O SORRISO DE MONALISA: SUBVERSÃO X FEMINILIDADE

O Sorriso de Monalisa. Direção de Mike Newell. EUA. Columbia Pictures Corporation, Revolution Studios e Red Om Filmes, 2003. 125 min.

Por Samuel Rabelo

Este trabalho tem por objetivo discutir o descontentamento com sistemas criados a partir de conceitos conservadores. Os direitos de pensar, agir e evoluir estão submissos às normas de quem considera-se, hierarquicamente, um individuo superior aos demais. Todo aquele que vê nas mudanças novas perspectivas de ideologias e práticas sociais é tido como um simples visionário e sonhador.

Essas informações, dentre outras, serão analisadas e discutidas a partir da resenha do filme “Mona Lisa Smile – O Sorriso de Monalisa” dirigida por Mike Newell. Primeiramente, partimos da compreensão do espaço ocupacional da mulher na sociedade no século XX pós-guerra entre os Estado Unidos e a União Soviética. Observa-se que o sistema educacional da época em que ocorrem as tramas do filme (inicio da década 1950) enfatiza o papel da mulher apenas como dona de casa. mãe e esposa realizando um comparativo com a atual compreensão do espaço feminino na sociedade cuja mulher ganha poder de voz, escolha e liberdade para viver sozinha ou como bem preferir.

O autor da obra enfatiza o processo educacional demarcado por um contexto estratégico e delimitado pelos ideais do fundamentalismo religioso. A educação é estritamente estabelecida e o aprendizado segue a risca o que é determinado pela gestão da instituição, não sendo admitida qualquer intervenção que defenda a modernidade e, assim, a ciência de liberdade e igualdade entre homens e mulheres no contexto social.

As observações a partir das práticas consideradas marcantes, como a caracterização do regime disciplinar da época e dos movimentos que situam o espaço da obra retratada, identificam personalidades e demarcam o quanto as pessoas sofrem influência de acordo com o meio social em que estão inseridas. As personagens sujeitam-se às determinancias do grupo limitando-se aos ideais e escolhas que tal meio impõem criando o falso sentimento de realização. Tal falso sentimento será substituído pelo desejo de ter criado seu próprio caminho de acordo com suas concepções pessoais.

Para realizar um contraste do filme com as obras apresentadas em sala de aula, utilizei as teorias de Bauman & May (2010), Becker (2008) dentre outros que serão citados ao longo do texto que servirão de apoio para a realização da análise e compreensão da temática.

“O Sorriso de Monalisa” é uma comédia dramática e romântica lançada no ano de 2003, tendo como diretor Mike Newell e protagonista Katharine Watson, interpretada por Julia Roberts. Inicialmente nos é apresentado um espaço educacional datado de 1953 que se passa durante o outono no Colégio Wellesley – um renomado e disciplinado colégio feminino dos Estados Unidos cuja educação baseia-se em conceitos pré-estabelecidos e onde sua principal função é disciplinar as alunas para torna-las aptas aos seus futuros “empregos”: mães, donas de casa e esposas recatadas. A funcionalidade desse espaço é exemplar seguindo os padrões de normalidade que exigidos pela época.

De acordo com Almeida (2013) “As mulheres eram educadas para serem boas esposas”. Percebe-se fielmente esse papel da educação em todo o decorrer do filme. Aulas de etiqueta, postura, como servir a mesa, como lidar com situações de imprevistos diante de um jantar marcado com o chefe do marido e sua esposa em busca da promoção dele. Evidencia-se claramente o papel que a mulher detinha na sociedade enquanto mantenedora do lar e o esposo enquanto chefe do lar.

A protagonista, Katharine Watson, é uma professora de Arte, recém-formada, sem tanto prestígio como relatado no filme, mas com muito saber e entusiasmo. Vejo a professora como subversiva, onde deseja expandir os horizontes de suas alunas apresentando o novo, o desconhecido, aquilo que o sistema não apresenta e que pode mudar totalmente a perspectiva de uma ideologia fundamentada em métodos de disciplina e perfeição. Ela é contratada como última opção para lecionar na disciplina de História da Arte. Normalmente, as contratações ocorrem com ex-alunas e pessoas conhecidas. Esse fato é observado ainda hoje em alguns locais, normalmente nos interiores, onde o que é levado em conta o grau de parentesco ou amizade está acima da competência e do currículo.

