Os contos de Antonio Botto

OS CONTOS DE ANTONIO BOTTO
Miguel Carqueija


Resenha da coletânea “Os contos de Antonio Botto” (Livraria Latino Editora, Porto, Portugal, 1942). Reunião das seguintes obras: “O Livro das Crianças”, “O meu amor pequenino”, “Não é preciso mentir”, “A verdade e nada mais” e “Amor com amor se paga”. Contos edificantes e fábulas.

Estamos diante de um alentado volume com mais de 300 páginas e muitas dezenas de pequenos contos e fábulas de um autor português, que eu realmente desconhecia embora constem no livro elogios de autores europeus famosos, como James Joyce, além da recomendação do conhecido Cardeal Cerejeira. No entanto eu de fato desconhecia esse fabulista lusitano, da mesma família literária portanto de La Fontaine, Esopo, Perrault e dos Irmãos Grimm.
Muitas das histórias parecem novas versões de outras, o que é comum nos fabulistas, um tipo literário que hoje parece em vias de extinção (no Brasil tivemos o Malba Tahan). Não há, por certo, grande elaboração literária nesses pequenos contos (alguns realmente minúsculos) entretanto neles se encontram aquelas singelas lições de moral tão características das fábulas e contos de fadas.
As dezenas de contos e mini-contos do volume apresentam lições simples e fáceis, algumas histórias são tristes como a do cão que é expulso de casa pelo dono. Com frequência os bichos falam, e discutem entre si problemas filosóficos. No conto “Seriedade e nobreza”, por exemplo, um lobo está quase morrendo de fome e frio mas, para não dar o braço (ou a pata) a torcer, mente para um macaco, dizendo que comer não é tão importante e que é melhor ser magro. Chega ao cúmulo de citar Platão: “Quem come pouco nunca pode morrer louco.” Quando tempos depois, já bem alimentado, o lobo é abordado pelo mesmo macaco, este se aborrece ao ver que tudo era mentira. E eis a justificativa do lobo: “Preferi a atitude elegante de mascarar o meu tormento, a minha miséria, a minha doença, em raciocínios e em palavras que me fizessem passar, aos seus olhos e aos olhos de todos, por quem não precisa pedir seja o que for.” Deixo esta filosofia de lobo para a análise dos leitores...
Em “Canção indecisa”, conto bem curtinho, uma andorinha consola um filhote que entristecera por não possuir penas bonitas como as de outras aves, mencionando o faisão. Ao que a mãe pondera: “Não digas isso, não digas: as aves de cores vistosas são as que morrem mais depressa para acudir à vaidade da mulher e à inconsciência do selvagem. Os caçadores perseguem-nas, e elas mal chegam a viver na liberdade do zaul.”
“O melão amargo” fala de um sujeito que oferece um melão ao amigo e este o come quase todo, e só depois o primeiro descobre que a fruta estava verde e amarga. Aí pergunta: “Como é que pudeste comer uma coisa que não prestava?” Eis a resposta do amigo: “Tenho recebido das tuas mãos tanta e tanta gentileza, tanto e tanto benefício que, pela primeira vez, não tive coragem de recusar uma lembrança menos saborosa.”
Paro por aqui, pois são dezenas e dezenas de contos. Surpreendeu-me ao descobrir este autor português cujo prestígio, a julgar pelas recomendações que cercam este volume (constam elogios até de Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Miguel de Unamuno) e alguma pesquisa na internet, é inegável.

(imagem da edição de 1912, Livraria Bertrand)