Filosofia da Ciência (de Rubem Alves)

RESENHA DO LIVRO: FILOSOFIA DA CIÊNCIA

O LIVRO

O título completo da obra é “Filosofia da Ciência – introdução ao jogo e suas regras”. É de autoria do filósofo, pedagogo – entre outras formações - Rubem Alves. Publicada em São Paulo, em 1981, pela editora Brasiliense.

CONTEÚDO

São 11 capítulos nos quais o autor fala sobre o mundo da ciência e seus métodos, paradigmas, teorias, linguagens, mitos, preconceitos, equívocos e de sua relação, mais estreita do que se pensa, com o senso comum.

Procura discorrer e demonstrar essa relação, inclusive de maneira prática, propondo jogos e desafios para a mente do leitor, além de exemplos práticos e históricos de como a ciência funciona e tem funcionado. O que ele chama de um “processo de desenvolvimento progressivo do senso comum.... sem ele, ela (a ciência) não pode existir.”

E através desses exemplos irá explicar a respeito de como se formam os métodos científicos, as teorias, as ideias e o relacionamento de tudo isto com os fatos, acerca dos quais irá insistir sobre os limites da observação e da interpretação, ou seja, que os fatos em si não dizem nada. O que irá dizer será a interpretação que foi dada a eles, que por sua vez foi determinada pela observação, e esta, pelo método utilizado, que sua vez partiu de uma hipótese que foi formulada por uma pessoa, ou uma comunidade científica, com suas interferências, pressupostos, preconceitos, desejos, etc.

Por isso, também irá discorrer sobre o problema da universalização dos fatos, isto é, das generalizações de fatos empiricamente testados, mas que pertence a um objeto de investigação impossível de ser esgotado analiticamente. Por isso, dependerá do que ele chama de “salto”, isto é, do preenchimento dos espaços vazios deixados pela observação. Saída ainda mais acentuada no caso das teorias.

Deste modo, irá denunciar as equivocadas pretensões acerca do método científico e de seus seguidores, que já na época do positivismo prometeram desmitificar o pensamento, mas que ele mesmo é repleto de mitos e dependente da fé. Assim, o autor também irá trabalhar sobre a inspiração, imaginação, intuição criativa, ou seja, verdades que foram aceitas como tal, mas que não se chegou a elas pela lógica ou pelo conhecimento acumulado. Enigmas da natureza que não são desvendados somente pelo método, pelos dados, pelos fatos ou pela razão, mas que expressados em forma de enunciados científicos verificáveis dentro de certos limites e que enquanto funcionar, serão aceitos.

Irá encerrar falando sobre verdade e bondade. Resumidamente, ira dizer que hoje a verdade está mais condicionada ao que dizem os que possuem o poder, do que aquilo que a natureza diz. Em outras palavras, a comunidade científica prefere, a bem de manter seu status, defender os velhos paradigmas que sair da zona de conforto. Por isso o autor diz que passaram de paradigmas para “paradogmas”. Quando se descobre algo que derruba alguma teoria já consolidada, preferem esconder ou transformá-lo em outra categoria. Por isso, irá encerrar dizendo:

"Já que a ciência não pode encontrar sua legitimação ao lado do conhecimento, talvez pudesse fazer a experiência de tentar encontrar o seu sentido ao lado da bondade. Ela poderia, por um pouco, abandonar a obsessão com a verdade, e se perguntar sobre seu impacto sobre a vida das pessoas: a preservação da natureza, a saúde dos pobres [...] enfim, esta coisa indefinível que se chama felicidade. A bondade não necessita de legitimações epistemológicas."

ANÁLISE

É uma obra que poderíamos chamar de heterodoxa. Talvez, pós-moderna, pois percebemos um desmascaramento do pensamento moderno, um questionamento do conhecimento universalmente válido(1).

Pelo ultimo trecho exposto acima (sobre o conteúdo), há um nítido pragmatismo, a ideia de que “se é verdade, não importa, o que importa é se é útil”. É claro que não se trata de um pragmatismo comercial, pois expressa uma preocupação com questões muito relevantes em nossos dias. Se o que ele diz ali viesse a acontecer, talvez não se chamaria mais ciência. Não estou dizendo que tudo que ela produz e produziu com seus métodos, paradigmas, postulados e tudo mais, não tem valor ou que só trouxe males. Isto seria “cuspir no prato em que comemos”. É inegável que muito do que o pensamento e o trabalho científico produziram, trouxe qualidade de vida para as pessoas. Entretanto, também trouxe desgraças em nome do dinheiro, do poder, do capitalismo, do desejo egoísta.

