VICTOR, “ O GAROTO SELVAGEM”: PRÁTICAS PIONEIRAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL DE JEAN ITARD

O GAROTO SELVAGEM. Direção: François Truffaut. Produção: Claude Miller. Interpretes: Annie Miller; Claude Miller; François Truffaut; Françoise Seigner; Jean Dasté; Jean-Pierre Cargol. Roteiro: François Truffaut, Jean Gruault Música: Vivaldi. Paris. Mundial, 1970 (90 min).

O “Garoto Selvagem”, ou também denominado de Victor de Aveyron, trata-se de um filme originário de um livro sobre o trabalho do médico Jean Marc Gaspard Itard, desenvolvido aproximadamente em 1798 na França. Victor, nome designado ao o “menino selvagem” pelo referido médico foi encontrado em uma floresta próximo a Aveyron (França) por caçadores, o menino apresentava hábitos extremamente animalescos quando encontrado, por isso a denominação de selvagem. Philppe Pinel foi o primeiro médico ao examiná-lo e diagnosticá-lo como um doente mental, enquanto Jean Itard acreditava numa possível reeducação do garoto, e por isso o adotou, passando a realizar constantemente um trabalho sistemático de reeducação com o mesmo em sua residência com ajuda de uma governanta, a Madame Guérin.

No início da trama, quando Victor é encontrado, ele se torna uma espécie de ‘atração circense’, todos estavam curiosos para conhecer aquela “criatura” selvagem. Philppe Pinel após examiná-lo acredita que o mesmo era também um surdo, além de deficiente mental, pois não respondeu ao estímulo de uma porta fechando e envia para uma espécie de reformatório de surdos, onde também recebe um tratamento de grande alvoroço, sendo até maltratado pelas as crianças internadas. Construíram duas teses para explicar a condição do garoto, a de que o mesmo foi abondando em vista da sua “anormalidade”, muito defendida pelo médico psiquiatra Pinel.

Os registros históricos evidenciam que na antiguidade predominava uma visão mística da deficiência, compreendida como resultado da ação do sobrenatural ou como culpa por algum pecado cometido. As pessoas com deficiência inspiravam repugnância, medo e, por isso, eram exorcizadas, abandonadas ou punidas (PAIXÃO, 2011, p.11).

Enquanto Itard, acreditava que Victor poderia ser um bastado, podendo ser isso a causa do seu abandono, e que, a condição de isolamento o fez adquiri a condição de 'debilidade mental', mas que uma reeducação poderia tornar Victor um ser humano social.

Itard consegue a tutela de Victor junto ao estado para desenvolver trabalhos de educação com o garoto em sua residência com auxílio da Madame Guérin, a governanta da casa que no desenvolver da trama acaba construindo um sentimento de maternidade para com Victor. Os trabalhos realizados se concentravam, principalmente em uma educação moral, de ensinar Victor a se comportar como um ser humano social, comer com talheres era um dos modos trabalhado com o garoto, mas antes disso Itard também desenvolve exercícios para estimular os seus sentidos, como o redespertar da sua sensibilidade tátil com banhos em temperaturas extremamente quentes e frias. Alguns exercícios no sentido da audição constataram que o mesmo ouvia perfeitamente e que o motivo de não responder a alguns sons quando acionados, como a batida da porta trabalhada nos primeiros exames por Pinel, era o fato de nunca ter os escutados, e, portanto, sua audição estava adormecida para efeitos sonoros desconhecidos, mas Victor não era surdo, o médico constatou isso. Itard desenvolveu atividades no sentindo mecânico, com métodos apoiados principalmente na abordagem Behaviorista de B. F. Skinner, onde a mesma “defende que o ser humano é controlado por influências externas (meio) ” (Bock et al, 2008, p.34) que através de estímulo – reposta é possível controlar determinado comportamento. Através de estímulos positivos e negativos tentava controlar determinado comportamento de Victor na realização das atividades, o leite era uma das recompensas utilizadas por ele quando o garoto realizava as atividades corretamente e o quarto escuro era a forma punitiva sobre o comportamento dele a realização errônea de determinado exercício. Com o tempo, conseguiu desenvolveu inúmeros modos e ações que envolviam o intelectual, fazendo o médico reconhecer que o mesmo dispunha de uma inteligência, sendo capaz de aprender.

