Resenha: o dia que durou 21 anos

Resenha: O dia que durou 21 anos

O documentário O dia que durou 21 anos, do diretor Camilo Tavares, lançado em 20013, apresenta através de documentos, as ligações entre os interesses dos Estados Unidos da América em patrocinar o golpe de Estado ocorrido no ano de 1964 no Brasil. Logo no início do documentário há a apresentação de áudios que revelam conversas entre o então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy e o embaixador americano Lincoln Gordon. O que se enfatiza desde o início do filme é que os Estados Unidos tinham interesses em não deixar acontecer o que ocorreu em Cuba, que por sua vez havia se tornado um país socialista. Segundo os áudios e documentos escritos apesentados no documentário, o Brasil não poderia seguir o exemplo cubano pelo fato de que na época ele (o Brasil) seria uma potência regional e, tomando essa decisão, toda a América do Sul estaria sob a ameaça comunista. O filme apresenta o medo que os EUA tinham do avanço do comunismo, medo esse partilhado pela elite econômica e militares do Brasil, junto a esse medo, a insatisfação da elite econômica brasileira diante do governo de João Goulart, considerado por muitos do período um governo voltado à esquerda política.

O filme destaca a importância que o embaixador Lincoln Gordon teve no desenrolar do golpe civil militar de 1964 que ocorreu no Brasil. Gordon teria sido um “grande ator na arquitetura do golpe”, o embaixador já teria vindo ao Brasil com a missão de barrar o governo de João Goulart. Há diversos trechos de conversas entre Kennedy e Gordon sobre a possibilidade de barrar o governo de João Goulart, entre os argumentos está o de que Goulart era esquerdista e uma prova disso seria a sua simpatia pela reforma agrária. É mostrado a importância da reforma agrária naquele momento e enfatiza-se que a principal tensão social do período era a questão rural. Nesse contexto, Leonel Brizola e João Goulart são usados como exemplos de que suas atitudes políticas, consideradas populistas e de esquerda, poderiam levar o Brasil a tomar o rumo do comunismo, algo intolerável para os EUA. O presidente Kennedy chega à conclusão de que João Goulart é orgulhoso e esquerdista, devido a isso decide que a CIA deveria intervir na situação, e é o que acontece. Desse momento em diante os EUA passam a criar o que chamam de condições para o golpe.

Carlos Fico, professor de História da UFRJ, diz no documentário que os EUA não permitiriam em hipótese alguma que o Brasil se tornasse uma “outra Cuba”. No documentário há discursos anticomunistas feitos pelo presidente Kennedy e pelo alto escalão da política norte americana. Um dos pontos altos do filme é o convite formal que é feito a João Goulart para que ele visitasse uma base aérea norte americana. Nesse convite havia a mensagem implícita de que o governo de João Goulart não deveria seguir o exemplo cubano. Segundo o filme, quanto mais João Goulart optava por uma política de não alinhamento com os americanos, mais ele deixava preocupado o governo Kennedy. Nesse período foi criada a “Aliança para o Progresso”, um programa destinado a reverter verbas para o desenvolvimento da América Latina e que o Brasil recebia uma vultuosa quantia. Há também a gravação de uma conversa entre Gordon e Lincoln em que o presidente dos EUA afirma que a função de Gordon seria a de barrar as ações de João Goulart, caso não conseguisse teriam que afastá-lo, a partir daí a função de Gordon era arquitetar a tomada do poder mediante o apoio dos militares.

Nesse período o medo dos EUA era de que João Goulart chegasse forte às eleições de 1965, então os EUA passam a enviar dinheiro aos opositores políticos de Jango para que com isso fosse financiada uma campanha para a desestabilização política do governo de João Goulart. É também dessa época a utilização do IPES, Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, utilizado como veículo de propaganda política que com comerciais e outros tipos de propagandas visava gerar o caos ideológico propagando o comunismo como um mau a ser extirpado da face da Terra. A URSS e os países comunistas eram apresentados à população como um regime antidemocrático e com total subversão da ordem humana. No filme, Plínio de Arruda Sampaio diz que foi procurado por representantes da oposição ao governo, esses representantes ofereceram dinheiro a ele, quando ele perguntou por qual motivo o ofereciam dinheiro, eles disseram que era para que ele lutasse pela democracia, Plínio responde que isso ele já fazia, pois era um democrata, não precisava receber por isso. Esse suposto dinheiro era financiado pelo IBADE, que financiava os opositores do Governo, financiamento esse feito com dinheiro norte americano. As emissoras, que por sua vez também eram financiadas, faziam propaganda 24 horas por dia contra o comunismo, contra a reforma agrária e contra o governo de Jango.

