Os dez melhores poemas de DRUMMOND

Fui instigada a fazer uma seleção dos “10 melhores poemas de Drummond” (eu própria chamaria esta seleção de “Os poemas que mais me emocionam de Drummond” ou “Os poemas que dizem tudo sobre Drummond” ou simplesmente “Os poemas que mais gosto de Drummond”) ao encontrar na net seleções dos melhores poemas deste consagrado poeta (cuja obra me causa admiração) e de outros escritores em: “Os 30 melhores poemas de todos os tempos”, de Fábio Rocha (in www.poesiaspoemaseversos.com.br); “Os 10 melhores poemas de Drummond” (in revistabula.com.br) e “Os 100 melhores poemas Internacionais do Século XX”, pesquisa realizada pela Folha de São Paulo(2000).

Drummond é presença constante em todas as listas porque é um dos maiores poetas da língua portuguesa. A arte do poeta consiste em pensar e modelar a palavra. E a partir daí emocionar.

Segue minha lista dos “10 Melhores poemas de Drummond”, sigo uma ordem cronológica de publicações. Acrescento a ela os poemas, seguidos de comentários meus – só porque gosto de me dizer, justificar - talvez.

1. AMAR

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal, senão

rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa

amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

“Amar” é um dos mais belos poemas de Drummond. Do livro Claro Enigma, composto por 41 poemas, divididos em seis partes, publicado em 1951 e que marca uma fase de Drummond (pós-Guerra) eivada de um transcendentalismo melancólico. A temática predominante nesse poema não é o amor, mas sim a necessidade de amar. Nele, o autor prega o destino de cada homem – que é amar. Amar, embora este amor caia no esquecimento; amar até desamar; amar mesmo o inóspito; amar sem que se espere algo em troca e amar até mesmo a falta de amor. É nostálgico. Para o poeta e ensaísta Affonso Romana de Sant’Anna, a poesia de Drummond une o choro individual ao coletivo.

2. CAMPO DE FLORES

Deus me deu um amor no tempo de madureza,

quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.

Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,

e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos

e outros acrescento aos que amor já criou.

Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso

e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia

e cansado de mim julgava que era o mundo

um vácuo atormentado, um sistema de erros.

Amanhecem de novo as antigas manhãs

que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra

imensa e contraída como letra no muro

e só hoje presente.

Deus me deu um amor porque o mereci.

De tantos que já tive ou tiveram em mim,

o sumo se espremeu para fazer vinho

ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa

a tirar sua cor dessas chamas extintas

era o tempo mais justo. Era tempo de terra.

Onde não há jardim, as flores nascem de um

secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso

para arrecadar as alfaias de muitos

amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,

e ao vê-los amorosos e transidos em torno,

o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece

na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia

os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura

e o mistério que além faz os seres preciosos

à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,

há que amar diferente. De uma grave paciência

ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia

tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.

Para fora do tempo arrasto meus despojos

e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

O poema “Campo de Flores” faz parte, também, da obra Claro Enigma (1951) e está entre os 100 melhores poemas internacionais. Essa fase reflexiva e filosófica do poeta nos apresenta um poema no qual o amor surpreende o homem na idade da madureza, assim o amor se faz grave. Trata-se de um amor crepuscular, portanto, como diz o poeta: “há que amar diferente” e “há que amar e calar”. A beleza do poema reside na aceitação desse amor, um amor de contemplação e sofrimento, mas que faz o eu-lírico chegar ao êxtase desse sentimento.

3. AINDA QUE MAL

Ainda que mal pergunte,

ainda que mal respondas;

ainda que mal te entenda,

ainda que mal repitas;

ainda que mal insista,

ainda que mal desculpes;

ainda que mal me exprima,

ainda que mal me julgues;

ainda que mal me mostre,

ainda que mal me vejas;

ainda que mal te encare,

ainda que mal te furtes;

ainda que mal te siga,

ainda que mal te voltes;

ainda que mal te ame,

ainda que mal o saibas;

ainda que mal te agarre,

ainda que mal te mates;

ainda assim te pergunto

e me queimando em teu seio,

me salvo e me dano: amor.

O poema “Ainda que mal”, do livro As Impurezas do Branco, publicado em 1973, nos apresenta um Drummond genial. Ao usar o recurso da repetição o poeta insiste em se fazer notar. O amor sobrevive apesar dos desencontros, dos desentendimentos, dos julgamentos. Percebemos que há um diálogo implícito entre uma 1ª pessoa (a que ama) e uma 2ª pessoa (a que é amada): “Ainda que (eu) mal pergunte/ainda que (tu) mal respondas; Ainda que (eu) mal te ame/ Ainda que (tu) mal o saibas/ Ainda assim: amor. E esse sentimento transcende a materialidade da vida cotidiana. É, pois, um poema forte, de um lirismo otimista.

4. DECLARAÇÃO EM JUÍZO

Peço desculpas de ser

o sobrevivente.

Não por longo tempo, é claro.

Tranquilizem-se.