Ao chegar à instituição, a Srta. Watson, como todo professor recém-formado e ainda com o gás da universidade, vê uma possibilidade de fazer a mudança frente ao Colégio Wellesley e apresentar a Arte Moderna como algo inovador, que remete a reflexão de conceitos e práticas.

Separei o filme em 8 momentos que para mim foram marcantes e determinantes na discussão da temática:

• 1º momento: Frustração da Srta. Watson ao perceber diante de sua primeira aula que as alunas são direcionadas ao sistema de decoração de conteúdo restrito a apostila disponibilizada pela instituição;

• 2º momento: O espanto pelo desconhecido realizado pelas alunas ao serem confrontadas com uma obra de arte que não estava na apostila;

• 3º A demissão da enfermeira Amanda Armstrong por distribuir métodos contraceptivos no colégio e por, segundo a gestão educacional, disseminar a promiscuidade e arriscar quebrar a moral da tão renomada entidade;

• 4º momento: A crítica por parte da direção do colégio à Srta. Watson, pelo seu método de ensino inovador e que foge dos padrões do colégio;

• 5º momento: Aulas de etiqueta baseadas unicamente no papel da mulher enquanto dona de casa;

• 6º momento: A aparência do casamento frente a traição e a imagem do divórcio;

• 7º momento: O confronto e a escolha entre o ideal de casamento e o desejo da aluna Joan Brandwyn em cursar Direito em Yale;

• 8º momento: Contratação efetiva do Colégio Wellesley por meio de exigências submetidas ao sistema regrado e de acordo com a aprovação do conselho escolar, causando a despedida da Sra. Watson por saber que não conseguiria seguir as orientações impostas.

O Colégio Wellesley apresenta durante a recepção das alunas no semestre letivo um sistema claramente disciplinar e baseado em conceitos e costumes seguidos por décadas. Nota-se uma predominância de fatores estéticos e normativos.

As alunas são de classe média e o comprometimento com o sistema a partir das influências obtidas por ele voltadas ao papel da mulher na sociedade apenas como dona de casa, mãe e esposa exemplar é detido durante a obra inteira. Segundo Bauman & May (2010, p.37):

Com relação às práticas cotidianas de liberdade, somos ao mesmo tempo autorizados e constrangidos. Em um nível, nos é ensinado que há tipos de desejos que o grupo considera aceitáveis e realizáveis. Maneiras apropriadas de agir, falar, vertir-se e comportar-se em geral fornecem a orientação necessária para a desenvoltura na vida dos grupos de que fazemos parte.

Nessa perspectiva, percebe-se que na obra as alunas praticavam sua liberdade no grupo contanto que seguissem a risca o que era determinado pela instituição, pois como bem citam os autores Bauman & May (2010, p.37)

[...] a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre essas escolhas nem assegura a liberdade de atingir os resultados desejados. Mais que isso, demonstramos que o exercício de nossa liberdade pode ser um limite à liberdade alheia. Para sermos capazes de agir livremente, precisamos ter mais do que livre-arbítrio.

A maneira como as alunas praticam a liberdade limita-se às regras estabelecidas, onde a busca pela excelência é diária, mantendo com rigor suas notas. Essa liberdade também é refletida na imagem das alunas que sempre estão bem arrumadas e de acordo com o que é considerado louvável pelo meio em que estão inseridas. Essa prática de vestir-se de acordo com o contexto é observável nos dias de hoje em que cada grupo possui suas regras e maneiras de se vestir.

Nota-se a preocupação das alunas com a beleza feminina, traduzindo-se em suas roupas e atrativos. Diante disso, Almeida (2013) diz que “Em sua aparência física a mulher viveu a era da feminilidade, com roupas de cintura marcada, sapatos altos, o uso de luvas e assessórios luxuosos como pérolas e peles.” A década de 1950 é lembrada pelos vestidos rodados e as luvas que davam um ar de sensualidade e ao mesmo tempo feminilidade. Hoje em dia os ares são outros e com certeza passam por longe dessa formalidade que era essencial da época.

