Antologia Solarium 3 - resenha

RESENHA: ANTOLOGIA SOLARIUM 3
Miguel Carqueija

Organização: Frodo Oliveira. Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2014. Capa: Natália Caruso. Diagramação: Guilherme Peres. Contos de ficção científica. (a capa divulgada na internet pela editora menciona uma segunda pessoa como organizadora, no que parece um lapso, pois seu nome não consta no exemplar físico que me chegou às mãos).

Com nada menos de 29 contos em menos de 200 páginas — portanto, histórias curtas — esta curiosa antologia apresenta uma bizarrice em sua contra-capa, no texto que explica o título do volume: “Solarium” seria uma antiga constelação, extinta (?) no século XIX.” E mais: “era (sic) visível nos céus do Brasil.” Com essa pouca animadora apresentação, vamos aos contos do livro.

AMNÉSIA MORAL (Aldo Costa)
Imagem de uma revolução numa distopia. O autor comete várias impropriedades ao explicar a situação para os leitores. A pior delas está neste trecho: “Protestos em frente a vários templos causam perturbação à ordem. Os altos preços que têm que ser pagos impedem que a maior parte da população tenha acesso aos Templos Verdes, entidade governamental que seleciona os cargos e os salários da população (aqui a palavra é repetida na mesma frase) associada”. Ora bem, isto faz parte de um noticiário, a explicação no fim do trecho citado seria, portanto, de todo desnecessária para o hipotético público visado. Esse didatismo prejudicial à qualidade do texto é um grave problema da ficção científica.

O PROFETA DE AÇO (Anderson Dias Cardoso) – Conto descartável, anedota sem graça sobre religião. Pelo que entendi, um androide se faz de profeta. O texto é meio incompreensível e mexe desnecessariamente com o Cristianismo — mania de alguns escritores da atualidade.