Mas devo confessar, reconhecer

que sou sobrevivente.

Se é triste/cômico

ficar sentado na plateia

quando o espetáculo acabou

e fecha-se o teatro,

mais triste/grotesco é permanecer no palco,

ator único, sem papel,

quando o público já virou as costas

e somente baratas

circulam no farelo.

Reparem: não tenho culpa.

Não fiz nada para ser

sobrevivente.

Não roguei aos altos poderes

que me conservassem tanto tempo.

Não matei nenhum dos companheiros.

Se não saí violentamente,

se me deixei ficar ficar ficar,

foi sem segunda intenção.

Largaram-me aqui, eis tudo,

e lá se foram todos, um a um,

sem prevenir, sem me acenar,

sem dizer adeus, todos se foram.

(Houve os que requintaram no silêncio.)

Não me queixo. Nem os censuro.

Decerto não houve propósito

de me deixar entregue a mim mesmo,

perplexo,

desentranhado.

Não cuidaram que um sobraria.

Foi isso. Tornei, tornaram-me

sobre-vivente.

Se se admiram de eu estar vivo,

esclareço: estou sobrevivo.

Viver, propriamente, não vivi

senão em projeto. Adiamento.

Calendário do ano próximo.

Jamais percebi estar vivendo

quando em volta viviam quantos! quanto.

Alguma vez os invejei. Outras, sentia

pena de tanta vida que se exauria no viver

enquanto o não viver, o sobreviver

duravam, perdurando.

E me punha a um canto, à espera,

contraditória e simplesmente,

de chegar a hora de também

viver.

Não chegou. Digo que não. Tudo foram ensaios,

testes, ilustrações. A verdadeira vida

sorria longe, indecifrável.

Desisti. Recolhi-me

cada vez mais, concha, à concha. Agora

sou sobrevivente.

Sobrevivente incomoda

mais que fantasma. Sei: a mim mesmo

incomodo-me. O reflexo é uma prova feroz.

Por mais que me esconda, projeto-me,

devolvo-me, provoco-me.

Não adianta ameaçar-me. Volto sempre,

todas as manhãs me volto, viravolto

com exatidão de carteiro que distribui más notícias.

O dia todo é dia

de verificar o meu fenômeno.

Estou onde não estão

minhas raízes, meu caminho:

onde sobrei,

insistente, reiterado, aflitivo

sobrevivente da vida que ainda

não vivi, juro por Deus e o Diabo, não vivi.

Tudo confessado, que pena

me será aplicada, ou perdão?

Desconfio nada pode ser feito

a meu favor ou contra.

Nem há técnica de fazer, desfazer

o infeito infazível.

Se sou sobrevivente, sou sobrevivente.

Cumpre reconhecer-me esta qualidade

que finalmente o é. Sou o único, entendem?

de um grupo muito antigo

de que não há memória nas calçadas

e nos vídeos.

Único a permanecer, a dormir,

a jantar, a urinar,

a tropeçar, até mesmo a sorrir

em rápidas ocasiões, mas garanto que sorrio,

como neste momento estou sorrindo

de ser — delícia? — sobrevivente.

É esperar apenas, está bem?

que passe o tempo de sobrevivência

e tudo se resolve sem escândalo

ante a justiça indiferente.

Acabo de notar, e sem surpresa:

não me ouvem no sentido de entender,

nem importa que um sobrevivente

venha contar seu caso, defender-se

ou acusar-se, é tudo a mesma

nenhuma coisa, e branca.

O poema “Declaração em Juízo”, do livro As impurezas do branco (1973), foi escrito em plena ditadura militar. Nele, o poeta se declara “o sobrevivente”. Drummond sobreviveu aos duros anos em que calar era a ordem, mas o poeta não se rendeu, ele permaneceu no palco enquanto tantos outros foram impedidos de fazê-lo. Ele faz uso de sua arte como lamento e denúncia. O texto é um tanto nostálgico, ele se diz sobrevivente de uma vida que ainda não viveu, declara-se não estar vivo, mas sobrevivo.

Ainda hoje, somos todos sobreviventes – como Drummond, aguardamos o tempo da justiça e esperança.

5. VIVER

”Mas era apenas isso,

era isso, mais nada?

Era só a batida

numa porta fechada?

E ninguém respondendo,

nenhum gesto de abrir:

era, sem fechadura,

uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso,

uma noção de porta,

o projeto de abri-la

sem haver outro lado?

O projeto de escuta

à procura de som?

O responder que oferta

o dom de uma recusa?

Como viver o mundo

em termos de esperança?

E que palavra é essa

que a vida não alcança?

Esse poema de Drummond é profundíssimo. Há nele dúvida “Mas era apenas isso?”; desencanto “Como viver o mundo em termos de esperança?”; desesperança “E que palavra é essa (esperança)/que a vida não alcança?”/; decepção “era sem fechadura/uma chave perdida?”; lamento “Isso, ou menos que isso/uma noção de porta”. E um pessimismo pulsante.

