Como estrelas na terra - Resenha

O filme indiano “Como estrelas na terra” tem como direção Aamir Khan, configura-se como um filme do gênero Drama e foi lançado no ano de 2007. Um filme intrigante e ao mesmo tempo revelador, uma vez que, mostra como os rumos da sociedade tem levado a construção de relações cada vez mais fracas (não duradouras), individualistas, competitivas, consumistas e à gritante distorção dos valores, o que caracteriza uma sociedade Pós-moderna.

A trama conta a história de Ishaan Awasthi de 9 anos que possui dislexia. Ele sofre por ter dificuldades na escola e por ser incompreendido pela família. Ishaan é indiano, vive numa família tradicional e rígida com a educação (seu pai o cria para ter responsabilidades e para tornar-se um vencedor). Ishaan sempre teve dificuldades na escola, estava repetindo de ano e não conseguia assimilar a leitura, a escrita e por consequência a escola também não sabia lidar com sua dificuldade, tampouco sua família.

Alguns aspectos devem ser considerados no filme, o primeiro deles é como Ishaan, o personagem principal lidava com sua dificuldade de aprendizagem. Percebe-se que a criança desde o início se retrai frente as suas dificuldades e, especialmente, como ela passou a ser vista na sociedade, tanto com os professores, seus colegas e sua família. Ishaan fugia desses espaços onde não era compreendido e sempre apontado como àquele que nada sabe, por isso é “burro”, que não quer aprender, que só dá trabalho e que por muitas vezes é apontado como má influência aos colegas. Deste modo, passou a se retrair ainda mais, escondendo-se em sua imaginação (o que o fazia “fugir” daqueles espaços – desenhava durante as aulas e ia para uma outra dimensão que era só dele: sua própria imaginação).

Outra observação é sobre a família neste processo de fracasso escolar. A família de Ishaan não conseguia entender suas dificuldades, passou a comparar o comportamento do filho ao do irmão (que sempre fora uma criança exemplar na escola). Os pais não compreendiam o fracasso escolar, o que era consequência da dificuldade que ele tinha – o qual se travava de resultado neurológico e não apenas por falta de esforço e empenho em querer aprender. Nota-se, portanto, que a dislexia se caracteriza essencialmente como um distúrbio de aprendizagem, cujas pessoas acometidas por ela possuem dificuldades de leitura. Ishaan muitas vezes falava que as letras estavam “dançando” em sua frente! Por isso, a fluência de leitura era dificultada, e também havia pobreza da decodificação e soletração das palavras. Contudo, ante aos problemas e ao comportamento “inexplicável” de Ishaan, seus pais decidem cumprir com o que sempre o ameaçava, caso ele não se comportasse, levaram-no para um internato.

De início, como era esperado, tal mudança acarreta um sofrimento ainda maior para Ishaan. Agora, longe da mãe que o defendia e dava afeto, não teria por perto o irmão que sempre o incentivou e cuidara dele (gostava de chamá-lo de “vencedor”). Ishaan passou a estar sempre deprimido e isso era observado através dos desenhos que ele fazia, o que era sua grande habilidade desde pequeno. Como era esperado, a nova escola não soube lidar com as dificuldades da criança, apenas o desmotivou ainda mais e começou a perder o gosto de viver.

A nova instituição tinha como lema: disciplinar cavalos selvagens. E mais uma vez as ações da escola mediante a situação de Ishaan foi isolá-lo, humilhá-lo frente aos outros alunos da turma e junto aos professores que apenas reclamavam de seu comportamento. Eles não conheciam da dificuldade da criança, não tinham o interesse de compreender o porquê ele não aprendia. Faltou o preparo dos profissionais, o olhar diferenciado nas atitudes dos professores. Até que chega em sua turma, um professor substituto de artes, chamado Nikumbh.

E é interessante como isso é colocado na trama porque este professor também era educador em outra instituição, uma instituição que atendia apenas crianças com deficiência. Lá haviam crianças e adolescentes com múltiplas deficiências cognitivas e físicas. E, o mais interessante é que o Nikumbh também era dislexo e, foi quando ele reconhece em Ishaan a sua dificuldade e passa ajudá-lo, ensinando a leitura, a escrita, tornando mais fácil a aprendizagem e ensinando a lidar com sua dificuldade. Fica claro a mensagem que o professor trás, quando ao conversar com o diretor do internato, ele diz que as crianças especiais (aqueles que possuem dificuldade) não deveriam estar em escolas separadas das crianças “normais”, porque todas elas possuem suas habilidades, inteligência e conseguiriam aprender se, os professores fossem preparados e capacitados para educá-las. Assim, Ishaan retoma sua motivação a partir da confiança adquirida com o professor que sempre o motiva e estimula a aprender. Através de um olhar diferenciado e aberto, acolhendo em suas dificuldades e singularidades.