Essa mesma questão em estar adequada ao meio por meio de fatores determinantes como as roupas e práticas é notada na Sra. Watson. Ela veste-se formalmente e anda de acordo com os padrões de formalidade estabelecidos. Durkheim (1995:3) reflete de maneira clara a respeito dessas convenções:

“Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe, o riso que provoco, o afastamento em relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. (Durkheim 1995:3)

Até nos dias de hoje isso é observável. Quando as pessoas não vestem-se de acordo com o que o meio social classifica como “normal” sujeitam-se ao risco de serem julgadas e excluídas pelo grupo. Quando percebemos o nível de exclusão, vemos que realmente é uma pena lançada sobre aquele que não seguiu o fator de normatividade do dado grupo e assim não consegue se manter ativo junto a ele.

Ainda relacionando o fato social do padrão de beleza, remetendo o período ao século XIX, José de Alencar escreve a respeito desses padrões e Duarte (2015) reflete dizendo:

“Imagine a posição desgraçada de um homem, que, tendo-se casado, leva para casa uma mulher toda falsificada, e que de repente, em vez de um corpinho elegante e mimoso, e de um rostinho encantador, apresenta-lhe o desagradável aspecto de um cabide de vestidos, onde toda a casta de falsificadores pendurou um produto de sua indústria. Quando chegar o momento da decomposição deste todo mecânico – quando a cabeleira, o olho de vidro, os dentes de porcelana, o peito de algodão, as anquinhas se forem arrumando sobre o toilette – quem poderá avaliar a tristíssima posição dessa infeliz vítima dos progressos da indústria humana?”.

No final do século XIX houve uma explosão no conceito de feminilidade e práticas que deveriam ser seguidas pelas mulheres para que elas alcançassem a graça e a aceitação no meio social em que estavam inseridas naquele momento. Qualquer mulher que não atendesse ao estereótipo importo era excluída do convívio social e rotulada como indevida.

No primeiro momento em que a Srta. Watson coloca-se frente às alunas na sala de aula em sua primeira ministração da disciplina História da Arte, percebe-se como em todo filme o sistema disciplinar desde a atenção no momento em que a professora entra em sala de aula até a ajuda com o projetor.

De imediato, a professora percebe o entusiasmo da classe ao descrever uma obra apresentada por ela. Pouco a pouco, toda classe acaba descrevendo as obras. Daí a detentora percebe que na verdade as alunas simplesmente decoraram a apostila que a instituição impõe que seja estudada ao invés de compreender a arte como ela realmente é, com seus conceitos, formas, cores e sinônimos.

Seguindo a reflexão de Becker (2008) ele diz que “A função do grupo ou organização, portanto, é decidida no conflito político, não dada na natureza da organização”. Na obra resenhada, nota-se que a instituição detém o papel estabelecido pelo meio político e organizacional da sociedade local. Ela treina e ensina suas alunas a seguirem fielmente as regras de etiqueta e prepara as mesmas para o trabalho no lar diante de esposo e filhos.

Frustrada com o ocorrido a professora enxerga na Arte Moderna uma chance de liberdade dessas ideologias primitivas. De certa maneira, ela acaba sendo preconceituosa, pois cada grupo possui suas determinancias e regras de convívio e para que o desenvolvimento do mesmo ocorra harmoniosamente, faz-se necessária seguir as orientações e práticas determinantes.

Srta. Watson é confrontada pela direção do colégio e é aconselhada a manter a disciplina, seguindo os ensinamentos que são estabelecidos pela instituição. Obviamente que a protagonista da obra possui algo a incluir e deseja que suas alunas possam olhar além daquilo que é apresentado a respeito da arte de maneira rasa.

Ela apresenta em um dado momento da aula a obra “Carcaça” de Sutini (1925) e provoca um momento de espanto nas alunas, pois a obra retratada não está na apostila pertencente a disciplina e que foi dada pela instituição já com o programa da disciplina desenvolvido.

A partir desse momento a Srta. Watson percebe que há bem mais em suas alunas do que está na apostila e que pode desenvolver o senso crítico das mesmas apresentando-lhes uma nova perspectiva do que elas conhecem como arte por meio da arte moderna.

No terceiro momento pontuado, percebe-se o quanto o meio social do Colégio Wellesley preocupa-se de fato com as questões familiares impostas pela comunidade e ideologias da religião pertinentes ao casamento e sua ordem natural da reprodução. A enfermeira Amanda Armstrong ao cumprir o papel de todo enfermeiro na questão da distribuição de contraceptivos acaba levantando uma polêmica dentro da instituição de que estaria promovendo a promiscuidade e deixando duvidosa a fama do colégio. Dessa maneira ela acaba sendo desligada da instituição por seu método de trabalho que segundo a gestão fere o perfil do meio social.

