E por falar em fim do mundo...

E POR FALAR EM FIM DO MUNDO...


(já existe uma resenha deste livro em minha escrivaninha, sob o título "Os 100 anos de "A morte da Terra": tendo em vista porém a gravíssima atualidade da questão da escassez de água potável agravando-se em nosso planeta e inclusive no Brasil, estou postando este texto ampliado para lembrar a presciência de J.H. Rosny-Ainè)

Miguel Carqueija


J. H. Rosny-Ainè (1856-1940), nascido belga e mais tarde, após um período na Inglaterra, radicado na França, é um dos maiores e, entre os grandes, um dos mais esquecidos autores da ficção científica. Um de seus romances desse gênero — “La mort de la Terre” (A morte da Terra) está agora (2010) completando cem anos.
Rosny-Ainè trabalhou com diversos gêneros. É considerado o criador do romance pré-histórico em narrativas como “A guerra do fogo” (há tradução no Brasil) e “O felino gigante” (editado em Portugal, no ano de 1947). Este gênero, aliás, até poucas décadas atrás praticamente não tinha outros autores além do próprio Rosny-Ainè e Jack London. Escreveu também romances sociais, poemas e um livro de crítica, “Le térmite”, que se opunha ao naturalismo de Zola.
No postfácio à edição portuguesa de “A morte da Terra” (Coleção Argonauta 53, Livros do Brasil) lembra Daniel Halévy que J.H. Rosny, conforme reconhecido por historiadores da literatura, era, por volta de 1890, “o homem de quem mais se esperava, o mais opulento temperamento de romancista da sua época”.
“A morte da Terra” é um livro triste e pungente, carregado de melancolia. Nele J.H. Rosny anteviu o problema que hoje em dia já é reconhecido: a escassez de água potável. Sua história, porém, remete-nos para cem mil anos no futuro, numa perspectiva vertiginosa que faz lembrar “A máquina do tempo”, de H.G. Wells, ou “Sombras perdidas no tempo”, de H.P. Lovecraft.
Rosny prevê o sumiço da água da superfície terrestre: parte desceu para os pélagos do planeta, parte evaporou-se para o espaço exterior. No lugar ficou um mundo seco, sem oceanos, rios, lagos ou geleiras. E quase sem vida.
A narrativa é tétrica e deprimente. Targ, o personagem principal, é o último herói da humanidade: inconformado com a próxima extinção da sua raça. Procura convencer os seus semelhantes de que é preciso lutar, é preciso procurar água nas cavernas, nos subterrâneos do planeta. É necessário lutar contra a aniquilação total, pois nesses mil séculos a população humana reduziu-se até não sobrarem mais do que algumas comunidades espalhadas pelos oásis; e, afora algumas aves domésticas, a vida animal desapareceu totalmente.
Entretanto, uma nova forma de vida surgiu e, aos poucos, se desenvolve, ameaçando tomar posse do mundo. São seres minerais, os “ferromagnéticos”, com os quais não existe possibilidade de intercâmbio. Herdarão a Terra?
De certa forma, “La mort de la Terre” é uma mensagem ecológica, pois o autor já enxergava, há cem anos, o desastre que a civilização industrial descontrolada estava acumulando em todo o orbe. Daí as amargas palavras de crítica no desfecho da novela: “Depois, o planeta deixa prosperar o homem: o seu reino foi o mais feroz, o mais poderoso... e o último. Foi o destruidor prodigioso da vida. As florestas morreram, todo o animal foi exterminado ou escravizado”.
O romance pode, assim, ser lido como um grave alerta à consciência da humanidade.

(imagem: foto do autor de "A morte da Terra")