OLHOS DE CRONOS (Andrei Miterhofer Cutini) – História de mundo decadente — tema muito comum na FC — onde, após a Terceira Guerra Mundial (iniciada em 2014 ou 2016 — parece-me que o autor se precipitou com a data) — surge uma doença onde o corpo humano se decompõe aos poucos — em decorrência disso, traficam-se “pedaços de corpos humanos não decompostos”. Tem alguma especulação sobre dimensões e linhas temporais e, narrado com sobriedade, é um dos melhores contos do volume; acredito que este autor capixaba pode melhorar bastante.
EXPLORANDO TAREN-WAS (Bruno Eleres) – Uma dessas histórias de astronautas que lidam com forças ou formas de vida misteriosas e perigosas em planetas desconhecidos. O protagonista-narrador conta um pouco de sua vida passada, desnecessariamente a meu ver, pois nada acrescenta de útil. Aliás a história em si nada de novo tem.
ÁGUA FRIA, CORAÇÃO GELADO (Cesar Bravo) – Esse conto fala do “bullyng” contra um aluno que afinal se revela um monstro e se vinga dos seus algozes. História bem desagradável de ler, com detalhes escatológicos.
CONTATO SECRETO – PROGRAMA FORGET (Cristiano Gonçalves) – Aventura do tipo Arquivo X, mas em ambientação brasileira. O Tenente Júlio Carvalho acorda num hospital sem a memória do acidente que sofreu, e não engole a versão que lhe impingem: “Por mais que se esforçasse, Júlio não conseguia recordar-se do que viveu (aqui eu teria posto “vivera”) no mês de agosto. Estava apagado de sua mente”.
Logo Carvalho chegará ao conhecimento de que alienígenas estão infiltrados na Terra, onde chegaram em discos voadores, e que os governos fazem segredo do fato. A história termina em aberto, podendo até ter continuações. É válido no gênero, escrita em português quase correto, embora nada apresente de sensacional.
SABINE – (Daniel I. Dutra) – História desequilibrada, que fala de um androide (aqui chamado de “ginoide”) que uma mulher cria como filha, mas a personagem central é uma advogada que, para poder se dedicar à profissão, simplesmente abandonou a família. O texto afirma que ela amava a filha e o marido; contudo fica difícil de engolir. No fundo essa história tem pouco a ver com ficção científica.
EXPANSÃO (Davi M. Gonzales) – Aproxima-se de uma FC hard, dentro do tema “cataclismo cósmico”. Por razões desconhecidas o Sol expandiu um pouco o seu diâmetro, provocando uma catástrofe na Terra. O autor poderia, com essa idéia, produzir um grandioso romance de superação, de luta pela sobrevivência... ao invés saiu um conto bisonho, onde tudo é contado a toque de caixa, terminando por um final em aberto, inconsistente e inacabado. Não há diálogos nem cenas e o personagem Ferdinand, de importância decisiva no enredo, é apresentado superficialmente.
O AGRICULTOR (David Machado Santos Filho) – Mais uma história com explicações em lugar de cenas e diálogos, característica falta de imaginação de muitos autores que vão surgindo no fandom.
É um conto meio indigesto e fala d eum fazendeiro que cultiva plantações de bifes, pernis, carnes de aves... plantações, eu digo. Por um detalhe, é possível que a história seja inspirada no filme “Soylent green”. Mas isso não melhora em nada a sua qualidade.
VOU VOLTAR PARA O MEU CÉU (Demetrios Miculis) – Outra vinheta mais descritiva que narrativa, tipo de conto sem vida, enfadonho. Uma dessas histórias em que o destino da humanidade é mudado radicalmente pelo contato com alienígenas muito mais avançados.
Demetrios, a meu ver, errou a mão com as datas, pois a nave extraterrestre “do tamanho da Austrália” (sic) aparece no ano ora em curso, 2014. Portanto esse conto logo, logo, estará desatualizado...
MEU GRANDE AMOR NO PASSADO (Edgard Santos) – Entrecho romântico e intimista, com períodos longos e maçantes. Eu não consegui alcançar o sentido dessa história. O protagonista é um ex-maestro que vive só, numa mansão à beira da mata amazônica e revive uma experiência do passado com uma mulher misteriosa e um índio igualmente misterioso. O final é decepcionante e não deixa claro o que aconteceu.
APOPHIS, A PERSONIFICAÇÃO DO CAOS (Eduardo Alvarez) – O tema clichê do choque de um meteoro, cometa ou asteroide com a Terra reaparece aqui. O autor não coloca personagens e narra quase como num livro de História. Primeiro fala na aproximação do astro e nas tentativas baldadas de desviar a sua órbita. A providência óbvia de bombardeá-lo é omitida. Em seguida vem a descrição da catástrofe e as consequências posteriores.