De acordo com Becker (2008)

Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider.

Todo aquele que não segue o que foi imposto pelo meio é considerado de certo modo uma ameaça, pois pode influenciar os demais membros do grupo e assim criar uma nova perspectiva a respeito de algo que venha ser lançado como questão reflexiva a partir de fatos como é o dos métodos contraceptivos.

A Srta. Watson fica chocada com a situação que se estabeleceu em volta de um problema que normalmente é debatido na comunidade. Após isso, ela começa a ter ciência de fato de como o método de ensino é estabelecido pela instituição e o que acontece quando alguém não segue fielmente o que foi determinado.

Becker (2008, pg. 17) observa que [...] “diferentes grupos consideram diferentes coisas desviantes”. Senso assim analiso que o ato realizado pela enfermeira foi considerado como desviante e as aulas realizadas pela Srta. Watson estão começando a serem vistas com os mesmos olhos.

Algo bastante observado no filme e que reflete claramente no objetivo central de tal são as aulas de etiqueta e bons costumes. Durante a aula de como sentar, preparar um jantar e lidar com imprevistos. Como uma aluna de Wellesley deve lidar com seu compromisso diário em seu lar e diante de seu esposo como maior avaliador de competência.

Aos poucos o filme prende a atenção do telespectador o nos transmite uma reflexão acerca do papel da mulher a sociedade e o quando o meio evolui diariamente garantindo que as mulheres possam conquistar os espaços que antes era totalmente sujeitos aos homens. Ao fazermos isso, conseguimos adequar as informações de análise do filme com a realidade na qual estamos inseridos e levantar questionamentos a respeito do nosso papel frente a essas questões.

Segundo Becker (2008, pg. 24) “Se um ato é ou não desviante, portanto, depende de como outras pessoas reagem a ele”. Sendo assim, o ensino aplicado pela professora Watson é confrontado por algumas pessoas do meio escolar a partir do momento que começa a desvincular do que foi estabelecido anteriormente. Segundo o que a instituição deixou claro, regras servem para serem seguidas.

O ideal de casamento é colocado à prova no momento em que uma das alunas se casa e em pouco tempo encontra-se presa ao lar e o marido a trai usando a desculpa que precisa sair para trabalhar em outra cidade. A questão do divórcio é colocada em questão e algo que naquela época era inadmissível, independente do que acontecesse era a mulher ser “desquitada”. Percebemos nesse momento o quando a cultura influencia nas escolhas individuais. Por mais infeliz que a mulher estivesse ela deveria manter a imagem e o sorriso no rosto, sem deixar transparecer as coisas ruins que estavam acontecendo.

Um momento bem reflexivo no filme dar-se-á quando a aluna Joan Brandwyn desperta seu desejo em cursar Direito em Yale. A Srta. Watson enxerga nisso uma chance de “salvação” dos conceitos impostos à mulher e a responsabilidade dela em apenas estudar para servir e nunca ser servida.

A Srta. Watson faz o possível para ajudar a aluna e ela é admitida na universidade. Nesse momento, flui o receio em contar para o futuro noivo que deseja ser advogada. Ele por sua vez, está prestes a iniciar a pós-graduação. Infelizmente os argumentos da Srta. Watson não são suficientes para ultrapassar a barreira da ideologia de que para a mulher ser feliz e realidade deve servir totalmente ao esposo, abrindo mão de seus sonhos e objetivos; a aluna Joan Brandwyn se casa e surpreende a Srta. Watson ao afirmar que essa era a prioridade dela, constituir uma família.

A partir desse momento, a Srta. Watson começa a entender que de fato, mesmo apesar da influência do sistema de ensino sob as alunas, muitas delas desejam estar ali e não se importam de abrir mão de uma carreira pelo ideal visionário do casamento.

Para a surpresa da Srta. Watson ela é chamada para atuar efetivamente no Colégio Wellesley, porém, por meio de uma série de ordenanças. O comitê do colégio exige que ela siga a risca a apostila que for entregue as alunas, que não aconselhe as alunas com assuntos fora de sua disciplina e que seus planos de aula sejam revisados pela coordenação no início do semestre.

Segundo Becker (2008, pg. 27)

Se tomamos como objeto de nossa atenção o comportamento que vem a ser rotulado como desviante, devemos reconhecer que não podemos saber se um dado ato será categorizado como desviante até que a reação dos outros tenha ocorrido.

