"O Amor nos Tempos do Cólera" - Uma história de amor. Mas de que amor?

Li "O Amor nos Tempos do Cólera", de Gabriel García Marquez (Ed.: Record), duas vezes - a primeira há uns dez anos e a segunda, recentemente, junto com meu grupo de leitura. Nas duas vezes gostei demais do livro, mas, nessa última, consegui compreendê-lo melhor.

Um pequeno resumo? Trata-se da história de Florentino Ariza, Fermina Daza e Juvenal Urbino. Florentino se apaixona pela trança de Fermina, o romance dura algumas cartas, mas ao conhecer seu admirador, a moça rejeita-o e casa-se com Urbino, com quem vive por quase cinqüenta anos. O amor de Florentino, porém, persiste a vida inteira. No final do livro, Florentino e Fermina se reencontram para resolver a antiga história.

Antes de mais nada, é preciso registrar que trata-se de um excelente livro. Gabriel García Marquez não tem o menor pudor de usar todos os recursos de sedução da língua para nos enredar, nos prender. E os usa com uma maestria! Tem momentos em que o leitor se pergunta como as tantas páginas que ainda restam serão preenchidas, já que a história, em seu principal, já foi contada. E é aí que entra o grande truque de Gabo: ele não tem pressa, ele está se divertindo e consegue fazer com que o leitor se divirta com ele - conta casos, fala de personagens que nem tanta importância têm, cria imagens literárias deslumbrantes ou repugnantes, enfim, deita e rola. Mas tudo isso com um talento...

Quanto à história de amor, para mim, "O Amor nos Tempos do Cólera" é um sofisticado pastiche sobre as grandes histórias de amor. Gabo nos engana desavergonhadamente, propondo contar a história de amor de Fermina e Florentino, quando, na verdade, nos encanta e nos enreda com as comoventes banalidades do amor cotidiano de Fermina e Urbino.

Esperava encontrar em Florentino a bela imagem de um Romeu, mas passei todo o livro tendo que lutar contra o horror que o personagem me causou. Em uma cena, ainda no início do livro, em que Fermina foge dele no mercado, agradeci a Gabo por expressar tão bem meus sentimentos e estava ao lado dela, correndo rápido para bem longe daquele ogro.

Já por Urbino, me apaixonei. Suas manias de velho, sua honestidade, a modernidade de seus pensamentos, a sua elegante rendição a um amor com o qual não contava, mas que soube aproveitar por cada minuto de seu longo casamento, me encantaram.

Me identifiquei com Fermina, mesmo quando a achava passiva, fria ou um tanto cruel. Ela pode não ser a mulher que eu sou hoje, mas trago-a no sangue como um legado de todas as mulheres que foram Fermina até chegar a mim. Porque, mesmo sendo uma mulher do seu tempo, ela também não tinha medo de respirar novos ventos, não tinha medo de experimentar, de conhecer, de aceitar o novo em sua vida com aquela elegância sépia de tempos passados.

Ao final desta segunda leitura confirmei que, para mim a verdadeira história de amor é entre Fermina Daza e o marido, Juvenal Urbino. Não gosto de Florentino Ariza - por mais que ele evolua muito mais para o final do livro. Mas há algo de repugnante nele, de água parada. Por isso, nas útimas páginas, senti uma saudade enorme do velho Juvenal e uma grande angústia por deixar Fermina dentro daquele barco, presa àquela figura repulsiva.

Ana Rodrigues
Enviado por Ana Rodrigues em 17/11/2005
Reeditado em 17/11/2005
Código do texto: T72786