Paulo Freire: Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa publicado em 1996

Primeiras notas

Sem dúvida não podemos negar a grande participação que Paulo Freire teve na construção das práticas educativas na formação e atuação de professores e professoras e no desenvolvimento de estudantes com olhar crítico e consequentemente atitudes autônomas em nosso Brasil. Logo no início de seu livro: Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à pratica educativa em suas “Primeiras Palavras”, o autor já nos previne a respeito das repetições de ideias outrora faladas em suas obras antecessoras a fim de evitar que o leitor prejulgue ou mesmo julgue a sua obra. Na verdade, todo o tempo tenho essa sensação, de que o autor está sempre se defendendo, se justificando e antecedendo o pensamento de seus leitores a fim de evitar julgamentos talvez desnecessários.

A princípio, por não conhecer outras obras do autor, acabei gerando pensamentos de que o autor não confiasse nas suas próprias ideias passando assim insegurança, por tanto se justificar, mas logo descartei essa possibilidade, pois levei em conta das referências do próprio nome de Paulo Freire traz, sei que ele não é um autor iniciante com ideais qualquer, também sei o quão feroz é o mundo que envolve o meio educacional e que para poder defender suas ideias foi mesmo necessário que o tempo inteiro Freire antecedesse pensamentos e defendesse com unhas e dentes as suas ideias.

O que me cativou nisso tudo foi que é tão notório essa luta defensiva por suas ideias que posso dizer que até pude ouvir a ferocidade de sua voz indo de encontro a práticas, saberes e ideias controversas às suas. Outra coisa que logo de cara me chama muita atenção é a estrutura do índice de sua obra onde cada tema abordado se inicia com: Ensinar exige..., acredito que na tentativa de enfatizar e nos trazer uma reflexão do quão sério é o processo de se educar alguém e claro, tornar conhecido a obrigatoriedade de seus conteúdos na organização programática da formação docente, o que me traz outra reflexão é de que o autor tenha se colocado muito taxativo na tentativa de obrigar os docentes a adotarem seus saberes, creio que o autor, nesse caso, não foi muito feliz em sua talvez “tática”.

Capítulo Um - Não há docência sem discência

Neste capítulo iniciado como: Não há docência sem discência, o autor compreende algumas “frases de impacto” tais como: “... ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”, “... quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.”, “Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa...”, “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” e “Quem ensina ensina alguma coisa a alguém”. Ao observar e refletir sobre essas cinco frases que estão “na mesma folha”, vi que o autor parafraseou a mesma ideia “cinco” vezes, a ideia central que nada mais é que simplesmente: Não existe docência sem discência e vice-versa e não deve existir transferência e sim compartilhamento de saber para que ambos possam estar em

contínuo crescimento, engraçado isso não é? Começo a partir daqui a ter um outro olhar para Freire, do quão astucioso e estratégico ele é, ele não faz isso ingenuamente, ele o faz sabendo bem o que ele quer, e o que ele quer é nos impregnar nos fazendo acreditar em suas ideias.

Diante disso, logo me vem uma lembrança, sabe aquela frase de Joseph Goebebbels (ministro da propaganda de Adolf Hitler): “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, não estou

aqui querendo dizer que o que diz é mentira, até por que, concordo plenamente em sua linha de raciocínio e também creio que o saber deve ser compartilhado e não apenas transferido, estou

apenas querendo dizer que de tanto repetir tantas vezes a mesma ideia (mesmo que usando outras palavras), se existir alguém cético de suas ideias, vai acabar acreditando e talvez aceitando-a de tanto que “ouve”. Isso é muito sagaz.

À medida que vou percorrendo pelas linhas de sua obra, vou percebendo no mar de saberes que ele nos vai conduzindo a entrar, são tantas ideias que sutilmente vai nos inquietando, nos incomodando no sentido mais positivo da palavra.

Tendo em vista o ano de publicação de sua obra em 1996, pode-se considerar que nesta época a ideia de que os estudantes também deveriam participar desse processo de construção de saberes era inaceitável para muitas instituições, digo isso por experiência própria pois pelo menos até a minha formação do ensino médio no ano de 2007, via que existia certa resistência dos professores (principalmente de idade estendida) em aceitar dos educandos, críticas, ideologias, outro ponto de vista, a democracia não era bem vista e até mesmo mudar de didática “só por que estava difícil” dos educandos compreenderem determinados assuntos trazidos em sala de aula era difícil.