Mas é apaixonante. Talvez seja essa a razão de ser apaixonante. O escritor desnuda-se e apresenta seu ceticismo. De caráter filosófico-existencialista, a escrita do poeta nos faz questionar o sentido da vida, a nulidade dela própria. Como prosseguir sem esperança? Do livro As impurezas do branco (1973).

6. O DEUS DE CADA HOMEM

Quando digo “meu Deus”,

afirmo a propriedade.

Há mil deuses pessoais

em nichos da cidade.

Quando digo “meu Deus”,

crio cumplicidade.

Mais fraco, sou mais forte

do que a desirmandade.

Quando digo “meu Deus”,

grito minha orfandade.

O rei que me ofereço

rouba-me a liberdade.

Quando digo “meu Deus”,

choro minha ansiedade.

Não sei que fazer dele

na microeternidade.

Não poderia deixar fora da minha lista um poema no qual Deus é retratado pelo poeta, também tema recorrente em seus livros. Por vezes o poeta o abandona “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus” in “Os ombros suportam o mundo”; por vezes é abandonado por ele “Meu Deus, por que me abandonaste?” in “Poema de sete faces”.

No poema “O Deus de cada Homem”, do livro As impurezas do Branco (1973), percebemos a evocação da fé do poeta, tantas vezes questionada por ele próprio “Domingo descobri que Deus é triste” in “As impurezas do Branco”.

Em “O Deus de cada homem”, Drummond estabelece uma relação de proximidade com Deus ao usar o pronome possessivo, isso dá vigor ao chamamento, promove um sentimento. No entanto, ele se sente órfão e cúmplice desse Deus. São sentimentos antagonistas, mas que se completam diante de sua busca e encontro. Drummond, ao fim, não sabe o que fará com sua microeternidade. É própria do poeta a dúvida.

7. AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.

Adoro este poema de Drummond “Ausência”, do livro Corpo, 1984. A ausência refere-se aqui a afastamento, distanciamento, a falta sentida daqueles que partiram. E há bastante metafísica nele, o poeta já não considera a ausência da pessoa como falta porque ela se faz assimilada: “A ausência é um estar em mim/ e sinto-a branca, aconchegada nos meus braços.” É de uma beleza triste e alegre. A alegria se dá através do encontro, a descoberta da proximidade ausente, invisível. A tristeza se faz presente porque as ausências são sempre tristes, embora transformadas em presenças. São as ausências assimiladas de Drummond, a possibilidade de verter o abstrato em concreto.

8. AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

O amor “tem razões que a própria razão desconhece”. “As sem-razões do amor”, que marca a última fase da poesia drummondiana, do livro Corpo (1984), traduz a opinião do poeta sobre o amor. É um poema vigoroso porque nos diz uma verdade universal. A gratuidade desse sentimento, o amor, está expresso nos versos: “Amor é estado de graça e com amor não se paga/Amor é dado de graça/ Porque amor não se troca”.

Penso que todos concordamos com ele.

9. LEMBRETE

Se procurar bem você acaba encontrando.

Não a explicação (duvidosa) da vida,

Mas a poesia (inexplicável) da vida.

O poema “Lembrete” faz parte do livro “Corpo”, publicado em 1984. Percebemos, nesse Drummond maduro, aos 82 anos, um desencanto que o acompanhara pela vida, uma vez que da vida nada se explica, nem mesmo a poesia. No entanto, há um lirismo pujante neste verso “mas a poesia (inexplicável) da vida”. Da vida não temos a explicação (razão), mas, indubitavelmente, encontramos a sua poesia (emoção).

Para mim, aqui reside a tese de Drummond (da qual compartilho) – a de que, na vida, importam os sentimentos, consubstanciados em emoção: poesia, pois.

10. NÃO PASSOU

Passou?

Minúsculas eternidades

deglutidas por mínimos relógios

ressoam na mente cavernosa.

Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.

A mão- a tua mão, nossas mãos-

rugosas, têm o antigo calor

de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.

Mentira, estarmos sós.

Nada, que eu sinta, passa realmente.

É tudo ilusão de ter passado.

Este poema é de uma beleza abstrata. Ele nos conforta, contradiz o que é pregado por muitos – de que tudo é efêmero e a solidão é uma constante. Para Drummond, não.

A passagem do tempo é tema recorrente em Drummond “O tempo passa?/Não passa no abismo do coração”. (O tempo passa? Não passa in Amar se aprende amando, 1985); “O tempo é minha matéria/o tempo presente/os homens presentes/a vida presente” (Mãos Dadas in Sentimento do Mundo, 1940).

“Não Passou” faz parte da obra póstuma do poeta – Farewell, de 1996. Como o próprio título “Fareweel”(em inglês, despedida) sugere é o adeus de Drummond, mas um adeus que o eterniza porque nada que sintamos, como o poeta nos diz, passa realmente.

RosalvaMaria
Enviado por RosalvaMaria em 13/04/2014
Reeditado em 17/04/2021
Código do texto: T4767442
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