"Conduzindo Miss Daisy" (Driving Miss Daisy)

"Conduzindo Miss Daisy" (Driving Miss Daisy)



É possível que, para quem aspira algo do gênero, encontrar-se numa realidade dominada por feminazis e adeptos do tio Che, e assim com a vida escrutinada por feitos e inclinações, ser jogado num calabouço por gostar de um filme como esse, com certeza rotulado como capitalista-imperialista-facista e etc. Quando houve a troca de poder no Irã, em 1979, o demente que fugiu colocou tanto ouro (roubado) no seu boeing que este quase não decola. O demente sucessor implantou o terror e pode imaginar o desenrolar: judiação e mais judiação. Tem sido assim desde sempre. Ocorre que agora, a Terra passando pela maior transformação que já se viu no cosmos, foi decretado por aqueles que são maiores do que nós e nos guardam o seguinte: No More. Chega. Já era. E, nesse período de transformação, diversos canais aconselham: sempre que puder repouse, beba água e assista bons filmes.

Lançado em 1989, Driving… teve 9 nove indicações ao Oscar e levou nas categorias Melhor Filme, Melhor Atriz (Jessica Tandy) Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Maquiagem.

Cabe exemplarmente a pergunta: uai, e o Morgan Freeman?

Baseado na peça homônima de Alfred Uhry, que por sinal faturou o Pulitzer, taí um filme pra reclinar a cabeça no travesseiro e refletir sobre a vida com pontadas de leveza.

Bruce Beresford dirige, de longe o maior acerto desse diretor.

Três são os pilares da trama: Morgan Freeman, Jessica Tandy e Dan Aykroyd, pela ordem o motorista, a patroa idosa e temperamental e seu filho zeloso. Há um quarto pilar que será levado pelo tempo, Idella, a faz tudo, personagem vivida pela atriz Esther Rolle.

Aliás, o fator tempo obriga o espectador a fazer algumas contas. Primeiro, o filme começa em 1948. Segundo, lá pelas tantas, Jessica explana ao motorista que em 1888 ela tinha 12 anos, assim, quando eles se conheceram ela contava com 72 anos. Nenhum letreiro nos informa isso. A data inicial vem de uma notícia de rádio. Quinze anos depois outra notícia, nada demais, nos assinala 1961, Bruce Beresford fugiu daquele padrão de mostrar o andamento do calendário com os fatos marcantes de seu país no citado período, tais quais, a exemplo, Luther King, JFK, Macartismo… Nada disso. Uma das virtudes de Conduzindo Miss Daisy está no universo particular proposto, exercido, vivido. As partes interagem como são, e não como gostaríamos que fossem.

Jessica comete uma barbeiragem ao volante e seu filho contrata um motorista.

A primeira vez que Morgan põe os pés naquela casa, Idella diz para ele: nem que Nosso Senhor Jesus Cristo descesse aqui e me pedisse, eu não entraria nos seus sapatos.

Morgan Freeman tem uma carreira impressionante e, apesar dos últimos trabalhos para a petizada terem o valor de um caroço de azeitona, é bom lembrar suas atuações em Os Imperdoáveis, Um Sonho de Liberdade, Seven, e, definitivamente, em especial no presente trabalho.

Freeman faz Hoke Colburn, está longe de ser um noviço, precisa de grana, trabalha como motorista desde a fundação de Pompéia, na sua entrevista com o filho de Daisy, que explica ser sua mãe um osso duro de roer, Hoke triplica que quando criança era o campeão de correr atrás e derrubar os porcos que iam para o abatedouro. Dan Aykroyd arqueia as sobrancelhas, Hoke estufa o peito, aquilo para ele era a demonstração máxima de suas habilidades em enfrentar o adverso.

Reza um antigo ditado que seres humanos aprendem a trabalhar, mas não a viver. A lida de Bruce Beresford executa uma acentuada inclinação ao tópico conviver.

Nem o Green Peace faria um filme tão arborizado, verde, florido. Essa ambiência nas lentes cinematográficas funciona como uma redoma da primeira a última cena.

Depois de 6 dias sendo repelido por Daisy de todas as formas, Hoke tentava lustrar os móveis, prosear com Idella, mexer no jardim, a tudo ela dizia não até que enfim cede, após o mais cândido argumento:

- Sra., eu preciso desse salário.

A personagem de Jessica Tandy passou infância e adolescência a pão e água, tem verdadeiro horror a qualquer tipo de ostentação, a modesta tecelagem da família prosperou e em 1948 ela vive num daqueles bairros desprovidos de muros entre as residências de dois andares onde a tranquilidade, os tijolos aparentes e os gramados estão entrelaçados pela harmonia de um fluxo de caixa ascendente.

Uma coisa que vale mencionar é a função terapêutica do filme, num sentido próximo do holistico talvez, por 2 horas você é tele transportado para a pessoalidade com decoro e senso de civilidade, guardadas as devidas proporções. Durante 2 horas sua mente se instala num globo sem celulares, mensagens de texto, e-mails, face, noticiário, pânico institucional, etc., é tudo ali, cara a cara, dia a dia, de um lado o serviçal afro americano, de outro uma judia septuagenária, os mundos deles não irão se abraçar, ou até mesmo se aceitar mutuamente de modo pleno, todavia conexões serão criadas de forma paulatina e inexorável.

Das cenas emblemáticas, salta aos sentidos a ida ao cemitério onde Daisy pede para Hoke colocar um ramalhete no túmulo dos Bauer. Hoke hesita. Ela gesticula com as mãos, demostrando ser logo ali, duas fileiras para a esquerda, Hoke titubeia e então fica esclarecido que ele não sabe ler. Daisy revela ter sido professora durante 40 anos e que conhecera as crianças mais estúpidas do mundo. Se elas aprenderam, ele também pode.

No universo proposto por Conduzindo Miss Daisy não há mimimi e ou esquartejamentos por um par de chinelos.

Noutra situação, mais adiante, durante uma viagem interestadual, com Daisy lendo o mapa e Hoke duelando com ela, uma vicinal é perdida, anoitece, o enquadramento exibe o carro estacionando sob um céu estrelado, ela reclama, ele precisa ir ao toalete, ela retruca porque não foi na lanchonete, ele explica num contimento imenso, estóico: a sra. sabe muito bem que negros são proibidos de usar o toalete em lanchonetes.

O racismo na América foi pra valer.

Pessoas que assistiram esse trabalho na época de seu lançamento tendem a dar Daisy como morta no fim do filme. De fato ela envelhece e a paisagem se transforma. Mas termina com ele fazendo uma visita e dando comida pra ela na boca, num lar para idosos.

Já fazia muito tempo desde que ganhara um método de alfabetização. Aconteceu no natal, décadas atrás, a professora aposentada lhe estendeu um embrulho, enfatizando com veemência: isso não é um presente natal. Judeus não fazem isso.

Ambos sorriram luminosos. A vida deles mudaria sobremaneira.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 19/11/2016
Reeditado em 12/06/2020
Código do texto: T5828715
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