Através dos métodos de associação e imitação, o médico desenvolveu com Victor atividades que envolviam a linguagem também, mas os resultados frustraram as expectativas ambiciosas de Jean Itard, Victor não aprendeu a falar, mas pronunciava alguns silábicos e desenvolveu uma linguagem simbólica comunicativa para algumas situações. A capacidade afetiva dele também se prosperou, principalmente em relação a Madame Guérin, nos momentos de crises do garoto, um abraço e acolhimento dessa mulher acalmava-o. A motricidade de Victor do mesmo modo sofreu alterações, quando encontrado engatinhava como um animal, com diversos exercícios adquiriu o modo de se locomover em posição ereta. O sentimento de justiça estava a pouco incorporado pelo garoto, isso é demonstrado em um momento em que ele realizar corretamente a lição, mas mesmo assim Itard o leva para quarto escuro provocando uma revolta imediata do garoto.

Jean Itard desenvolveu um trabalho de efetiva educação que estimulou o desenvolvimento de diferentes aspectos de Victor que estavam atrofiados pela condição em que vivia antes de ser encontrado, ou ainda pela possibilidade de uma deficiência mental. Os aspectos motores, intelectuais, afetivos, psicológicos e sociais sofreram alguma alteração evolutiva durante os trabalhos realizados pelo médico - educador, fazendo dele um pioneiro de práticas voltadas para educação especial, assim afirma Magalhães (2003, p. 249): “A famosa história do médico francês e de seu pupilo está no imaginário e faz parte das primeiras leituras dos profissionais que se interessam pela Educação Especial e, mais precisamente, pelo estudo da deficiência mental”. As práticas desse médico francês representam os primeiros passos da educação especial que conhecemos hoje, educação essa que atualmente está sendo construído numa perspectiva inclusiva superando o viés segregacionista que estava presente no trabalho de Itard com Victor, todo o seu trabalho educacional desenvolveu-se isolado da sociedade com apenas alguns contatos sociais. Entretanto seu trabalho se configura de grande importância, pois apresentou a sociedade de intensa estigmatização ao deficiente o status de humano a esses seres através da educação, assim enfatiza Magalhães (2002, p.31 apud PAIXÃO,2011):

Sobreviveram décadas de institucionalização e isolamento da pessoa com deficiência. Porém, os trabalhos de ITARD e SEGUIN nos séculos XVIII e XIX, respectivamente e de MONTESSORI, no século passado, enfatizaram a possibilidade da educação da pessoa com deficiência (...).

Dessa forma, é indiscutível a contribuição dos trabalhos de Itard a educação especial que desabrochava naquele período para concepção teórica e prática de educação especial que compartilhamos atualmente, suas discussões estabeleceram um marco na educação da pessoa com deficiência. Sabendo que hoje, temos a seguinte definição de educação especial expressa no artigo 58 do capítulo V da LDB em redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Recentemente a orientação é que os alunos com alguma deficiência sejam incluídos à sala comum de ensino, anulando o segregar dessas pessoas apenas para salas específicas na escola, como ocorriam anteriormente, e reincidindo o expelir dos mesmos a ambientes diferenciados e distantes do contato social como se efetivou ao longo da história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/1996.

BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: Uma Introdução ao estudo de Psicologia. Saraiva, 2008.

MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva. Dissecando Um Mito: Uma Viagem Ao Mundo De Itard E Victor – O Selvagem Do Aveyron. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jul.-Dez. 2003, v.9, n.2, p.249-252

PAIXÃO, Maria do Socorro Santos Leal. Fundamentos da Educação Especial. Universidade Federal do Piauí - UFPI: CEAD, 2011.