Ficava claro como nos tentavam “programar para aprender”, e a prova disso? Bem, posso perguntar para alguém da minha idade, ou até mais, o que é conjunção, interjeição ou até mesmo quais são as preposições e as tão faladas nas salas de aula, classes gramaticais. E minha nossa! Acho que nem eu saberia dizer. Se alguém por ventura conseguir, talvez tenha até dificuldade para explicar, sabem a razão? “Aprendíamos” mecanicamente apenas para passar nas provas, e assim que voltávamos das férias lamentavelmente esquecíamos tudo o que nós víamos na unidade passada.

Hoje, pelo menos em minha faculdade, podemos ver que as práticas do compartilhamento de saberes estão sendo de fato exercidos, tem situações que posso até me sentir como se estivesse na época da Grécia Antiga, onde os grandes filósofos passavam horas e horas exercendo de liberdade para expor e trocar ideologias, infelizmente, não posso afirmar o mesmo de instituições públicas principalmente de ensino fundamental a médio já que não tive oportunidade de parar ainda para perguntar a estudantes atuais como se dá o seu desenvolvimento em sala de aula, mas

espero sinceramente que Paulo Freire possa ter impactado muitos e muitos profissionais da educação.

Não há melhor ou pior, nem único detentor do saber, ambos (educador e educando) são tão quanto importantes no processo de construção de saber, a prova disso é de que eles devem andar lado a lado e não um na frete e outro atrás, fica evidente isso quando Freire diz que: ...os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.

Talvez se eu tivesse aprendido muitos temas da história, língua portuguesa, geografia da minha cidade, etc., discutindo sobre o motivo de existir tantas invasões no meu bairro, com qual finalidade surgiam as gírias que facilmente tomavam o lugar das palavras coloquiais e eloqüentes ou o porquê da lagoa do Náutico ter sido abandonada pelo descaso do governo tornando-se depósito sanitário, qual o motivo de escancarar o descaso de um terreno que poderia muito bem ser uma área de lazer, ser transformado em lixo comunitário, depósito de dejetos, restos

alimentos e pertences de famílias que servem à outras famílias menos favorecidas, se essas e outras questões pertinentes à minha realidade tivessem sido trazidas a debates em sala de aula, com certeza não teria esquecido, isso é o que afirma Paulo freire, que trazendo questões da

realidade concreta dos alunos, de seus saberes socialmente construídos pela prática comunitária para serem respeitadas e discutidas, torna-se o aprendizado eficaz.

Paulo Freire nos diz que somos seres inacabados. Estamos sempre nos desconstruindo e reconstruindo, estamos em permanente busca e essa é a nossa condição quanto a seres humanos racionais, daí a necessidade de se ter profissionais que instiguem a nossa curiosidade ingênua e nossa crítica tornando-a curiosidade epistemológica a fim que estejamos sempre nos reinventando, pois o que é de certeza hoje amanhã pode talvez não ser.

Existe um ditado por aí que diz que somos o que comemos, será verdade? Se isso for verdade, então podemos dizer que somos o que lemos??? Sempre acreditei que não e o autor também acredita nisso. Não é por que uma professora sempre leu e concordou sobre a prática educativa-progressista que ela acha que pensa e age como se estivesse pensando e agindo certo. Escutamos desde cedo que atitudes valem mais que palavras, nesse caso, a prática testemunhal como o autor disse é quem vai nos dizer se esse profissional aprendeu de dentro pra fora ou de fora pra dentro.

Uma questão que achei extremamente importante que foi levantada pelo autor foi a assunção de nós mesmos não significar a exclusão dos outros visto que ele nos introduz a reflexão no que tange o direito que o outro tem na sua forma de achar que está pensando certo e em sua raiva ao se ver indo de encontro a uma ideia contraria a sua, o respeito às opiniões que são diferentes das nossas são imprescindíveis. A experiência de assumir-se como ser pensante, social, transformador, criador, realizador de sonhos e capaz de ter raiva ou qualquer outro sentimento que não seja “positivo”, fazem parte, pois são esses sentimos em sua devida medida que nos movem e também nos constroem.

