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 A toda-poderosa Mulher administra sabiamente o Mundo, manejando o seu tear.  Mas, como um dos limites do poder é a solidão, cria (tece) ela um companheiro.

          Não correspondendo este aos seus justos anseios, a jovem o descria, destecendo-o - restabelecendo assim, de forma natural, o equilíbrio das coisas.

        As estações do ano se reajustam, as emoções se consolam, a justiça se faz: desapareceu, pelas suas mágicas e decididas mãos, o marido egoísta, insensível e cruel.

          E tudo operado de uma maneira simples, breve, eficiente, objetiva, silenciosa: bastou descobrir-se iludida e ludibriada por um homem que só visava a lucros e bens materiais, e nunca a uma felicidade a dois, para manusear inversamente o tear, desfazendo castelo, criados, tesouros e o próprio esposo.  E o cônjuge de voz apatifada e atitudes maléficas virou nada.

          Note-se o seu senso de responsabilidade, de preservação cósmica: nenhuma atitude de raiva momentânea ou ódio continuado ou vingança generalizante: zeladora da Natureza, ela para no justo momento em que desteceu o marido, não desconstruindo nada além.

          Guardiã consciente dos segredos da Vida, fá-los funcionar de novo: neve, luz, noite, aurora, plantas e seres, tudo ela rege, regiamente.  Projeta-se aí, inteira, a teoria do eterno retorno. ( 1 )

          Tolice dizermos coisas como:
"Trabalha exaustivamente a linguagem...",
"porque a delicadeza das expressões..."
"porque isso, porque aquilo..."

e outras bobagens afins.

          Por quê?  Por óbvio.  A palavra escrita, matéria-prima da Literatura, precisa passar de prima a irmã, a mãe, ou não se realiza plenamente --- e, por conseguinte, encanta menos.   Ou nem encanta.   (Disso todo mundo sabe.)

          
Ora, trabalhar a linguagem é, na obra colasantiana, fiscalizar erros gramaticais, incoerências vazias (que as há lindas também), selecionar termos e expressões até torná-los insubstituíveis, num exorcismo sobrenatural.  Eis aí a bênção da palavra certa, exata, única.

          O prazer estético se casa, então, com essas experiências de vida/domínio estilístico/perfeição técnica do gênero textual escolhido (no caso, o conto).  E desse casamento nasce a nossa admiração pelo que lemos e relemos e trelemos.

         
 Também nesse conto, o maravilhoso não pede licença nem alinha explicações: a garota já surge em profícua atividade; e, após o marido acidente-de-trabalho, pedra-ruim-no-caminho, prossegue tecendo - concedendo cores, vida e harmonia ao Universo.


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          Notas:
1 - Permitam-nos uma digressão:
         Esse restabelecimento da ordem original ocorrerá, sim, só que próximo ao Fim dos Tempos, quando não mais existirmos...  Tenhamos fé nesse dia!  Maldito seja o Homem!

2 - Envolvi-me neste trabalho durante 39:00h, até 12/05/2011.
Jô do Recanto das Letras
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 30/01/2009
Reeditado em 12/05/2011
Código do texto: T1413806
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