O Físico e o Autor Prodigioso - A genialidade de Jorge de Sena.
"Loucura!", é o pensamento que prevalece em mente durante o início da leitura. Mas, ao decorrer desta, tal pensamento esvai-se um pouco e dá lugar a admiração tanto do Físico Prodigioso, quanto do Autor Prodigioso - Jorge de Sena.
É incrível a maneira com que Sena pinta todo o enredo numa tela medieval, cheia de traços contemporâneos à época. Esse medievalismo, claro, é ferramenta apenas e não chega a ser realmente um elemento datador da obra; serve justamente como ferramenta de ligação entre vários elementos que o autor pretende parodiar através das "andanças" do Físico. É sabido que a obra, de forma geral, segue os mesmos moldes do "Horto do Esposo": obra de caráter religioso escrita em Portugal, no final do século XVI, e era tido como um "manual do bom homem religioso", pois inspirava a renúncia aos bens materiais, prazeres mundanos e a conseguente salvação.
No entanto, fica claro que, em "O Físico Prodigioso", tais valores são invertidos, destorcidos e atualizados à fim de formar-se uma grande ironia, situada principalmente na figura da personagem principal, pois esta tem sua alma rendida ao Diabo e este mantém um amor incondicional (além de relações sexuais) para com o Físico e, ainda sim, a personagem central tem a "Índole do bem" ou, ao menos, a que se espera de um bom homem de fé, salvando dona Hurraca (e nutrindo forte amor por esta) através de métodos condenados no "Orto do Esposo", métodos onde a sexualidade fica "implicitamente explícita".
De Sena também se utiliza de métodos incontestavelmente vanguardistas, como a "narração dupla", onde a narrativa interrompe o curso normal e passa a ser narrada por duas "vozes", representadas por duas colunas de texto e direcionando uma leitura simultânea, ainda que por dois diferentes vieses - pode-se dizer que uma voz moral e outra imoral, ou a aparência e a verdade.
É através dessa genialidade que o autor consegue fazer da obra contemporânea, ainda que dialogando com a tradição tanto literária, quanto social e humanística portuguesa, fazendo das andanças, sofrimentos, êxitos e - por fim - condenação e "morte" da personagem do Físico, quase que um reflexo do seu exílio de Portugal - pátria que tanto amara e que acabara por força-lo a viver correndo o mundo. Tudo isso trazido à obra através do, e pela presença do, elemento fantástico.
Para finalizar, nada melhor que uma citação do próprio autor sobre esta obra: "(...) pouco do que eu alguma vez escrevi é tão autobiográfico como esta mais fantástica das minhas criações totalmente imaginadas." - 1977.
Nota:
A intenção da resenha era ser curta e simples, deixando os desfechos do enredo um pouco de lado, baseando-se mais nos aspectos constituintes da obra em questão.
"Loucura!", é o pensamento que prevalece em mente durante o início da leitura. Mas, ao decorrer desta, tal pensamento esvai-se um pouco e dá lugar a admiração tanto do Físico Prodigioso, quanto do Autor Prodigioso - Jorge de Sena.
É incrível a maneira com que Sena pinta todo o enredo numa tela medieval, cheia de traços contemporâneos à época. Esse medievalismo, claro, é ferramenta apenas e não chega a ser realmente um elemento datador da obra; serve justamente como ferramenta de ligação entre vários elementos que o autor pretende parodiar através das "andanças" do Físico. É sabido que a obra, de forma geral, segue os mesmos moldes do "Horto do Esposo": obra de caráter religioso escrita em Portugal, no final do século XVI, e era tido como um "manual do bom homem religioso", pois inspirava a renúncia aos bens materiais, prazeres mundanos e a conseguente salvação.
No entanto, fica claro que, em "O Físico Prodigioso", tais valores são invertidos, destorcidos e atualizados à fim de formar-se uma grande ironia, situada principalmente na figura da personagem principal, pois esta tem sua alma rendida ao Diabo e este mantém um amor incondicional (além de relações sexuais) para com o Físico e, ainda sim, a personagem central tem a "Índole do bem" ou, ao menos, a que se espera de um bom homem de fé, salvando dona Hurraca (e nutrindo forte amor por esta) através de métodos condenados no "Orto do Esposo", métodos onde a sexualidade fica "implicitamente explícita".
De Sena também se utiliza de métodos incontestavelmente vanguardistas, como a "narração dupla", onde a narrativa interrompe o curso normal e passa a ser narrada por duas "vozes", representadas por duas colunas de texto e direcionando uma leitura simultânea, ainda que por dois diferentes vieses - pode-se dizer que uma voz moral e outra imoral, ou a aparência e a verdade.
É através dessa genialidade que o autor consegue fazer da obra contemporânea, ainda que dialogando com a tradição tanto literária, quanto social e humanística portuguesa, fazendo das andanças, sofrimentos, êxitos e - por fim - condenação e "morte" da personagem do Físico, quase que um reflexo do seu exílio de Portugal - pátria que tanto amara e que acabara por força-lo a viver correndo o mundo. Tudo isso trazido à obra através do, e pela presença do, elemento fantástico.
Para finalizar, nada melhor que uma citação do próprio autor sobre esta obra: "(...) pouco do que eu alguma vez escrevi é tão autobiográfico como esta mais fantástica das minhas criações totalmente imaginadas." - 1977.
Nota:
A intenção da resenha era ser curta e simples, deixando os desfechos do enredo um pouco de lado, baseando-se mais nos aspectos constituintes da obra em questão.
Vinicius Ribeiro de Andrade