A misoginia de Berilo Neves

A MISOGINIA DE BERILO NEVES
Miguel Carqueija

Resenha da coletãnea de contos “A mulher e o diabo”, de Berilo Neves – Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, terceira edição aumentada, 1936.

Nada menos de 30 contos, alguns bem curtos, compoem este volume, hoje uma raridade, a testemunhas que na longínqua década de 1930 já existiam escritores de ficção científica no Brasil. É verdade que Berilo Neves circula facilmente por vários gêneros, misturando FC com narrativa sobrenatural – em “O baile do Sr. Diabo” o inferno pode ser alcançado em espaçonave (chamada prosaicamente “monoplano transethereo”) — passando por fábulas onde bacilos conversam ou uma pulga conta a sua história, e tudo perpassado por irônicas críticas sociais carregadas de misoginia — no conto “O casamento do Diabo” o Adversário resolve casar com uma das mulheres do inferno, e pouco tempo depois pede o divórcio. Moral da história: mulher, nem o diabo aguenta — na visão do autor, é claro.
O ceticismo de Berilo manifesta-se também em “Os raios Z”, onde, fazendo lembrar o célebre romance de Joaquim Manuel de Macedo “A luneta mágica”, certo cientista, podendo perceber o pensamento humano graças a sua descoberta, acaba por se suicidar pois só enxerga maldade e fingimento nos semelhantes.
Em “O Professor Sérgio Livintinoff” questiona-se o sentido de uma vida mais longeva, porém destituída de amor. Aqui o autor tem razão: viver sem amor não é viver.
“A derrota de Marte”, em poucas páginas, parece ser uma sátira ao romance “A guerra dos mundos”, de H.G. Wells. Até na explicação para a retirada dos marcianos.
Em suma, um livro que faz uso da FC e outros gêneros como um veículo para a sátira e a crítica social, quase em tom de crônica jornalística. A lamentar o baixo conceito que Berilo Neves demonstra em relação às mulheres, o que torna alguns trechos de suas histórias, bastante desagradáveis.

Rio de Janeiro, 5 de março de 2006 – 23 de maio de 2015.


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