Drogas, violência, a aids, dor e afeto em uma biografia não-autorizada

Ao contrário de alguns críticos que analisam a literatura mundial atual como se estivesse passando por uma catarse, podemos ver que o estágio literário tanto da literatura mundial, como da nossa brasileira, está em um de seus momentos mais felizes. Bem, sabemos que temos no atual cenário, diversos títulos que só almejam a vendagem, contudo temos ótimas excessões, escritas com realidade e sentimento, que dantes tanto marcou o momento literário, como por exemplo a do movimento chamado Literatura Periférica ou casos como o livro Elite da tropa, que retratam o cotidiano urbano brasileiro.

O recém-lançado As flores do jardim de minha casa (Terceiro Nome, 224 páginas, R$ 34,00) do jornalista e bom ficcionista Marco Lacerda, é com certeza, um título que esboça um quadro bastante abrangente da vida brasileiro durante o período das décadas de 1960 a 1990, relatando a trajetória de um jornalista deste a infância até o seu aniversário de quarenta anos.

O romance possui ainda um subtítulo – Autobiografia não-autorizada – que faz dele, um exemplar bem interessante, que confunde a realidade com a ficção ou como Daniel Lopes, do site Digestivo Cultural declara: “O melhor remédio para esse jogo, tanto para o leitor como para o resenhista, é tratar o personagem principal do livro como simplesmente o narrador”.

A narrativa se inicia com o personagem se preparando para comemorar o seu aniversário de 40 anos, estava esperando alguns amigos quando algo de terrível acontece, dois bandidos invadem seu apartamento, feito refém, é amarrado à cama. No entanto, naquela situação adversa, o jornalista-narrador reencontra um amigo que há dez anos não via, Benício, um garoto de programa de quem se envolveu, quando morava na capital mineira. Nas infindas quatro horas de tormento, com o perigo de vida a cada minuto, pois tinha uma arma na cabeça, e sentindo o fim próximo reviveu suas lembranças, em um flashback pelas décadas de 1960, quando nasceu até o final do século XX, quando viajou pelo mundo afora como correspondente de vários periódicos e revistas.

Escrito numa linguagem ágil, o livro pondera de forma intensa as relações familiares e a subjugação feminina, a homossexualidade na infância e ao longo da vida do narrador, a Ditadura, a fuga às drogas, a Jovem Guarda, a Tropicália, a casualidade nos casos amorosos, a entrada na carreira jornalística, suas viagens internacionais e a violência da praga da AIDS, que dizima vários amigos e conhecidos seus. E tudo é relatado tendo como fio-condutor o sequestro que o jornalista se ver comprometido.

“Ninguém vai morrer só porque está doente. Todos vamos morrer hoje mesmo ou amanhã, passamos a morrer a cada instante. Só assim, livres da ilusão de que possuímos nossas vidas, podemos viver cada instante. Pena que tenha sido necessária uma epidemia para nos ensinar isso”

Lacerda teve a idéia do livro, após a invasão de seu apartamento por uma dupla de assaltantes, no dia que completava quarenta anos. A circunstância o levaram a rever sua vida e agora reconta com suas linhas maduras em uma ficção primorosa, sua vida.

Suspense e memórias, em um livro que polemiza com assuntos que vemos comumente nos noticiários, como a homofobia e o fascínio que a marginalidade está exercendo na classes média e mais abastadas. As flores do jardim de minha casa é uma viagem pelo tempo, o passado se interagindo com o presente de forma notável, sem linearidade. Marcos Lacerda repete o êxito que teve com Clube dos homens bonitos e Favela High Tech, best seller que logo chegará aos cinemas.

Cadorno Teles
Enviado por Cadorno Teles em 19/10/2007
Reeditado em 22/10/2007
Código do texto: T701385