A descrição da sociedade futura — não faltando uma taxa sobre o consumo do ar (?) — chega a ser ridícula. O pior, porém, é quando o asteroide volta a aparecer, avizinhando-se novo choque. Essa eu não entendi: como é que o astro poderia se chocar duas vezes com a Terra? Com o primeiro choque ter-se-ia incorporado ao nosso planeta!
ENTÃO SALLY PODE ESPERAR (Emerson D. E Pimenta) – Outra história cheia de explicações importunas. Logo na primeira página: “Aqui em Osreon somos tecnologicamente desenvolvidos...” e, creiam, no mesmo parágrafo, algumas linhas abaixo: “Aqui em Osreon, devido á enorme quantidade de radiação que emana dos poços de Oreoonite..” Em seguida vemos como um estranho mal intencionado chega no planeta e passa a controlar tudo, graças só à lábia... em suma, uma história mal acabada e simplória.
SEM RAZÃO OU NÃO (Fabiana Guaranho) – Vinheta surrealista, onírica, sobre uma mulher — ou algum ser feminino — que fica flutuando no ar, ou mergulhando na água, mas tudo descrito como se fosse um sonho. O português não está bom e a mensagem não ficou clara.
TITÃ (Fábio Baptista) – Com parágrafos longos e um introspectivo personagem-narrador,o texto fala de um ambíguo resgate no satélite saturnino de Titã, que acaba parecendo mais uma queima de arquivo. O entrecho não é agradável à leitura e seu efeito é meio deprimente.
HERÓIS (Fernando Aires) – Embora a rigor nem seja classificável como ficção científica, este pequeno conto infantil é simpático e um dos melhores da antologia, talvez mesmo o melhor de todos. E o autor tem habilidade para enganar os leitores, até que a verdadeira situação se esclareça.
O VIAJANTE (Frodo Oliveira) – História mais elaborada e interessante que a maioria das demais deste livro. Aliás o Frodo já é um nome conhecido. Aqui ele trata dos problemas éticos das viagens pelo tempo, de um ponto de vista humanista.
O defeito maior que se encontra em “O viajante” pode ser simples erro de digitação ou defeito do computador: nas páginas 110 e 121 os nomes das flores aparecem com inicial maiúscula.
As viagens temporais são feitas na direção do passado, sob controle de uma agência. Entretanto são viagens virtuais. Não fica claro como o protagonista pode se materializar no passado enquanto o seu verdadeiro corpo permanece numa câmara, ligado por fios a um terminal.
Apesar disso a história merece ser lida.
3005 – PLANETA SEM FLORES (Giovane Santos) – Outra história distópica, com uma sociedade onde os fatos são ocultados à maior parte da população. O texto é meio pernóstico. O protagonista-narrados assim explica (sic) a si próprio: “O engenheiro genético desenvolveu meu macacão de lycra cinza-claro e meu crachá de identificação renovado: Decan BR-17. O primeiro nome foi dado por meus pais, antes de morrerem na quarentena por conta dos efeitos dos gases que intoxicaram a atmosfera, após a explosão da cadeira (será que ele quis dizer caldeira?) vulcânica do Yellowstone no extinto (?) hemisfério norte. E a sigla numérica era a localização (?) do meu país de origem: um tal (!) de Brasil”.
Depois dessa amostra logo no início da narrativa, dificilmente se pode esperar coisa boa. E de fato a história vai de mal a pior, com diversos artigos omitidos e, finalmente, a revelação de um complô maquiavélico dirigido por diversos governos, inclusive o Vaticano — sim, o Vaticano, com seu meio quilômetro quadrado de área. É um direito do autor não gostar da religião católica, mas o enredo não tem qualquer cabimento.
TEORIAS DE OUTRO MUNDO (Gutemberg Fernandes) – Taí, gostei desse conto. É uma fantasia tecnológica onde o monstro marinho conhecido como o Kraken é visto na verdade como um grande robô. O personagem central, o Almirante Farkas, é carne de pescoço. Narrativa dosada e sóbria. Recomendo ao Gutemberg produzir mais histórias nesse universo ficcional.
TESTAMENTO DE UM CONTEMPORÂNEO SÍSIFO (Helil Neves) – Conto que explora o fenômeno conhecido por “déjà vu” — a sensação de estar vivenciando algo que já aconteceu antes.
Não deixa de ser original o enfoque do autor, mas enfim a história se ressente de ser confusa, de literalmente nada acontecer, e também porque não dá para entender como possa o protagonista voltar no tempo só para reconhecer um “déjà vu”.
