Resenha do livro "O retrato de Dorian Gray" (Oscar Wilde)

“O retrato de Dorian Gray” não é um livro que possa ser descrito como empolgante. Em alguns trechos chega mesmo a ser cansativa devido ao excesso de descrições físicas dos personagens e, principalmente dos ambientes que freqüentam ou de seus objetos de interesse. Não é um romance policial, investigativo tampouco se trata de um romance romântico. Dista muito de ser um romance em cuja análise psicológica dos personagens o autor se demore e, ainda que apresente elementos fantasiosos, não é também o universo místico o tema principal da obra. Então, como se explica que tal livro tenha resistido aos séculos e ainda seja um clássico da literatura? Seu autor nasceu em 1856 em Dublin (Irlanda) e faleceu em 1900 em Paris, dedicou seus contos e ensaios a afrontar e questionar a sociedade puritana de seu tempo e, não deixou de fazer isso em “O retrato de Dorian Gray”, seu único romance. Talvez o segredo de sua resistência ao tempo seja justamente este: O questionamento acerca de certos hábitos – não hábitos puramente sociais, sujeitos à mudanças. O autor não questiona, ao menos não diretamente, hábitos do dia a dia como a necessidade do casamento, a virgindade feminina, a religião, a mistura de classes sociais, a escravidão, a política ou qualquer destes temas amplamente questionados em outros romances. Questiona a mocidade, a juventude a riqueza, a visão de mundo de um indivíduo que se dá conta de possuir ambas as coisas e o amadurecimento que este indivíduo deveria ter perante a vida – e por questionar tal tema, engloba todos os temas citados sem que, maçantemente atenha-se a apenas um deles.

Há um personagem principal – Dorian Gray – e dois outros indispensáveis ao desenrolar dos fatos : Lord Henry Wotton e Basil Hallward. Durante toda a trama, surgem muitas outras personagens cujo entremear às ações de Dorian Gray sempre levarão o leitor ao questionamento proposto pelo autor. O romance é ambientado em Londres, não somente a bela Londres, dos salões nobres, das reuniões e saraus, das belas damas, mas também, em alguns momentos a Londres periférica, próxima ao porto, onde se acumulam as misérias, as prostitutas, os marinheiros, os teatros do subúrbio.

Basil Hallward é um homem bom, de caráter reto, um pintor que está encantado por um jovem que conheceu. Este jovem é Dorian Gray, muito belo, rico e bem criado, um garoto cuja pureza de alma encanta a todos. Basil faz de Dorian a inspiração, o ideal de sua arte, a forma que o autor utiliza-se para descrever o sentimento platônico de Basil por Dorian pode inclusive levar o leitor a crer que o livro irá tratar de um romance homossexual, tal é o nível de encantamento e paixão com a qual o pintor refere-se a Dorian. Basil é amigo de Lord Henry Wotton, cujo caráter é eivado de vícios, extremamente hedonista e muitas vezes maldoso. Certo dia, Henry está no atelier de Basil e vê o retrato que este está pintando. Trata-se de um retrato de Dorian Gray. Inquirindo Basil sobre quem é o belo rapaz da tela, obtém do amigo informações sobre o a beleza e o caráter do jovem. Neste momento, Dorian chega para posar e conhece Henry. Henry faz com que o rapaz entenda que é possuidor das três coisas mais importantes: Mocidade, beleza e riqueza que além delas nada mais deveria importar-lhe. Tais idéias são tão descritas, em cores, formas e exemplos, de modo tão real que penetram no espírito de Dorian. O retrato fica pronto e, ao vê-lo, Dorian se dá conta que Henry está certo e desespera-se ao notar que, cada dia vivido é um dia a menos de beleza e mocidade que lhe resta. Neste momento, deseja que o retrato sofra as ações do tempo e de seus vícios e que ele, Dorian, permaneça sempre jovem e belo.

Qual seria a vida de uma pessoa que tivesse este desejo satisfeito? Sabendo-se eternamente jovem, tal pessoa iria esforçar-se por evoluir, fazer de seu espírito melhor e suas ações maduras? Este questionamento, feito há séculos por Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray” não parece estranhamente atual?

