A educação em novas perspectivas sociológicas

RESENHA DO LIVRO DO PROFESSOR CANDIDO ALBERTO GOMES

por José Neres

GOMES, Candido Alberto. A educação em novas perspectivas sociológicas. 4ed. rev. e ampl. São Paulo: EPU, 2005.

Quando, no início do século XX, o pensador Émile Durkheim publicou o livro Sociologia e Educação, abriu caminho para os estudos sociológicos na área da educação. Em quase um século de existência, muitos autores se dedicaram a esse tema que é, por sua própria natureza, inesgotável. Como nem sempre é possível recorrer às fontes primárias dessa ciência, os estudiosos sentiram falta de livros que condensassem de forma sistemática, crítica e confiável os diversos pensadores que se dedicaram ao assunto.

Foi provavelmente pensando em pesquisadores e estudantes que buscavam uma visão panorâmica sobre a Sociologia da Educação que o professor, pesquisador e consultor da UNESCO, Candido Alberto Gomes publicou o livro Educação em Perspectivas Sociológicas, que depois foi ampliado, atualizado e revisado, ganhou o título de A Educação em Novas Perspectivas Sociológicas e foi publicado como parte da coleção “Temas Básicos de Educação e Ensino”, da Editora Pedagógica Universitária.

O livro está dividido em três grandes partes que, à primeira vista, podem até parecer independentes, mas que se completam no que concerne à sequência lógica dos conteúdos estabelecida pelo autor, que sai do plano mais geral: uma síntese do pensamento dos principais sociólogos da educação, e alcança um campo mais específico, que é a uma análise do sistema educacional a partir dos referenciais teóricos discutidos no início do livro.

O primeiro capítulo da obra, intitulado Enfoques Teóricos em Sociologia da Educação é também o mais extenso do livro, abarcando cerca de 40% do total da obra. Partindo da premissa de que existe um paradigma do consenso e um paradigma do conflito, o autor começa a primeira parte do livro deixando claro que o período mais recente dos estudos sociológicos dedicados à Educação podem ser divididos em duas partes: uma que concebe “a educação como fator de democratização, de distribuição de renda” (p. 01) ou até mesmo de melhoramento da natureza humana e outra caracterizada pelo pessimismo pedagógico. O primeiro momento vai até a década de 60 do século XX e, a partir daí, é substituído pelo segundo momento.

Após diferenciar em que consiste cada um dos paradigmas e de situá-los historicamente, o autor passa a estudar o paradigma do consenso com seus respectivos representantes e teorias. Dessa forma, ele contextualiza e pondera sobre o Funcionalismo de Parsons e seus seguidores, a contribuição de Durkheim, “o mais importante precursor do moderno funcionalismo” (p. 16) e a teoria técnico-funcional da educação, de Clark, Kerr e seus colaboradores. A seguir, o autor tece comentários sobre o paradigma do consenso no Brasil, país que “viveu marcado pela emergência da sociedade urbano-industrial” (p. 28). Nesse ponto, Gomes destaca a importância do educador Anísio Teixeira para o Brasil.

Concluído o estudo sobre o paradigma do consenso, o autor passa a analisar os autores e as teorias que se filiam ao paradigma do conflito. Comenta a visão marxista sobre educação e, depois, concentra-se nos autores da corrente neo-marxista, como Althusser, com seus aparelhos ideológicos e repressivos do Estado; Bourdieu e Passeron, defensores da ideia de que “o desempenho escolar está ligado às origens culturais” (p.39); Bowles e Gintis, pensadores que teorizam sobre a possibilidade de ser o capitalismo, e não a educação, a fonte das mazelas sociais; e Gramsci, com suas teorias sobre infraestrutura e superestruturas sociais.

Ainda estudando o paradigma do conflito, Candido Gomes comenta a chamada “Nova sociologia da educação” e estuda as teses da “sociedade sem escola”, de Illich; a Pedagogia do oprimido e a Educação como prática de liberdade, de Paulo Freire; a Teoria da dependência de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto; e também os dois pilares da Teoria Crítica, na qual despontam pensadores como Adorno, Marcuse e Habermas. Antes de concluir o tópico relacionando o paradigma do conflito com a sociedade brasileira, o autor estuda os teóricos que apóiam o questionam a noção da pós-modernidade, estudando Habermas, Bell e Giddens, mas concentrando em Lyotard, para quem a criação do conhecimento é ideológica, e Baudrillard, que defende a tese da que a pós-modernidade está centrada no crescimento da sociedade de consumo. É dada também nessa parte do livro uma atenção especial à Sociologia da Experiência, defendida por Dubet, e que se caracteriza pela “heterogeneidade dos princípios culturais e sociais” (p. 87), com o indivíduo se relacionando com e se identificando com diversos círculos, mas sem participar integralmente de nenhum deles.

