179 MOTIVOS PARA LER MARCO AURÉLIO VIEIRA (por Emerson Braga)

Por volta de setembro de 2015, um poeta muito querido perguntou se poderia me enviar três antologias que reuniam sonetos de sua autoria. Bem, tive motivos de sobra para exigir que ele o fizesse, afinal, sou apaixonado por sonetos e o poeta em questão era ninguém menos que Marco Aurélio Vieira. Além de um grande amigo, trata-se de um dos escritores vivos mais talentosos que já tive a oportunidade de ler. Mineirinho avesso a idiossincrasias, esconde esse moço explosões cataclísmicas de paixão e revolta, de alegria e indignação. Seus versos não nos tocam; na verdade, atravessam carne e ossos, nos arrancam sensações físicas e emoções das mais variadas.

O primeiro tomo, intitulado Sonetos em Conflito, reúne 85 poemas selvagens, que transformam angústia, desespero, melancolia e ira na mais soberba expressão de lirismo.

No poema A Chama e o Vento, lemos os seguintes versos:

 

“Pois já não suporto este sopro impudico

Do vento covarde que suga-me a luz”

 

É um poetar ferido de morte, arquejante, mas que não abandona nunca o sarcasmo feroz, como constatamos no verso “Vou me afogando nesse mar de santos”, presente no soneto O Vingador.

 

Marco Aurélio devota boa parte de seus textos a causas sociais e não cansa de espantar-se e sublevar-se diante das iniquidades que vilipendiam minorias. Para nosso maravilhamento como leitor, as mesmas injustiças sociais que ferem o poeta também alimentam sua verve poética revolucionária, como vemos nos seguintes versos do poema Babel:

 

“Na borboleta exausta da esperança,

A fera intolerância grassa, avança”

 

Seus sonetos não refletem queixas vazias, lamentos inócuos. Todos os poemas trazem, mesmo que nas entrelinhas, o bramido que exige a reparação do mal praticado, que impetra a devida punição àqueles que segam os brotos da esperança. A dor não é porque simplesmente dói. A dor se deve ao desejo legítimo de sarar, e jamais abrir mão da cicatriz.

 

Já em Sonetos em Harmonia, o poeta nos convida ― por meio de 48 poemas ― à contemplação do belo, ao frescor dos versos que parecem vivos, como no soneto O Poema e o Poeta:

 

“Rodopia o poema ao redor do poeta

A marcar, bailarino, seu próprio compasso”

 

Sua poesia cria autonomia, identidade, e se utiliza do poeta para afirmar-se diante do mundo. São versos hedonistas que rejeitam regras sociais caducas e padrões pré-estabelecidos por senhores apegados a bulas rotas: “Ah, quem me dera nunca mais o austero e o reto”, como lemos no poema Voo Sem Asas.

 

O poeta dá um novo sentido aos vocábulos, transforma-os, corrompe-os para libertá-los dos conceitos e preconceitos que carregam: “Cada palavra, encantado castelo, ninho de letras, morada feliz” (Soneto Singelo).

 

E, depois de aguçada nossa sensibilidade para as coisas do bem querer, Marco Aurélio nos escancara completamente as portas de sua alcova literária e deitamos enamorados sobre seus Sonetos Românticos. São 46 poemas ardentes, sensuais, que sussurram, murmuram, enquanto os versos de suas estrofes se misturam em um aconchego promíscuo.

 

No poema Delírio, podemos ler:

 

“Adejar então meu corpo em cada fenda

do teu corpo que ilumina o mundo em breu...”

 

As imagens orgásticas revelam-se como grandes lábios que se abrem para receber beijos de amor. Sem pudores, ausentes limitações morais esterilizantes, os versos gozam, suados, ungidos. Todavia, a sexualidade presente neste terceiro tomo não é feita apenas de gemidos plangentes, mas também de lucidez, como observamos neste belíssimo verso do poema A Nudez:

 

“E ao desnudar-te a humanidade, acordei”

 

Marco Aurélio Vieira é poeta, é artesão da língua, pois transforma nosso idioma em sublime manifestação artística.

 

Em suas três compilações de sonetos, há 179 bons motivos para lermos os versos desse homem que, cansado da humanidade que tanto o intriga e decepciona, transmudou-se em lirismo, poesia, luz.

 

11/03/2016, sexta-feira

Emerson Braga
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 13/04/2016
Reeditado em 13/04/2016
Código do texto: T5603637
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