Dorian e Lord Henry tornam-se amigos, e a cada dia Dorian afasta-se mais da amizade sincera de Basil e embrenha-se mais no mundo de vícios de Henry, passando a viver uma vida hedonista, buscando sempre os prazeres seja na sociedade, seja nos lugares mais incomuns. “Curar a Alma por meio dos sentidos e os sentidos por meio da Alma”. Esta passa a ser a filosofia do jovem Dorian. Em um de seus passeios pelos subúrbios, Dorian adentra um teatro muito simples, onde o dono, um judeu, vendia ingressos na porta. Encena-se Romeu e Julieta e Dorian apaixona-se perdidamente por Sibyl Vane, jovem de tenra idade que interpreta Julieta. Passa a voltar lá todas as noites e, após algum tempo conta a Henry e Basil que pretende casar-se com Sibyl. Henry acha um pouco absurdo, porém um absurdo que deve ser vivido. Basil inicialmente também, porém, com sua alma mais pura, entende o amor do jovem Dorian pela atriz. Dorian leva os amigos para assistirem à peça, porém, naquela noite Sibyl interpreta tremendamente mal o seu papel. Os amigos vão embora e Dorian, pensando que talvez a moça esteja doente, vai aos bastidores conversar com a amada. Ela por sua vez confessa que atuou mal por que não vê mais sentido em viver falsos amores agora que encontrou em Dorian (a quem chama apenas Príncipe Encantado) o verdadeiro amor. Ele, num rompante de raiva diz que não a ama mais, que nunca mais quer vê-la, que abrindo mão se sua arte matou o amor que ele sentia por ela. Caminha a esmo pela noite e só muito tarde chega a casa onde mora. Nesta noite, dá-se conta de que agiu de forma maldosa com Sibyl e decide, no dia seguinte, escrever-lhe, procura-la e dizer-lhe que ainda deseja casar-se com ela. Opera-se então uma mudança no retrato: Onde até então havia a feição delicada de um jovem belo e puro, passa a figurar um retrato de um jovem belo, de sorriso sarcástico e olhar maldoso. Dorian lembra-se do desejo que fizera na tarde em que o quadro foi concluído. Henry chega à casa de Dorian, com a notícia que Sibyl Vane foi encontrada morta, tendo ingerido veneno por acidente, ambos, Dorian e Henry sabem, no entanto, que Sibyl certamente cometeu suicídio. À partir daí, Dorian vai perdendo todo e qualquer senso de honra e caráter. Inicia-se uma narrativa de interesses caros da personagem (tapeçarias raras, jóias, objetos luxuosos), passeios, óperas, sempre em companhia de Henry. O retrato é removido para um quarto onde apenas Dorian entra, sempre trancado a chave e, a cada dia que passa mais e mais se modifica. Este segredo deixa Dorian cada vez mais desconfiado, um pouco neurótico, com medo que alguém lhe descubra os terríveis segredos. Os anos passam e Dorian permanece ainda com o mesmo encanto de seus 18 anos. Já com 38 anos é procurado por Basil, que lhe questiona o modo como tem vivido, insistindo em dizer que não acredita em uma palavra que a sociedade insiste em dizer sobre ele, mas que também não entende por que famílias e círculos de respeito já não mais o recepcionam em seu seio. Basil está de partida para Paris, mas insiste em ouvir de Dorian que todos os boatos são falsos e frisa que se fossem verdadeiros, o rapaz já não mais teria o encanto da juventude pois “os vícios marcam a alma e refletem-se no corpo e no olhar”. Dorian leva então Basil ao quarto e deixa-o ver o retrato, já completamente modificado, com expressão horrenda. Basil implora que o amigo reze e peça perdão por seus muitos pecados e em um rompante de raiva Dorian o mata. Surgem nas mãos do retrato marcas de sangue. Para livrar-se do corpo, Dorian chantageia um químico, antigo amigo seu, que mais tarde se suicida, certamente arrependido de ter participado de tão horripilante ato. Segue-se outra sucessão de narrativas dos hábitos de Dorian. Certa noite, metido em um antro de ópio, ele é chamado por uma das mulheres de Príncipe Encantado, o que faz James Vane, irmão de Sibyl Vane, persegui-lo pretendendo mata-lo. Ele porém, nos últimos minutos que lhe são dados, questiona o assassino: Se a irmã morreu há 18 anos, como é possível que ele, que ainda não passou desta idade, seja o culpado? James pensando que iria cometer um engano deixa-o ir, porém a mulher que o havia seguido diz que ele fez mal, que este é mesmo Dorian Gray, e que todos acham que ele fez um pacto com o Diabo para manter-se sempre jovem. James passa a perseguir Dorian, por um período curto, pois acaba morto em um acidente de caça.

Dorian decide tornar-se bom. Deixa mesmo de desonrar uma moça que seduzira. Henry o questiona: Não seriam as boas ações apenas a vontade de acariciar a própria vaidade com novas sensações? Sozinho em casa, Dorian pensa sobre as palavras de Henry. Arrepende-se de ter matado Basil, apesar de o culpar por ter pintado o retrato que o levou à perdição. Decide destruir o retrato. Ao enviar a faca na tela, sente-a penetrar a própria carne e grita. Os empregados encontram-no morto no chão, com a faca cravada no peito e com uma aparência tão enrugada e envelhecida que só o reconhecem pelos anéis que usa; o retrato por sua vez, recupera a juventude e é encontrado pendurado na parede, intacto.

Diante desta narrativa, surgem questionamentos: Qual seriam as atitudes de um indivíduo que se visse exatamente na mesma situação de Dorian Gray? Tal pessoa praticaria boas ações? Viveria uma vida íntegra sabendo-se agraciada pela juventude eterna? Qual é o verdadeiro espelho da alma humana? Boas e más ações refletem-se no corpo físico como quis dizer Wilde? Dorian era um homem mau? Ou apenas pode-se dizer que “a ocasião faz o ladrão” e que, se não houvesse ganhado tal quadro, suas ações seriam melhores? Ou se Sybil Vane não tivesse cometido suicídio, Dorian sem tal culpa teria realmente se casado com ela e se tornado um homem digno? Wilde não seguiu a receita do romance pronto, não questionou a moral de sua época através de uma história de amor proibido entre pessoas de classes sociais diferentes, famílias inimigas etc; pelo contrário, Wilde criou seu próprio ambiente de questionamento.

Bob Regina
Enviado por Bob Regina em 13/09/2014
Reeditado em 14/09/2014
Código do texto: T4960218
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