Capítulo Dois - Ensinar não é transferir conhecimento

Nesse capitulo, o autor novamente repete alguns assuntos tratados no capítulo anterior, nos impregnando e martelando suas ideias em nossa mente, logo no início do capítulo Freire novamente expõe uma de suas “frases de efeito” (Ensinar não é transferir conhecimento), repetidas vezes, para ser mais precisa quatro vezes, de forma parafraseada e na mesma folha o autor expõe a ideia confirmando assim meu pensamento inicial na qual me referi no capítulo um.

Dou valor à sua ideia e também acredito que o processo de ensinar vai além das paredes de uma sala de aula, de uma instituição, de ser objeto para ser sujeito também na história e a

participação do docente nesse processo de construção do saber é primordial. O educando deve ter ao seu lado uma espécie de coaching, no mundo dos negócios, uma de suas funções é fornecer armas para que se tornem desbravadoras de seu próprio desenvolvimento, trazendo para o meio educacional, o educador deve simplesmente dizer para o educando ou até mesmo fazer o que ele acha que deve ser feito, ele deve criar possibilidades, cenários, para que o próprio educando possa construir o saber.

Outra questão levantada é a consciência do inacabamento, tendo a base desse princípio nos tornamos predisposto à mudanças, à aceitação diferente, mesmo que nos gere raiva determinado discurso, não podemos transformar esse sentimento em raivosidade, pois aí é onde mora o perigo, quando tomados pela raivosidades acabamos nos colocamos em lugar de donos da verdade absoluta e cheios de si menosprezamos o outro.

A consciência do inacabado nos move a querer está sempre questionando, criticando, protestando, experimentando, comprovando, construindo, desconstruindo, reconstruindo. Isso

mesmo, com todos esses “ando” e “indo”, “gerundiando”, nos levando sempre a um processo contínuo onde não há lugar para certezas eternas, ponto final, juízos de valor, tabus, determinismo, autoritarismo e tudo aquilo que nos aprisiona nesse mundinho caótico que criaram

na tentativa de nos fazer caminhar sempre para o caminho que “eles” determinam como se fôssemos animais guiados por cabresto sem opção de escolha e sempre nos “freiando” quando queremos ou tentamos tomar outra direção.

O autor toca muito na questão da ética em uma visão sistêmica e global, paralelamente, o bom senso é trabalhado pelo autor como forma de conscientizar os educadores a terem sempre um olhar individualizado para cada educando deixando um pouco de lado (segundo palavras do próprio autor) o formalismo incessível, que em um exemplo que ele traz, faz com que o educador recuse um trabalho porque o educando perdeu o prazo mesmo que este explicasse convincentemente os motivos que o levaram a não entregar no prazo.

Freire traz a importância que o professor/professora tem em prestar ao estudante um exemplo real, lúcido de seu engajamento na peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições favoráveis para o exercício de seu dever de realizar sua tarefa docente. Desde pequenos criamos uma imagem de divindade, de referencial desse ser que inicia seu papel construtivo em nossa vida, nos ensinando a ler, a usar operações matemáticas, conhecer o que habita e envolve nosso planta terra, etc., uns nos marcam tão graciosamente que levamos guardados em nossa memória para o resto da vida bem como aquele que nos foi tão carrasco, Paulo Freire afirmou essa marca, nos trouxe a reflexão de que cada professor deixa sua marca quer seja positiva ou negativa.

No sub tema: Ensinar exige alegria e esperança, percebo que é um tema que muito o move, entre os relatos de um diálogo tido com o jovem educador Danilson Pinto em uma manhã entre as favelas em Olinda, questões pertinentes às realidades vividas ali são levantadas, e o que fazer diante de contextos tão miseráveis é uma de suas indagações. Nesse momento entra o papel dos educadores progressistas que não aceitam essa e outras tristes realidades e muito menos a ideia de que não existe nada o que fazer para mudar esse contexto e na tentativa contínua e esperançosa, luta e vive a História como tempo de possibilidades e não de determinação.

Capítulo Três - Ensinar é uma especificidade humana

Mais uma vez o autor enfatiza que é preciso que os educadores exerçam de autoridade coerente democrática isso implica em não silenciar a curiosidade, os pensamentos dos educandos tornando essa relação vertical, o comprometimento na construção desse saber requer humildade, respeito à subjetividade de educando levando sempre em conta que cada um tem o seu tempo e o seu ritmo em aprender. Na colocação que o autor faz dizendo: “Me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente”, fica claro a relação que o educador deve ter de empatia com seus educandos. É muito triste quando vemos que o excesso de autoridade é imposta de tal forma que os alunos preferem se fechar a ter que, por exemplo, pedir para repetir a explicação e ouvir do seu educador, aquele ao qual o tem como referencial, responder de forma áspera que não vai repetir a explicação argumentando que ele não conseguiu entender porque não prestou atenção.

