"O velho e o mar", de Ernest Hemingway

Boi e cerca, cão e coleira.

Às vezes é preciso arriscar-se. Como o fez Santiago, de "O velho e o mar", que, após 84 dias sem pescar um peixe sequer, lançou-se às águas profundas e escuras em busca de seu espadarte. É saindo da zona de conforto que, por vezes, descobrimos novos horizontes. Segui essa receita do velho Santiago: abandonei provisoriamente a BR. Fui dar umas voltas pelos Frios e deparei com duas cenas que me chamaram atenção.

A primeira foi a de um boi forte e saudável, desses de muitas arrobas, alimentados por purina, a alguns metros, comendo no pasto, separado de mim por uma cerca. Simples cerca. A outra, mais à frente, um senhor que caminhava com seu cão. Um cachorro forte e saudável. Um desses 'de raça', das bochechas e peitoril proeminentes, acorrentado. A coleira, uma simples coleira, o mantinha sob 'controle'. Essas cenas me lembraram uma passagem do livro de Ernest. Lembrei-me do seu espadarte, forte e saudável, preso por uma linha, e o ''medo'' que Santiago tinha de que o peixe resolvesse ''insurgir-se''.

Essa passagem, penso, diz respeito às ''correntes ocultas'', às forças que muitos animais 'não sabem' que as possuem. Passa-se na página 67. Ei-la: "É um peixe enorme e tenho de dominá-lo. Não posso deixar que ele compreenda a força que possui, nem o que poderia fazer se aumentasse a velocidade. Se eu fosse ele, reuniria agora todas as minhas forças e começaria a correr com toda a velocidade até que qualquer coisa se partisse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos."

Se aquele boi e bulldog soubessem a força que possuem, talvez a cerca e a coleira não os detivessem por muito tempo. Eis o motivo de meu receio a uma aproximação mais amigável em relação a cães e bois. E "O velho e o mar'' me trouxe essa percepção. É um livro e tanto.

Há nele muito simbolismo, muitas metáforas. Diz muito em poucas páginas. Muito sobre superação, persistência, humildade, amizade. Sempre que posso o releio. E, cada vez que o faço, vejo coisa nova. Novos caminhos. Vejo diferentes espada(artes) e Mano(lins).

As passagens que mais me atraem são as que descrevem o mar: um deus, generoso e belo - figura feminina (la mar) que ''[...] se faz coisas selvagens ou cruéis era só porque não podia evitá-lo.", que ele, o mar (ou melhor, la mar) é afetado pela Lua assim como são as mulheres: ''A Lua afeta o mar tal como afeta as mulheres."; os diálogos (ou seriam monólogos) que o velho pescador têm com o espadarte; a figura de Manolin no enredo; a relação entre o espadarte e Santiago - e o principal: o desfecho.

Como essa história termina é, para mim, a grande sacada de Ernest Hemingway. Após a luta com seu peixe, Santigo retorna. Embora traga apenas o esqueleto do espadarte, considera-se vencedor. Venceu sua batalha, seu destino. Seu grande peixe. Já pode morrer. Cumpriu sua 'tarefa'. Uma morte 'simples' para alguém que conquistou o espadarte, o mar e as criaturas que habitam nele. E, sobretudo, a admiração de Manolin, para o qual o velho sempre foi e será um exemplo de homem, íntegro, humilde, persistente, um amigo.

Santiago morreu, ''O velho e o mar", não. Os clássicos são atemporais. E uma prova é o caso dessa caminhada nos Frios -- do boi e a cerca, do cão e coleira em questão. É a literatura nos servido de norte para compreender isso a que muitos chamam de realidade.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 24/07/2015
Reeditado em 26/12/2015
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