Para concluir o primeiro capítulo, Gomes analisa o paradigma do conflito na sociedade brasileira, na qual “a educação superior é vista como um processo de qualificação do indivíduo para ocupar posições sociais elevadas” (p. 91) e comenta a semidesorganização social das escolas. Importante notar que nesse primeiro capítulo, o autor não se contenta em apenas citar autor obras e teorias sociológicas, mas sim analisa e critica cada dos pensadores citados, expondo os pontos positivos e os negativos das ideias por eles defendidas.

No segundo capítulo – intitulado A escola segundo os paradigmas do consenso e do conflito – bem mais curto, mas nem por isso menos profundo, o autor do livro relaciona as teorias discutidas no capítulo 1 com o ambiente escolar. De modo geral fica a ideia de que a escola é uma instituição que “impõe certos padrões e valores ao alunado” (p.100) e que, por ser uma entidade naturalmente complexa, equilibra-se entre o consenso e o conflito. Enquanto Parsons, representante do consenso, diz ser a sala de aula um ambiente de socialização, Waller, no olhar do conflito, admite serem os professores “agentes de imposição cultural sobre os estudantes” (p.101). Se, por um lado, o consenso diz que a escola é uma agente da transformação do indivíduo e do ordenamento das relações sociais, por outro lado, Levy argumenta que o verdadeiro objetivo da instituição escolar é preparar o jovem para a aceitação de seu fracasso.

A partir desses aspectos, o autor passar a trabalhar outros aspectos relacionados à vida escolar, como o protagonismo dos alunos, a adolescência, violência, massificação da escola e as expectativas dos professores. Sem ficar apenas no âmbito da teorização, o livro traz também um subtópico com “algumas implicações práticas para o educador” (p.142), no qual dá sugestões, mas também lembra que não existem receitas prontas para resolver os problemas da educação.

O terceiro e último capítulo vem em forma de interrogação: A educação e as desigualdade: é possível construir uma escola democrática e efetiva? Nele, o pesquisador começa por admitir que a escola é uma “arena conflitual que se situa entre vários fogos” (p.146) e a seguir enumera alguns desses fogos que cercam a escola: democratizar oportunidades, preparar o educando para a vida em sociedade, conservar a herança cultural e exercer a função de controle social.

A seguir o livro trabalha algumas questões essenciais para a compreensão do fenômeno educacional, como as diferenças sociais entre alunos, suas origens e o impacto disso nas relações sociofamiliares e educacionais, a relação entre gênero e aprendizagem, os diferentes sistemas educacionais, os currículos e a gestão educacional. De modo bastante coerente, como ocorre ao longo de todo o livro, o autor deixa claro que não existe uma panacéia miraculosa para resolver a todos os problemas sociais, metodológicos e pedagógicos que assolam a educação e sempre se volta para discutir a educação no Brasil.

Antes de fecha o estudo com o Brasil visto pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Candido Gomes se dedica a estudar as diferenças entre as escolas, concentrando-se em elementos como as despesas por alunos, as instalações escolares e os recursos disponíveis, o tamanho das escolas, o número de alunos por turma, o tempo letivo, a formação e a disponibilidade dos professores, a gestão e o clima escolar e o efeito das relações entre os colegas. Finalmente, o autor passa para as diferenças dentro das escolas e faz um estudo sobre os resultados obtidos pelo SAEB, cotejando-os com dados e outras pesquisas de grande porte.

O livro Educação em novas perspectivas sociológicas é uma obra que se propõe a ser ao mesmo tempo de leitura integral e de consulta, pois apresenta um apanhado teórico de relevante consistência, sem perder de foco a realidade do país e os indicadores educacionais que poderão ser vir como ponto de partida para futuras pesquisas relacionadas à educação em sem seus mais diversos níveis. É uma obra que traz a seriedade de um pesquisador aliada a preocupação de um educador e que pode contribuir tanto para a compreensão do passado de nossa educação como para o planejamento de políticas voltadas para o desenvolvimento sociocultural do país.

José Neres
Enviado por José Neres em 23/12/2010
Código do texto: T2688596
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