Nas ondas de "O Velho e o Mar"

É um de meus xodós, um dos livros que, quer pela mensagem que deseja transmitir ao bicho homem, quer pelo enredo, atraem meus sentidos e me levam a outras dimensões existenciais. "O Velho e o Mar" é um dos que mais aprecio; pertence certamente a minha lista dos dez mais. É um livro grande, não em páginas, pois não ultrapassa as cento e cinquenta. É um livro grande na mensagem, nas metáforas que percorrem a obra e que intentam levar ao humano, por meio da literatura, ideais de superação, de perseverança ante a mãe natureza, ante aos ''obstáculos'' que esta nos impõe, ante o mundo. É uma interpretação dentre as várias possíveis. Cada leitor é tocado de diferentes maneiras; aludirei aqui à minha.

De modo geral não curto muito escritores americanos, à exceção do autor de "Folhas de Relva", Walt Whitman e do de "O Velho e o Mar", Ernest Hemingway. Penso que essa opção minha deve-se justamente ao fato de que esses dois escritores, ao lado de outros poucos da Terra do Tio San, vão de encontro a uma literatura de mercado. Então encontramos em sua escrita, como certamente na de Graciliano, Camus, Voltaire, Dostoiévski e na de outros poucos escritores mundo afora, letras incendiárias.

Os escritores de letras incendiárias sempre me fascinaram, porque, lançando mão da palavra, me mostraram (e mostram ainda) nossa degradante condição neste antro de carestias e safadezas que, do meu ponto de vista, é o mundo. Talvez exagere, como quase sempre o faço, quando estou a expressar opinião sobre temas inquietantes. E este, a batalha do velho Santiago com seu Espadarte, em outras palavras, do homem versus a natureza, do homem versus seus desafios mundanos, é um deles.

O enredo parece ser bem simples: um velho pescador, chamado Santiago, está oitenta e quatro dias sem pescar um peixe sequer; quase todos o têm por azarento da pior espécie, à exceção de Mano lin, seu aprendiz, o qual, embora seus pais lhe ''recomendassem-se" mudar de barco, pois naquele havia pescador azarento, ele discordava, e acreditava que tudo era uma fase e que Santiago era um exímio pescador. E ao leitor que ler este livro verá que o menino tinha intuição, que quase tudo em Santiago era velho, à exceção, como aponta Hemingway, "dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis". Que significa isso? Que significa à luz de um livro que fala de superação, perseverança, companheirismo ter olhos tão indomáveis?

Assim, Santiago acreditava em si, em sua competência como pescador, e o mar, seu parceiro do dia a dia, lhe dará forças para vencer os espadartes, os grandes peixes que encontrar pelo caminho. Nesse enrendo, portanto, para resumir o livro e dar ponto a uma resenha que, me parece, estende-se em demasia, estabelecem-se as metáforas: nós temos nossos espadartes diários a vencer, e muitos não acreditam que possamos fazê-lo. E a luta parece medonha, pois por vezes não temos a nosso lado Manolins, pensamos ser salaos, e vemos o mar distante, ou muito próximo, a quase nos engolir. Atualmente, acredito, o mercado, a vida em uma sociedade cada dia mais individualista, a busca pelo "sucesso", a safadeza e carestia que nos cercam, enfim, me parecem ser o Espadarte, o grande peixe a ser vencido.

Findam-se minhas férias. De todo não foram desnecessárias, afinal voltei a surfar nas ondas de O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 19/05/2016
Reeditado em 03/06/2016
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