Como seria bom se todos os professores e professoras tivessem consciência de que eles são peças fundamentais como forma de intervenção no mundo. Na minha concepção, a neutralidade

de alguns professores diante de questões sociais é lamentável, não digo que ele deva “vender” ou nos convencer do que acredita, mas sim, de forma responsável e coerente mostrar aos seus alunos seu ponto de vista evitando assim que os educandos acabem sendo levados por opiniões de massa que muitas vezes são errôneas.

A questão do saber ouvir também é trazida pelo autor muito claramente. O erro está em achar que está escutando quando na verdade está apenas ouvido, ouvir é função que o nosso aparelho

auditivo tem, a pessoa que apenas ouve dificilmente consegue repetir o que a pessoa acabou de expor, o ato de escutar vai além do apenas esperar que o outro termine seus argumentos para poder falar os seus, escutar nos propicia uma reflexão do que estamos ouvindo para que consiga se posicionar de forma adequada nunca menosprezando o discurso do outro.

Os preconceitos discriminatórios velados também são relatados por Freire. É impressionante como os discursos ideológicos tentam nos persuadir, é contra a proliferação desses discursos ideológicos que o educador ou educadora deve lutar e conscientizar seus educandos, incitando a prática da reação crítica, a se colocar no mundo como autônomos de sua história e é por meio do diálogo e não de imposições e autoritarismo que esses educadores conseguirão cumprir o seu papel de peças chaves na construção de saberes.

Existe um ditado que diz: Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje, lembrei desse ditado quando li um trecho de seu livro onde dizia: “O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido. Debater o que se diz e o que se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante”. E ouso-me a dizer mais, no tempo que estamos vivendo, todos os dias imergem assuntos extremamente importantes que devem ser levados em consideração e discutidos não só em sala de aula, mas aonde quer que estejamos pois se não discutimos, nos anulamos de nossa própria realidade e nos tornamos apáticos por assuntos rotineiros e passamos a só dar importância a assuntos que estão em “alta na mídia” como por exemplo a morte de Eduardo Campos, que nunca foi tão falado em vida como o foi em morte.

Por fim, Freire toca novamente no ponto de que é possível utilizar da alegria para cumprir com práticas educativas pois a alegria não é inimiga da rigorosidade, segundo Freire. Não só a capacidade científica e domínio técnico fazem parte da pratica educativa, mas também a afetividade, a alegria. Com maestria e uma singela tapa de luva, autor conclui sua obra voltando para um dos assuntos que mais foi colocado, a falta da simplicidade e humildade de certos educadores arrogantes que justificam sua arrogância por serem competentes e vice-versa, Freire diz que o saber destes jamais seria diminuído se optassem por pelo ensino com simplicidade tornando-os assim, gente mais gente.

Finalizando

Ao concluir minha leitura percebi que a pesar de muitas ideias terem sido repetidas nos capítulos (e prefiro acreditar que tenha sido proposital, com o intuito de deixar fixo em nossa mentes seus saberes) sua obra é mais que um livro, é mais que um guia de práticas educacionais direcionados à educadores que seguem a linha progressista, sua obra é um guia para a vida, facilmente podemos estender esses conhecimentos para nossos relacionamentos interpessoais.

Ao ler um dos capítulos do livro Psicologia Escolar – Ética e competências na formação e atuação profissional, Fiz uma ligação com uma das ideias de uma das autoras (Maria Helena Novaes, que me parece seguir a mesma linha de raciocínio de Paulo Freire, ela diz que: “Só ajuda alguém a crescer aquele que se propõe a crescer junto; só ensina alguma coisa aquele que está aberto para aprender e descobrir; só educa verdadeiramente quem vê diante de si uma trajetória de realização criativa, buscando sempre se renovar, demonstrando o seu profundo respeito pelo outro e pela própria vida.”

E finalizo este trabalho com outra citação de Paulo Freire que também muito me tocou:

“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece repentinamente, aos vinte e cinco anos. Agente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, e vir a ser”.

Joyce Alexandre
Enviado por Joyce Alexandre em 18/11/2014
Código do texto: T5039912
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