Não é por menos que nos primeiros capítulos do livro o autor diz que “o mundo humano se organiza em torno de desejos”. E ainda expressa que disso “depende tudo o que se poderia denominar criatividade” (pag 29), inclusive a ciência.

Pode ser muito útil para a vida acadêmica o conhecimento que obtemos com este livro. A primeira coisa que considero útil é em ralação ao mito por traz da ideia que se tem da ciência e do cientista, que eles são como se fossem os únicos capazes de pensar e dizer a respeito de certas coisas. É libertador verificar que a ciência depende mais do senso comum do que se costuma pensar. E isto é bom, pois diz para nós que, concernente ao nosso modo de pensar e de agir, já fazemos uma espécie de ciência no dia a dia.

O autor demonstrou bem que toda pretensão de dizer que “fazer ciência é analisar os fatos livre de valores e pressupostos”, é um equívoco. Infelizmente, fato puro, não existe, pois como colocou, o fato em si não diz nada, ele precisa ser interpretado. E aqui entra o observador, que só poderá interpretar por sua própria “ótica”. Mas é importante salientar que não devemos deixar os nossos preconceitos determinar o resultado da investigação. Se partirmos deles, não haverá como chegar a conclusões certas.

Outra coisa que considero útil, é saber que diante do objeto de investigação somos o “juiz” que interroga, que faz perguntas que em si já contém as respostas. A natureza só ira responder sim ou não, por isso, é importante que façamos as perguntas certas. No seguinte trecho, Alves diz:

"A ciência, bem como o conhecimento de qualquer tipo, se inicia quando se faz uma pergunta inteligente. A pergunta inteligente é o começo da conversa com a natureza (ou com a sociedade). Lembre-se de que, na verdade, a pergunta, a que se dá o nome de hipótese, já contém a resposta."

A respeito do fazer estas perguntas, também é muito importante o que ele ensina, que a natureza tem a suas próprias linguagens – a matemática, por exemplo –, então, para que ela “fale” é preciso conhecer a linguagem em que ela se expressa. Fazer estas perguntas é construir teorias, e o autor exemplifica isto dizendo que construir teorias é como construir a rede de pesca apropriada para o peixe que se quer pegar, mas com palavras. O autor expressa a ideia de que nós vemos o mundo com as palavras. De fato, isso é verdade. O que é o mundo que conhecemos senão linguagem? Não que a natureza seja linguagem, mas o que dela conhecemos, conhecemos em forma de linguagem.

Por fim, também pode nos ser útil compreender que a dinâmica do pensamento humano é uma busca por ordem e por sentido. É aqui onde entra a imaginação, a criatividade, porque os fatos nunca oferecem a realidade completa. Segundo o autor, a natureza só oferece um “talvez”. E essa busca por ordem e por sentido é vital para o ser humano. E é isto que o leva à investigação e a criatividade, porque ele acredita que há uma ordem nas coisas, e a imaginação da sentido a elas.

RECOMENDAÇÕES

Este livro pode ser muito útil a professores e, principalmente, estudantes de qualquer das áreas acadêmicas. Ele fornece muitos conceitos-chave para a pesquisa científica, ajudando a compreender melhor a relação entre pesquisador e objeto, ao mesmo tempo que vai desmitificando conceitos errôneos e noções preconcebidas acerca do modo de fazer ciência e do pensamento científico. Outras pessoas também poderão achar a leitura muito interessante e enriquecedora, permitindo aplicá-la, de algum modo, à sua vida e trabalho.

O AUTOR

“Pedagogo, poeta e filósofo de todas as horas, cronista do cotidiano, contador de estórias, ensaísta, teólogo, acadêmico, autor de livros para crianças, psicanalista, Rubem Alves é um dos intelectuais mais famosos e respeitados do Brasil.” (2)

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(1) Ver CAMPOS, Heber C. O Pluralismo do pós-modernismo. Pag 2-3. Disponível em: http://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/visualizar/16 (acessado em: 23/11/2013)

(2) Este e mais um extenso conteúdo sobre a vida do autor está disponível em: http://www.rubemalves.com.br/biografia.php (acessado em: 23/11/2013)