De acordo com a reação do meio em que ela estava inserida e o incomodo que sua metodologia de ensino causara na instituição, acabou desviando-se do que o colégio buscava: um professor que mantenha o sistema do jeito que está e que seja submisso às normas e regras da instituição.

Obviamente que a Srta. Watson e seu ideal transformador não compreende estar ali se não poderá de fato ensinar História da Arte. Ela decide ir embora e carrega consigo, apesar de tudo, a esperança de que a semente foi lançada ao solo e que as alunas saberão lidar com as transformações que venham surgir.

Segundo Mallard (2008)

Com as mudanças socioculturais, atualmente a mulher possui os mesmos direitos em relação ao homem, com as mesmas responsabilidades e obrigações, e com isto, houve um maior desenvolvimento e envolvimento de sua personalidade frente às diversas atribuições, passando ela a dominar e assumir praticamente todas as situações e áreas: arte, ciência, tecnologia, casa, trabalho, decisões, iniciativas, política e etc. E apesar destas mudanças, manteve suas funções naturais de mãe. Todas estas alterações na história da mulher, fez com que ocorressem profundas transformações psicológicas, resultando em uma pessoa livre, independente e autônoma, ao invés de submissa, dependente e obediente

Sem dúvida nenhuma que houve um grande avanço após o século XX nos direitos de igualdade e direitos sociais conquistados pelas mulheres. Ainda há muito a fazer, pois em alguns ambientes ainda podemos presenciar situações de machismo e inadequação da classe feminina aos olhos de quem vive na margem dos idealismos que antes era de obrigatoriedade da mulher.

Segundo Bauman e May (2010)

A socialização nunca cessa em nossas vidas. Por essa razão, os sociólogos distinguem estágios de socialização (primário, secundário e terciário) que produzem formas de interação complexas e transformadoras entre liberdade e independência.

Todos estamos aptos a desenvolver a socialização em um grupo social e para isso passamos por um período de compreensão e aceitação das regras que nele são importas. Quando partimos para a análise do filme, percebemos cada processo desse citado ser vivido pela Srta. Watson e os desafios que ela encontra no processo de socialização não só com as alunas, mas com todos em geral.

Estar aberto a novas concepções de ideais e direcionado à um determinado grupo coloca o individuo frente a socialização e possibilita que ele possa desenvolver-se em qualquer âmbito se assim desejar. Para isso, faz-se necessária a compreensão de que cada grupo pensa, age e idealiza de uma maneira. Logo, seu modo de conduzir a vida não será igual ao do próximo.

Segundo Cavalcanti (1993)

Na época em que a bíblia foi escrita, o mito de Lilith foi censurado por conter essa proposta contestatória, onde a mulher reclama um lugar junto ao homem, uma posição de igualdade e não de submissão. Os homens tinham medo de que ele influenciasse as mulheres a quererem ser independentes destes, assim como Lilith não aceitou ser dominada por Adão. Mas torna-se popular na Idade Média, no período de caça às bruxas, como um exemplo moral de punição para a rebeldia, a independência e auto-suficiência da mulher

Aos poucos conseguimos evidenciar que a luta por reconhecimento de uma superioridade existente entre homens e mulheres ocorre há anos e com certeza há séculos, desde que a mulher toma ciência de que pode caminhar com suas próprias pernas. Essa luta é histórica, vemos na obra resenhada alguns modelos claros desse momento de conflito. Nos grandes bailes de época, as mulheres que eram consideradas as damas da sociedade ficavam a espreita de algum pretendente enquanto o homem só aguardava.

Becker (2008) reflete de forma simples a respeito do que venha a ser um desvio, a maneira como ele ocorre, suas definições e consequências da realização dos mesmos no meio social em que o individuo está inserido. Ao praticar o desvio, o individuo está propenso a sofrer com as consequências e consequentemente pode ser deixado de lado e até esquecido pelo meio em que está situado. Adequar nossa maneira de viver à luz de preceitos e ideais figurativos baseados em concepções de senso comum e permeados na maioria das vezes por uma ideologia religiosa, onde o decoro e as normas devem ser seguidas fielmente é o que buscam muitos meios que desejam adequar o individuo e não aceita-lo como ele é.

