A Trombeta do Anjo Vingador, de Dalton Trevisan

Que faz de um livro sucesso em vendas e público? Muitos acreditam que seja o conteúdo, o relato da condição humana que devem permear as grandes obras. Creem que tais características são indispensáveis a um livro digno de ser lido, relido, guardado junto ao travesseiro, legado à posteridade. Gostaria de que esses fossem a maioria. No entanto, infelizmente, não o são. A maioria vai de encontro a tal entendimento. São os leitores de best-seller, de livros escritos por vencedor de Big Brother Brasil, por cantor sertanejo. Para estes, o que importa é a retórica. Mesmo sem imaginar, compram um livro pela capa, pelo título, pelo final da história. São uma prova de que, em geral, para ser aclamado pelo público, são imprescindíveis a uma obra publicidade, distribuição e final feliz.

Isso explica por que o livro de contos A Trombeta do Anjo Vingador, de Dalton Trevisan (1977), não figura entre os mais apreciados pela massa no gênero. Lançado sem grande pompa, sem divulgação na grande mídia, pela editora Codechi – longe de ser uma Companhia das Letras – e cujos contos não têm final feliz. Apesar de muitos especialistas da área o considerarem como um dos maiores contistas do país, apesar de ter vencido o Prêmio Camões de 2012, do Machado de Assis, neste mesmo ano, promovido pela Academia Brasileira de Letras – todo esse repertório não é suficiente. Dalton Trevisan permanece desconhecido de muitos leitores de best seller, de apresentador de telejornal, de cantor de rock, do grande público, enfim. Preterido. E A Trombeta do Anjo Vingador longe da estante das grandes livrarias.

Isso é compreensível: "leitores" que se lambuzam ante um livro de conto retórico, capcioso em demasia, com descrições intermináveis, períodos longos e enviesados, discursos em vez de relatos do cotidiano, finais felizes não encontram guarida em A Trombeta do Anjo Vingador. Com 141 Páginas, dezenove contos ao todo, curtos, que em geral tratam de questões do cotidiano do brasileiro comum: traição, brigas por dinheiro, explorações diversas, bebedeiras, mais bebedeiras, erotismo, família. Ah, a família... A dos contos do curitibano é bem diferente daquela do comercial de margarina que passa na tevê, daquela da novela das nove: é desregrada, fragmentada. O álcool está presente em boa parte dos contos, como um lenitivo às dores do mundo. As personagens, em geral, excedem-se nas doses e nas noitadas. Em busca de respostas, em busca de "amor". Outra característica peculiar: todos os contos vêm ilustrados, com imagens, figuras que os representam.

Sobressaem, a meu ver, entre outros, os contos: "Repasto frugal", em que a simplicidade começa pelo nome do casal – João e Maria – que vive uma relação amorosa tipicamente canarinho, entre tapas e beijos, regrada a álcool. João já é apreciador de longa data do líquido; Maria, não. Esta, certa ocasião, resolve tomar umas e, estimulada pela pinga, faz revelação indevida: João não é o pai do filho dela, como ele imaginara. Daí intensificam-se as agressões. Divorciar-se? Ora, quem irá sustentá-la? “-- Na mesa, polenta, queijo e pinga” Que assim continue. Prefere o chicote à rua da Lama. Essa personagem me lembra Marina, de Angústia, de Graciliano Ramos: “-- Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição.” (ano, p. 83)

Em "Dorme, Gordo." há mais exploração. Desta vez, os papeis se invertem: é o marido quem se ver em apuros. É ele quem "atende" aos anseios da mulher. Há um custo pelas saidinhas noturnas que ele pratica. Este conto poderia ter como título, em função da temática nele desenvolvida, “Assine, Gordo.” em vez de Dorme, Gordo.

E há "A Trombeta do Anjo Vingador", no qual é revelado o preço de uma desgraça: doze milhões... E compreende-se por que o Anjo é vingador: o mundo anda caro demais. Tudo tem um preço, e o "amor" não foge à regra. Será que é possível dividir o ônus de paixões malsucedidas em doze suaves prestações? Sei não...

Sei que, em meio ao furdunço, à pressa em que vivemos atualmente, a leitura de A Trombeta do Anjo Vingador vem a calhar. Serve-nos como antídoto às dores do mundo. Faz-nos refletir sobre nossa condição ante o caos em que estamos imersos. Tudo isso em escrita elegante, objetiva, simples, sem penduricalhos, sem moletas linguísticas.

Por praticar tal estilo, Dalton Trevisan, sobretudo em A Trombeta do Anjo Vingador, é digno de apreço, de reconhecimento público. Porque, como disse Schopenhauer, em A arte de escrever:“…deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela”. E isso o faz, como poucos, Dalton Trevisan.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 17/06/2015
Reeditado em 26/06/2015
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