canções: Dr. Seuss. Coreografia: Eugene Loring.
Elenco: Peter Lind Hayes (August Zabladowski), Mary Healy (Heloise Collins), Hans Conried (Dr. T), Tommy Rettig (Bartholomew Collins), John Heasley (Uncle Whitney), Robert Heasley (Uncle Judson), Noel Cravat (Sargento Lunk).


Envolvente e fascinante história de fantasia, baseada em original de conhecido autor norte-americano de obras infantis, que usa o pseudônimo de Dr. Seuss. Uma das melhores obras assinadas pelo grande Stanley Kramer, do tempo em que ele produzia sem acumular a direção (aqui a cargo de Roy Rowlands). Notamos aqui o estilo enxuto e límpido de Kramer, que sempre pugnou por um cinema humanista e familiar.
Um menino de classe média em alguma cidade norte-americana, Bart (Tommy Rettig) sente-se oprimido pelo severo professor de piano, Terwilliker, o Dr. T do título (Hans Conried), que parece ter domínio sobre a mãe do garoto, Heloise (Mary Healy). Bart tem um cãozinho peludo e vivaz, Sporty, e aprecia o encanador que está trabalhando em sua casa, August Zabladowski (Peter Lind Hayes). O que o atormenta é ter de ficar treinando no piano, vigiado pelo Dr. T e pela mãe. Então, cansado Bart acaba adormecendo sobre o o teclado...
Assim começa a fantástica aventura de Bart num universo onírico, repleto de passagens secretas, labirintos, cores insólitas e arquiteturas surpreendentes, além de leis ditatoriais, incompreensíveis. Na imaginação assim liberta de Bart (notavelmente interpretado pelo ator infantil Tommy Rettig, que também trabalhou na série da Lassie) o professor de piano é um monstro, um tirano impiedoso que quer acabar com os instrumentos musicais diferentes do piano, e para isso encarcera nos subterrâneos de seu insólito palácio dezenas de músicos. “T” dispõe de uma guarda particular numerosa e fanática, e um poder dentro do país, avassalador. A sua obsessão é colocar 500 meninos, com 5.000 dedos, tocando interminavelmente um gigantesco piano sinuoso, e assim exercer o seu poder absoluto.
A mãe de Bart, Heloise, trabalha como secretária de “T” e permenece sob seu poder mediante hipnotismo. Sem o apoio até do cachorro, Bart sabe que os 499 meninos restantes chegarão no dia seguinte. Sua única esperança de libertação está no encanador August, que ali trabalha na instalação das pias, mas este sequer acredita no que o menino conta.
Cenas notáveis e antológicas perpassam este espetáculo magnífico, uma das obras-primas do cinema norte-americano das década de 1950. Um notável achado são os gêmeos Whitney e Judson, na verdade siameses pela longa barba (sic), dois senhores que patinam pelos domínios de “T” e o servem fielmente, inclusive caçando Bart. A cenografia, com escadas, alçapões, faróis de localização dos fugitivos, é alucinante. A coreografia de August, “T” e Heloise é divertidíssima. A ternura envolvendo Bart e Zabladowski, que tem um fraco pela viúva Heloise, jovem e belíssima, mostra claramente que o menino deseja aquele homem como pai — tanto no sonho como na vida real.
A mensagem belíssima pode assim ser resumida: não pratique a opressão contra as crianças; não as force a fazer o que não lhes agrada (como tocar um instrumento musical, se não sentem aptidão). Tudo isso, porém, numa linguagem lúdica e sensível, que prende a atenção e diverte do começo ao fim, resultando numa obra altamente recomendável para toda a família.

Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2016.