Quando John F. Kennedy é assassinado em 1963, Lyndon B. Johnson assume seu cargo e continua a política de hostilidade ao governo de João Goulart. Quando João Goulart percebe a situação em que se encontra, vem a público defender amplas reformas e entre elas faz defesa à reforma agrária. Isso chega aos EUA como uma sinalização clara ao comunismo. No documentário também aparece um general da época que defende o que aconteceu, ele chama de revolução necessária pelo fato de João Goulart estar anarquizando o país. Nesse período, os EUA receberam notificações de que estavam sendo realizadas no Brasil passeatas anticomunistas no intuito de convencer a população de que o comunismo era uma coisa maléfica. É enfatizada a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, essa marcha que foi patrocinado por opositores do governo Jango, é uma marcha histórica e que tem a intenção de sinalizar o apoio da população ao golpe que logo seria dado. Nesse momento há grupos militares conspirando em diversas capitais do país. Os EUA oferecem apoio financeiro a todos os que se insurgissem contra o governo brasileiro, o golpe já estava em andamento e Gordon pede ajuda dos Estados Unidos da América, pedido esse que é imediatamente atendido. Gordon pede apoio militar aos EUA para abalar o psicológico de Jango e seus apoiadores. Nesse momento o filme fala sobre a operação Brother Sam, essa operação é responsável pela presença militar norte americana na costa litorânea brasileira. O principal nome citado diante dessa operação é o nome do marechal Castelo Branco, tido como homem católico e admirador da política dos Estados Unidos da América.

Há um documento da CIA que afirmava que João Goulart deveria ser deposto imediatamente; esse documento demonstra que os governadores de São Paulo e de Minas Gerais chegaram a um acordo de que a revolução, nome dado por eles ao golpe de Estado, seria organizado pelo general Mourão Filho. Quando as tropas saíram dos estados citados acima, havia a certeza de que haveria resistência e que o confronto seria sangrento, muitos afirmaram que estavam saindo para lutar e morrer se necessário. Porém, Jango não resiste aos comboios do exército que saem em direção ao Rio de Janeiro. Segundo Plínio de Arruda Sampaio, é difícil afirmar os motivos pelos quais Jango não resistiu, mas ele arrisca-se a dizer que pode ter sido pelo fato de João Goulart perceber a fraqueza de seu esquema militar. João Goulart deixa o Rio de Janeiro, vai para Brasília, lá não dá nenhuma ordem de contra-ataque, de Brasília vai para o Rio Grande do Sul e em seguida declaram vaga a presidência da República, com Jango ainda no Brasil. Segundo os historiadores entrevistados, não aconteceu intervenção militar dos EUA no Brasil pelo fato de não ter havido necessidade, caso tivesse havido resistência e fosse necessário, os EUA estavam preparados. Há uma gravação de áudio que Johnson afirma depois do golpe que estava satisfeito com os resultados, mas que esperava que os ocorridos não lhe trouxessem problemas.

Em um momento do documentário é mostrado uma orquestra tocando em um estúdio, uma música apreensiva, em um “jogo” de som, a música se comprime e aparecem confrontos entre civis e policiais militares nas ruas. Os documentos encontrados dizem haver uma multidão nas ruas pós golpe, multidão essa que ultrapassava em quantidade as festas de carnaval do país. Esse documento é emitido por Lincoln Gordon. Na última parte do documentário é enfatizada a liberdade de imprensa e a liberdade individual. Aparece no vídeo o assessor de Gordon e o próprio Gordon afirmando que os EUA apoiaram de imediato o novo governo imposto ao País, em seguida, aparecem historiadores que afirmam que essa ação dos EUA não foi bem vista por muitos países. Em alguns momentos aparecem gravações em que Gordon afirma que Castelo Branco se apresenta muitas vezes em trajes civis para angariar a confiança da população e mostrar que a ação não havia acontecido apenas por militares, mas havia também o envolvimento de civis, sendo assim o golpe foi civil militar. Também é falado do golpe de Castelo Branco para permanecer no poder e sobre o AI-2, que extinguia a pluralidade partidária. Diante desse acontecimento é cancelada a eleição presidencial de 1965.

O documentário enfatiza a tomada de poder por uma linha dura e também lembra o AI-5, Ato Institucional de número 5, que decreta a recessão do Congresso e suspende o direito de habeas corpus aos cidadãos. Nesse momento é falado sobre a institucionalização da tortura no país, também se fala em instituições como o DOI CODI, local de tortura em que se tiravam muitas informações de prisioneiros políticos. O documentário termina com apresentação de diversos momentos da época, desde fotos e imagens de Kenedy, Gordon, João Goulart e Castelo Branco, até imagens de desconhecidos em pau de arara, multidões em confronto com a polícia nas ruas, pessoas que carregam bandeiras, tanques de guerra em meio a essas multidões etc.

Referência Bibliográfica:

Filme O dia que durou 21 anos. Direção de Camilo Tavares. Brasil: Pequi Filmes, 2012. DVD, (77 min), NTSC-VHS, son., cor., leg.

ronaldo moraes
Enviado por ronaldo moraes em 22/08/2017
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