O FIM DE UM DOS MUNDOS (27 MINUTOS ANTES) (Ítalo Poscai) – Infelizmente este conto, de apenas duas páginas, está repleto de inconsistências. Narrado em forma de cronometragem, principia com uma verdadeira “pérola”: “Em uma galáxia onde fica a Aliança dos Mundos, planetas livres que se comunicam e viajam entre si (?), foi sentido (sic) uma forte presença de energia vinda de muito longe.” Dois minutos depois esses planetas já estão todos mobilizados para salvar os habitantes (mas do que?). Aliás o que significam esses horários como 16 h 32 min — têm relação com o que? Com uma porção de planetas?
O PLANETA X (Jowilton Amaral da Costa) – Narração de uma batalha envolvendo terrestres e diversos alienígenas, num mundo distante. A narrativa é medíocre e termina dando a entender que os heróis de uma guerra podem ser os vilões. Contudo a mensagem é bastante rasa e descartável.
VIAJANTES (Lucas Felix) – Aqui encontramos uma verdadeira babel numa “festa de viajantes temporais” com diversas aparências, inclusive bem absurdas. Um homem e uma mulher procuram uma terceira pessoa, não acham, saem de lá e fica tudo por isso mesmo. Desculpem, mas não entendi a intenção do autor; tudo me pareceu muito gratuito.
MISSÃO MUITO IMPORTANTE (Marcelo Sant’anna) – Dois estudantes perdem o seu transporte espacial, arrajam carona e encrenca ao mesmo tempo. Com várias explicações desnecessárias e um enredo pouco convincente, o conto é bem fraco, inclusive na psicologia dos personagens.
PROJETO MULAH DE TRÓIA XXVIII (B.B. Jenitez) – Texto de sátira radical, ou seja, carregado de “non sense” à Juarez Machado; na verdade B.B. Jenitez é pseudônimo de Osame Kinouchi Filho, autor paulista, físico e professor da USP.
O conto faz uma salada com linhas temporais e paradoxos, multiverso, futuros hipotéticos e manipuláveis, e no fim das contas não conta história nenhuma. Eu penso que é preciso ter muita boa vontade para achar graça numa coisa dessas.
OGUM S/A (Patrick Brock) – Chamou-me atenção o nome Zirconia, de um planeta mencionado logo no início do conto. Zirconia é uma das vilãs da quarta fase de Sailor Moon. Terá alguma coisa a ver? Bem, o enredo é uma espécie de diário de um dos sócios num cargueiro espacial. Não sei porque cargas d’água o autor resolveu numerar os parágrafos que assim viraram pequenos capítulos.
O enredo é fraquíssimo e termina com um glossário.
SÓ (Ricardo Guilherme dos Santos) – Há nesta história um excesso de explicações didáticas, dando uma forma de relatório sem ação, apresentado por uma personagem misteriosa que afinal se revela como Preter, uma espaçonave lançada com uma grande tripulação num périplo pelo universo, para pesquisas e contatos com raças alienígenas; isso diante do próximo colapso do sol de Ansem, um planeta utópico.
A narrativa é correta em termos de linguagem e utiliza um rico vocabulário científico, com algumas tiradas filosóficas como esta: “Com dificuldade, compreendi que os universos estão sempre em movimento, porém às vezes caminham para trás.”
Sendo um dos melhores contos do volume, tem a desvantagem de parecer um texto gratuito, produzido em forma de monólogo pela entidade que deriva através do espaço, numa solene solidão.
A PORTA (Sheila Schildt) – Numa antologia quase exclusivamente masculina, a jovem autora Sheila Schildt comparece com um conto que é mais de terror embora se enquadre também como ficção científica.
Num futuro indeterminado uma doença infecciosa ameaça a humanidade. A narrativa já se dá com o fato consumado, pela ótica de um sobrevivente numa cabana. Não parece ser no Brasil, pois a primeira linha já fala em neve.
A infecção produz a degeneração do corpo humano — um vírus que causava o lento apodrecimento do corpo. Uma situação terrível e descrita sem nenhuma esperança.
Embora eu não aprecie muito essas histórias mórbidas, esta é válida para quem curte o gênero.
SUPERNOVA (Thiago Lucarini) – História muito curta sobre um assunto que pode render mais, como enredo de “teoria da conspiração”: a manipulação de seres humanos para ganharem poderes e se tornarem armas de guerra, a exemplo do animê “Ciborgue” e do filme “As chamas da vingança”.
O problema em “Supernova” é que a história é maior que o texto e assim, com tudo resumido, falta emoção. O argumento é bem clichê: as cobaias humanas se rebelam e utilizam os poderes contra seus próprios manipuladores, dando início a uma guerra. Mas o texto em resumo, a narrativa distante dos leitores, prejudica tudo.

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Em resumo, uma antologia com muitos autores mas raramente apresentando entrechos que valham a pena ler.