Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres [Lispector]

A complexidade em pessoa, o obscuro profundo, o labirinto das letras... São estes alguns dos adjetivos que escuto a respeito de Clarice Lispector quando digo que estou me aventurando – e me deliciando – em mais um dos livros da autora. Em sua quinta obra, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, o emaranhado de sentimentos e pensamentos é um fator que leva o leitor à total embriaguez de espírito.

A estória basicamente se resume a uma jovem mulher, Lóri, personagem principal e apaixonada pelo professor de filosofia, Ulisses. O amor entre eles é algo delicadamente belo, e isto pode ser notado pela forma como ambos se preparam para a posterior entrega de um ao outro. Especialmente Lóri não se sentia ainda pronta para ser daquele homem, e ele então decide esperar pelo amadurecimento e crescimento dela. Não se trata, no entanto, de mera preparação fútil para entrega física: trata-se de adquirir um maior conhecimento e compreensão em relação a si próprio e à realidade. “ Quando pudesse sentir plenamente o outro, estaria salva e pensaria: eis o meu porto de chegada. Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar o mundo.”

Guiada pela experiência de Ulisses, Lóri passa a dar passos cada vez mais longos em direção a si mesma. E cada dia, cada experiência, cada momento constituem uma aprendizagem que no final a encaminhará ao sólido amor e à conseqüente segurança para entregar-se ao homem que a tornou alguém melhor.

O enredo é aparentemente simples e banal, mas a obra, no entanto, não é. A riqueza psicológica dos personagens e o constante fluxo de consciência – típicos da escrita de Lispector – são elementos que enriquecem e sustentam o livro, a ponto de se tornarem fatores mais importantes do que a própria estória. O leitor, muitas vezes, nem saberá o que Lóri comeu no café-da-manhã ou onde esteve por toda a tarde, tampouco quanto tempo durou determinado pensamento: se a efemeridade de uma bolha de sabão ou a eternidade de Deus. No entanto, ao terminar de ler, tem-se a sensação de conhecer tão profundamente os personagens, a ponto da escassez dos demais fatores narrativos sequer fazer falta. Contudo, se retirar a percepção psíquica inerente ao estilo de Clarice, toda a essência da obra se esvai.

Dividido em capítulos bem curtos – de três a cinco páginas, em média – a estrutura do livro faz com que a leitura flua facilmente. As palavras passam pelos olhos do leitor e seguem direto à alma, em suave deslize. Muitas vezes, a compreensão do que se lê dura não mais que um segundo, mas os efeitos desses flashes de entendimento perpassam qualquer necessidade de longa duração.

Um fato interessante sobre o livro é que ele se inicia com uma vírgula e termina com dois pontos. Isto porque ele descreve e narra só um estágio da vida dos personagens. Aquilo é apenas um trecho de suas existências que se apoiam em um passado desconhecido e se preparam para toda a eternidade que ainda há de vir.

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres constitui-se como um verdadeiro cardápio de sensações e aprendizados que, reunidos, podem ser considerados um manual de vida. De amor. De compreensão de si mesmo e das próprias relações com o mundo e com Deus. Após lê-lo cinco vezes, sinto que não mais eu o leio, mas sim que ele me interpreta e me desvenda. E ainda que a leitura se torne praxe, ela jamais se esgota: a aprendizagem é eterna.

Malluhhhh
Enviado por Malluhhhh em 20/10/2014
Reeditado em 08/09/2016
Código do texto: T5005811
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