A reflexão vale para formação de profissionais, sobretudo professores e porque não as Políticas Públicas de educação, inclusão etc. Os educadores por muitas vezes não estão preparados a esta realidade e ainda, não são incentivados a capacitação para melhor compreender os diversos problemas de dificuldade de aprendizagem.

O uso de estratégias para amenizar e sanar as dificuldades de aprendizado, incluindo ações de profissionais e da própria criança é essencial no processo de descoberta e de retorno da autoestima e desenvolvimento da criança com dislexia. Os professores de Ishaan não viam nele suas habilidades, apenas corrigiam suas atividades e provas de acordo com a gramática e regras preestabelecidas. O professor substituto passou usar com Ishaan uma metodologia de ensino inovadora, onde existe a motivação, passou a usar o conhecimento de mundo dos que ele possui e buscou aprofundar e ampliá-los (usou massa de modelar, utilizando os sentidos sensoriais, caixa de areia, objetos do dia a dia, a arte, música, brincadeiras e jogos etc) que foi essencial em seu desenvolvimento. Além disso, conscientizou demais professores da escola no reconhecimento da diversidade em sala de aula – mostrou-lhes que todas as crianças possuem diferentes modos de aprender e possuem habilidades para diversas coisas, que nem todas elas terão o mesmo grau/tempo de assimilação e aprendizagem. Aqui, vale lembrar o valor do trabalho multidisciplinar como estratégias a serem trabalhados com crianças com dificuldade de aprendizagem, bem como o apoio psicopedagógico que é primordial na detecção e possível diagnóstico nos problemas de aprendizagem.

E, apesar da família não acreditar que a dificuldade que Ishaan tinha não era por indisciplina, eles passaram a valorizar o trabalho do educador Nikumbh, que relutante a isso enfrentou a ignorância do pai de Ishaan e mostrou-lhe alguns valores como o cuidado e o amor aos filhos.

Por fim, o último ponto para análise como a perspectiva da escola, da sociedade e do aluno interfere, no fracasso escolar, vale salientar que o fracasso escolar tem como uma das causas a não aprendizagem, contudo é importante atentar-se no contexto mais amplo, o que atém o entendimento da escola, sociedade e aluno que são por essência interligadas a ação de aprender.

Vê-se que a sociedade abrange a cultura, as condições de relações político-sociais e econômicas, a estrutura social, as ideologias dominantes e as relações com a educação escolar. Faz-se necessário considerar todos estes aspectos quando se fala em fracasso escolar, visto que, estas relações das diferentes classes sociais são significativas na produção da educação. A instituição, por ser um reflexo da sociedade, também é participe no fracasso escolar – a variedade de classes sociais (escolas públicas, privadas) irá determinar a qualidade de ensino em determinada instituição. O compromisso e motivação (se a escola é estruturada, possui material pedagógico disponível, atrativa) dos professores e de todos que são responsáveis pela educação em uma dada instituição será também determinante para o desempenho de aprendizagem. Por fim, a perspectiva do aluno (condições internas de aprendizagem) em sua intrassubjetividade, ou seja, relaciona-se a fatores internos (orgânicos, cognitivos, emocionais) e externos (aspectos sociais, pedagógicos).

O filme finaliza mostrando o progresso de Ishaan na aprendizagem e também no reconhecimento dele enquanto criança dotada de habilidade artística. Na cena do concurso de pintura, onde o professor Nikumbh mobiliza toda a escola, inclusive os professores para participarem, Ishaan e o professor são finalistas com as melhores pinturas, e Ishaan vence tendo como prêmio seu desenho no anuário da escola. Quando nas férias seus pais vão buscá-lo percebe-se a emoção no olhar do pai ao ver o progresso e desenvolvimento de Ishaan e da alegria e gratidão expressada pelo professor. Percebe-se a importância do professor nesta mudança, o afeto e elo criado entre o professor e a criança. Nikumbh soube enxergá-lo e se empenhou para que Ishaan superasse as dificuldades tanto na aprendizagem quanto emocionalmente.

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Elisângela Feitosa
Enviado por Elisângela Feitosa em 23/03/2017
Reeditado em 23/03/2017
Código do texto: T5949948
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