Impressões - O Inspetor Geral

Impressões

O inspetor geral – de Nicolai Gogol

No Teatro Glauce Rocha

Entro no teatro e já estão esperando no palco alguns atores vestidos de seus personagens em luz e ação, olhando para a plateia: a inspetora de escola, o chefe do hospital e o juiz!. Pra mim o personagem não precisa falar nada, quando diz tudo com seu olhar, expressividade viva que tudo comunica. A história russa se passa no século XIX, mas de uma atualidade brasileira cristalina, levantando questões como corrupção, fofoca/intriga/articulação, favores, as varias relações de poder, a má e corrompida gestão pública, paternalismo, mau-caratismo, fraudes, farsas, política, mentiras, omissão e/ou passividade do povo em relação à chafurda de intercorrências. O texto de Nicolai Gogol representa bem a bandalheira brasileira de modo cômico, caricato e irônico até. Cenário, música, iluminação e figurino colorido, representativo. Nada mais oportuno para o momento atual em que vivemos no país. Me dei conta que o “jeitinho brasileiro’ anda mesmo por todo canto do mundo, o mau-caratismo vem a galope no palco cotidiano da vida. A pitada de romance mostra o seu tom hilário não fosse nojento proposto por um viés de puro interesse meio capitalista e muito rasteiro, daquele tipo “onde vou me dar melhor”, a esposa do prefeito da cidade se dando bem e caindo nos braços do inspetor impostor que também se engraça pro lado da filha toda recatada e do lar. Muito verossímil. Ética e moral é o que falta na trama humana permeando os estabelecimentos públicos e grupos sociais – do governo à família. A covardia e o modo ébrio nos espelha no todo. O instinto sobrepuja a razão muitas vezes, e, concomitante a ela os acontecimentos na peça são regados de muita trapalhada, confusão e situações grotescas, daí desembocam em riso solto devido ao tom satírico e ridículo que os personagens encarnam quando aprontam suas pilantragens típicas de uma sociedade sem escrúpulos.

A chegada do inspetor geral causa um alarde na cidade, sendo que este inspetor que chega é um impostor! Anunciado por um casal puxa saco proprietário de terra faz com que a cidade entre em quase colapso temendo que inspeção há de ser feita debaixo dos tapetes e das cortinas de veludo e por entre linhas da papelada das instituições. (Escola, hospitais, tribunais, presídios). O representante da cidade e o povo aceitam o oportunista como fosse o verdadeiro inspetor - sem o saberem, claro. Isso virá uma novela de tropeços e tramoias sem fim. A partir daí a trama carnavalesca discorre apoteótica e até patética e cínica de maneira quase fílmica pelo que eclode da criação teatral rica em plasticidade visual e narrativa. Saio do teatro com a certeza de que me meti em uma furada! Assim é como me sinto no país. Metida em uma grande trapalhada que não acaba mais e é difícil de sair. A peça traz o humor nas coisas absurdas e em cada personagem tem traje cômico o que tem sido trágico há anos.

Nessa peça, o grupo de teatro faz jus ao nome, assumindo o teatro contemporâneo rompendo a barreira publico e atores não só do ponto de vista de interação visual e gestual, mas também nas nossas parecenças e vivências existenciais. O texto é “russo” e o teor é brasileiríssimo!

por Alessandra Espinola

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 01/06/2017
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