Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015) de Quentin Tarantino

Antes de ler a resenha abaixo, feche a maldita porta! Está quebrada, tem martelo e pregos aí do lado… duas tábuas! Pregue com duas tábuas, senão vai abrir novamente! Isso, agora sim, pode continuar lendo!

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Assisti esse filme pela primeira vez, hoje, na Netflix. Acabei não conseguindo ver no Cinema, mas me recordo que ter visto uma recepção morna, dando a entender que o filme estaria abaixo dos anteriores. E, por conta disso, talvez, o filme me surpreendeu demais! Pois estava esperando algo mediano. E, acredito que por tratar de assuntos que estão em evidência, tanto na sociedade em geral, como na minha área de estudo, contribuíram ainda mais para minha apreciação.

Gostei do ritmo lento, sem pressa, de desenvolver a narrativa e entre 00:42:25 e 00:42:54, não resisti e tive que pausar para transcrever o diálogo entre Oswaldo Mobray (Tim Roth) e John Ruth (Kurt Russell):

— Diz aqui, ‘viva ou morta’.

— Sim, diz.

— Transportar um prisioneiro desesperado e hostil como ela parece um trabalho difícil. Não seria mais fácil transportá-la morta?

— Ninguém disse que seria fácil.

— E por que faz questão que ela seja enforcada?

— Digamos que não gosto de trapacear o carrasco. Ele também tem que ganhar a vida.

— Bem, admiro isso. Permita que me apresente. Sou Oswaldo Mobray, o carrasco dessa região.

— Veja só.

— Sim.

— Parece que lhe trouxe uma cliente.

— Sim, é o que parece.

O mesmo aconteceu por volta dos 47 minutos de filme, a interpretação de Tim Roth aliada ao roteiro de Tarantino, sensacional:

— Então… Você é procurada por assassinato. Para o propósito desta analogia, vamos dizer que é culpada. John Ruth quer levá-la a Red Rock para ser julgada por assassinato e caso seja considerada culpada, eles te enforcarão na praça da cidade. E sendo o carrasco, realizarei a execução. E se todas essas coisas acontecerem, será o que a sociedade civilizada chama de justiça. No entanto, caso os entes da pessoa que matou estivessem do lado de fora agora mesmo e derrubassem a porta, arrastassem você para o meio da neve e a pendurassem pelo pescoço, isso seria justiça de fronteira. Agora, a parte boa da justiça de fronteira é que ela é muito satisfatória. Mas a parte ruim é que pode estar tanto errada como certa.

— Não no seu caso. No seu caso, você teria o que merece. Mas outras pessoas, não muito.

— Mas no fim das contas, qual a verdadeira diferença entre as duas? A verdadeira diferença sou eu, o carrasco. Para mim, não importa o que você fez. Se eu te enforcar, não terei satisfação com sua morte. É o meu trabalho. Eu a enforco em Red Rock, e sigo para a próxima cidade e enforco outra pessoa lá. O homem que puxar a alavanca, que quebrar o seu pescoço, será um homem sem paixão. E essa falta de paixão, é a própria essência da justiça. Pois justiça executada com paixão sempre corre o risco de não ser justiça.

Obviamente, o filme vai muito além disso e tem outras partes memoráveis, mas esta última que transcrevi acima traz uma reflexão sobre algo que tenho discutido bastante, de como as pessoas estão se deixando levar pela paixão em seu conceito de justiça, deixando a razão de lado, o que acaba por anular todas as conquistas de direitos que tivemos em nossa civilização.

Isso tudo vai ao encontro de algo que estudei estes dias:

Princípio da responsabilidade pelo fato: o direito penal não se presta a punir pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser das pessoas, mas, ao contrário, fatos devidamente exteriorizados no mundo concreto e objetivamente descritos e identificados em tipos legais […] Na Alemanha nazista, por exemplo […] Eram tipos de pessoas, não de condutas. Castigavam-se a deslealdade com o Estado, as manifestações ideológicas contrárias à doutrina nacional-socialista os subversivos e assim por diante. Não pode existir, portanto, um direito penal do autor, mas sim do fato.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120). 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 42.