As Cavernas de Aço (Isaac Asimov)

ROBÔS, DETETIVES E CRÍTICA SOCIAL

Trata-se de uma história que mistura romance policial (com uma pequena pitada daquele clima dos filmes de duplas policiais), ficção científica e muita crítica social. Somos apresentados a uma cidade (caverna) que fica alheia a luz solar e fenômenos naturais, deixando imperceptível o dia e a noite, salvo pelos recursos artificiais. Algo que remete ao livro 24/7: Capitalismo e os Fins do Sono (Jonathan Crary), como neste trecho:

"As atividades da Cidade poderiam, sem dúvida, continuar em três turnos de oito horas ou quatro turnos de seis horas, tanto de ‘dia’ quanto de ‘noite’. A luz e o trabalho poderiam, com facilidade, continuar indefinidamente. Sempre há reformistas que, de tempos em tempos, sugerem algo assim em prol da economia e da eficiência. Essa ideia nunca é aceita'.

Já nos anos 1950, Asimov bateu muito na tecla da superpopulação e escassez dos recursos naturais, que compõem o principal pano de fundo. Somado ao avanço tecnológico que causa temor e revolta, algo que tive oportunidade de ler em um dos prefácios feitos pelo autor na coletânea Histórias de Robôs Volume 1 da editora L&PM, que trata sobre os Luddistas (p. 9):

"Quando as máquinas têxteis começaram a ser utilizadas e o número reduzido de operários nas fábricas passou a produzir mais que a maioria dos habitantes que trabalhavam à mão em casa, os novos desempregados provocaram tumultos. Não perceberam que o inimigo era uma sociedade que pouco se importava com ‘classes inferiores’ e não sentia a mínima responsabilidade pelos pobres".

Em As Cavernas de Aço, vemos algo semelhante, colocado por Asimov no contexto da história, onde a desclassificação seria um ranking social/profissional que pauta a qualidade de vida dos habitantes (sim, eu sei… Black Mirror S03E01…):

"Homens que deparam com a perspectiva do mínimo desesperador resultante de uma desclassificação, depois de passar a metade de uma vida se esforçando, não podiam perceber a sangue-frio que robôs individuais não eram os culpados. Pelo menos, robôs individuais podiam ser atacados. Não era possível atacar algo chamado ‘política governamental’ ou um slogan como ‘maior produção com o trabalho dos robôs’ ".

A questão crítica da superpopulação versus escassez de recursos, me fez lembrar do livro Aprendendo Inteligência: Manual de Instruções do Cérebro para Estudantes em Geral (Pierluigi Piazzi), também da editora Aleph, em trecho que fala sobre a explosão demográfica, citando Thomas Robert Malthus:

"População, quando não controlada, cresce em razão geométrica. Recursos de subsistência crescem, apenas, em razão aritmética"

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Se você, assim como eu, é ruim de matemática, funciona mais ou menos assim: Progressão Geométrica é semelhante ao salto de bits das gerações de videogames (8, 16, 32, 64, 128, …). Enquanto a Progressão Aritmética é mais lenta (1, 4, 7, 10, 13 …). O finado professor Pier fala também sobre um problema apresentado quando estava no colégio, sobre colônia de micróbios e sua multiplicação, o que aconteceria se migrassem de uma garrafa (planeta) para outras. Isso faz um paralelo interessante com o livro e o mundo real. Vejamos:

"Dentro de uma garrafa, cheia de um líquido nutritivo, cai um micróbio. O micróbio se alimenta, cresce e se divide em dois. Os dois se alimentam, crescem e, por sua vez, se dividem dando origem a quatro micróbios. Verificamos que o número de micróbios duplica de minuto em minuto. Sabemos que o primeiro micróbio caiu na garrafa à meia-noite e que a garrafa chegou a se encher pela metade de micróbios em quatro horas, ou seja, ela está pela metade às quatro horas da manhã. A que horas ela estará totalmente cheia? E todos nós, trouxas, caímos na armadilha e respondemos quase em coro: Às oito horas. Com muita paciência, o professor nos explicou que, se o número de micróbios duplicava a cada minuto, em apenas mais um minuto a garrafa, que já estava pela metade, iria se encher completamente. A resposta correta, portanto, seria: Às quatro horas e um minuto!".

Conclui o professor Pier que, se a primeira garrafa ficasse cheia e transferíssemos as 2 metades para outras duas garrafas, em mais um minuto, elas ficariam cheias também!

Como se não bastasse, Asimov ainda traz em sua obra questões filosóficas como o conceito de justiça de Aristóteles (dar a cada homem o que é seu), o utilitarismo de Stuart Mill e Jeremy Bentham (que podemos simplificar na frase de Maquiavel “os fins justificam os meios”), sobrando espaço ainda para referências bíblicas, a começar pelo nome do protagonista, Elijah Baley (profeta Elias) e chegando até a passagem da mulher adúltera, prestes a ser apedrejada (“Aquele entre vocês que não tiver nenhum pecado, que atire a primeira pedra”).

O final decepciona apenas em parte, mas não deixa nenhum gosto amargo. O O leitor, provavelmente, terminará o último parágrafo com um sorriso estampado no rosto!

Como dica adicional, deixo a recomendação, para quem tiver apreciado o livro ou se interessar pelo gênero, assistir os 13 episódios da série, infelizmente cancelada, Almost Human. Ela, claramente, traz grandes semelhanças (não por acaso) com As Cavernas de Aço. Conta com Karl Urban no papel do detetive John Kennex, ao lado do robô Dorian. Este último, fazendo sutil homenagem a obra O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, uma vez que, em regra, “robôs não envelhecem” na aparência, exceto o interpretado por Robin Willians que, adivinhe só: também é baseado na obra de Asimov.

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Ficha Técnica:

Título: As Cavernas de Aço

Título original: The caves of steel

Autor: Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira

Edição: 1ª

Editora: Aleph

Ano: 2015

ISBN: 978–85–7657–172–8