Ao falarmos sobre feminilidade refletindo na obra resenhada, encontramos o seguinte pensamento de Cavalcanti (1993, pg.111)“A feminilidade passa a ser definida como submissão, castidade, fidelidade, obediência, sacrifício (...) Transfigura-se para a mulher tudo o que ameaça a ordem patriarcal e o lugar do homem como senhor absoluto”

O ideal de soberania masculina sobre as práticas sociais que as mulheres vem desenvolvendo com competência e assim assustando os outros meios ainda persiste em existir. A mulher que antes detinha apenas o serviço doméstico como única responsabilidade, hoje está à frente de grandes empresas, ocupando cargos que antes eram unicamente ocupados por homens. O interessante disso tudo é que aos poucos a sociedade não enxerga mais essa evolução como ameaça, mas como apoio aos demais grupos sociais.

Em relação ao papel da mulher enquanto mãe, evidenciado no filme analisado, Badinter (1986) reflete que:

Com o surgimento da pílula anticoncepcional, a mulher ganha domínio de sua fecundidade e sua liberdade sexual. A partir daí, ocorre a separação entre a sexualidade e a procriação, e os homens perdem o controle sobre a sexualidade das mulheres. A relação de força inverte-se, pois é dela que tudo depende, e nada pode ser feito contra a sua vontade. Ela pode recusar ter o filho que ele deseja, como procriar contra a vontade dele, reduzindo-o ao papel biológico de inseminador, sem que ele saiba jamais que é o pai. Aos poucos, a maternidade não é vista mais como sagrada e a mulher passa a ser vista como um indivíduo como os outros.

No filme a questão do contraceptivo fica exposta no momento em que a enfermeira Amanda Armstrong é demitida por distribuir métodos contraceptivos no colégio. Nesse momento a mulher estava presa ao regimento familiar que a obrigava a casar-se e engravidar o quanto antes para garantir a continuidade genealógica do homem. Hoje em dia o que encontramos são mulheres independentes, donas de seus corpos e que não pensam em filhos como antes, simplesmente como objetos de procriação, mas como ideais em conjunto ou individual, como elas bem preferir.

Percebe-se que o filme, por apresentar um caráter narrativo que por vezes permeia o clichê, mostra de modo similar e um tanto quanto tímido o que seria o ponta pé inicial da ideologia feminista. É necessário lucidar no entanto que o feminismo não é o pano de fundo da obra cinematográfica analisada e sim uma trama que nos faz questionar o quanto nossa sociedade evoluiu, melhor dizendo, o quanto que a subserviência feminina é proposta e imposta implicitamente por um sistema patriarcal e falocêntrico que impera em muitos grupos sociais da parte ocidental do continente.

Recomenda-se portanto a obra para aqueles que se interessem pelos estudos culturais e ideológicos sobre as pragmáticas constituidoras de um dos debates ideológicos pertinentes para os estudos sociais: a subserviência feminina versus o empoderamento.

REFERÊNCIAS

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BADINTER, E. Um é o Outro. 5ª edição, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

BAUMAN,Zygmunt; MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

BECKER, Howard S: Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, p. 15-30, 2008.

CAVALCANTI, R. O Casamento do Sol com a Lua. 3a edição, São Paulo: Cultrix, 1993.

DUARTE, Letícia. ZH Caderno PrOa. Como os padrões de beleza estão se tornando mais exigentes e irreais. 31/01/2015. Disponível em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2015/01/como-os-padroes-de-beleza-estao-se-tornando-mais-exigentes-e-irreais 4691165.html#showNoticia=NCRYQlZwdFo1MzcwNDQxODk3MTc1MTYyODgwL2JTMjI3NzY0NDE5MzcwMzEwNDgyNiZ7KjU1NjI2NTcxNDU1NTM0MjAyODhyKTxqK3RNLzRUOUFGez5+NDY=>. Acesso em 14 de setembro de 2017.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves, São Paulo: Martins Fintes, 1995 [1895].

MALLARD, S.D.S. A mulher do século XXI. 2008. Disponível em: http://www.afolhadomedionorte.com.br/2012/03/08/a-mulher-no-seculoxxi. Acesso em: 10 Set. 2012.

Portal Educação, Transformações Sociais das Mulheres no Século XX. Disponível em: < https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/marketing/transformacoes-sociais-das-mulheres-no-seculo-xx/20862>. Acesso em 16 de setembro de 2017.