OS AUTOS DE ANCHIETA

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Primeira Parte

O Termo Na Literatura

Auto é uma peça de teatro curta comumente em um ato (auto), cujo assunto pode ser religioso ou profano, sério ou cômico. Os autos tinham a finalidade de divertir, de moralizar ou difundir a fé cristã. No Brasil eram apresentados, na maioria das vezes, ao ar livre – em alguns, tinha a selva por cenário; noutros, ao estilo do teatro medieval, nos átrios das pequenas igrejas.

O auto teve sua origem na península Ibérica (Espanha/Portugal) e foi muito utilizado na Idade Média. O mais antigo é o auto de “Los Reyes Magos”, escrito talvez no século XIII. Um dos autos mais famosos é o “Monólogo do Vaqueiro” ou “Auto da Visitação” de Gil Vicente. Foi representado nos aposentos da rainha D. Maria, consorte de Dom Manuel, para celebrar o nascimento do príncipe (o futuro D. João III) - sendo esta representação considerada como o marco de partida da história do teatro português. O auto, no Brasil, foi cultivado pelo Padre José de Anchieta em seu trabalho de catequese. Modernamente, Ariano Suasuna nos deu o já popular “Auto da Compadecida”. O poeta modernista Joaquim Cardozo escreveu um belo auto de Natal, “De uma Noite de Festa”.

“Em ambos é conservado o espírito religioso tradicional, próximo aos originais da Idade Media. Os personagens, no entanto, são popularizados e a tradição folclórica é aproveitada. O trabalho de Joaquim Cardozo é também chamado de “Bumba meu Boi”, da mesma linhagem do auto, um gênero misto de teatro paralitúrgico e profano como os que existiam no final da Idade Média.” (BRASIL, Assis; Vocabulário Técnico de Literatura)

 

O Teatro De Anchieta

Podemos dizer, com toda a certeza, que as primeiras manifestações cênicas no Brasil são obras dos jesuítas. Os escritos catequéticos preservados mostram-nos que: enquanto a população portuguesa composta em sua maioria por aventureiros e criminosos, ocupavam-se da construção de fortificações e da ocupação da costa, os jesuítas se preocupavam em estabelecer contatos e catequizar os indígenas. Os jesuítas recebiam, em sua ordem, ensinamentos de técnicas teatrais, porque a consideravam mais eficazes e fascinantes para a educação religiosa do que, por exemplo, os sermões. Assim sendo, o teatro que fizeram naquela época tinha a intenção pedagógica e moral; destinados à catequização do índio e à edificação do branco em certas cerimônias litúrgicas. E nenhuma outra forma se ajustava mais que os autos aos intuitos catequéticos O auto, então, passou a ser um instrumento precioso para atingir os objetivos pretendidos pelos jesuítas, e por Anchieta: moralizar os costumes dos brancos colonos e catequizar os índios.

Quando Nóbrega incumbiu Anchieta de encenar um auto, o jovem missionário da Companhia de Jesus, o “grande piahy” (supremo pajé branco), como era chamado pelos índios; viu a oportunidade de levar a sua fé e os mandamentos religiosos à uma audiência amena e agradável, diferente da pregação seca e rígida de que os escritos catequéticos davam fé. Some-se a isso que os índios eram sensíveis à dança, à música, e a mistura de personagens que integram a mitologia cristã (diabos, anjos, santos), fatores esses que atuavam sobre o expectador com vigoroso impacto. O índio não era, no entanto, apenas expectador desse teatro, mas também participava dele como ator, dançarino e cantor. Anchieta passou, então, a misturar os costumes, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano indígena aos seus autos educativos, nos quais se juntavam anjos e flores nativas, santos e bichos, demônios e guerreiros, além de figuras alegóricas, como o Temor a Deus e o Amor de Deus.

Não havia qualquer tipo de alusão ao amor profano, e as personagens femininas (geralmente as santas) eram sempre interpretadas por homens travestidos, já que as mulheres eram terminantemente proibidas de participarem das encenações, para se evitar excessos de entusiasmo nos jovens.

Como não existiam locais destinados às representações teatrais, estas aconteciam nas praças, nas ruas e dentro dos colégios e igrejas. Algumas encenações foram feitas nas praias, utilizando a própria natureza como cenário.

A partir de 1557 começa, então, a haver uma incessante atividade teatral, realizadas em datas festivas e ocasiões especiais.

Movidos mais pelo espírito missionário do que pelo desejo de reconhecimento artístico, boa parte dessas obras não era assinada; e pouco cuidado se dedicava à sua conservação. Por isso, o que nos chegou desse período foram oito autos, atribuídos ao padre José de Anchieta.

Quanto à forma, optou Anchieta pelo uso do verso em lugar da prosa. As suas obras, mais caracteristicamente teatrais, revelam-nos que o texto está preso à tradição poética medieval tanto na métrica quanto na temática. Na métrica o uso de redondilhas e na temática a simplicidade narrativa, os milagres dos séculos XIII e XIV, personificação de virtudes e vícios, preocupação didática e moralizante (impregnada de valores católico-medievais). O estilo adotado é inspirado no teatro de Gil Vicente (1465-1537) com o qual Anchieta teve contato ao estudar em Coimbra.

 Além das influências medievais, podemos encontrar ainda aspectos modernos, e de certa maneira inovadores no que diz respeito à estrutura de suas peças. Duas importantes características modernas, podem ser apontadas: a utilização de mais de uma língua em seus autos, e a adaptação de divindades indígenas ao contexto dos santos católicos.

 

O Pluralismo Lingüístico

A Companhia de Jesus impunha aos seus missionários o aprendizado da língua da terra onde estivessem em missão. Assim, em pouco tempo os jesuítas aprendiam as línguas indígenas e ensinavam aos índios o português e o espanhol. De modo que, em alguns textos, cenas são representadas em português, outras em castelhano e ainda muitos diálogos são travados em tupi. Espetáculos que se destinavam apenas aos indígenas utilizavam a sua língua. A alternância de cenas nas três línguas supõe a presença de um público mais familiarizado com as condições da terra “índios que já assimilaram o português e o espanhol e colonizadores que aprenderam o vocabulário tupi”.

Relatos do padre jesuíta Fernão Cardim também confirmam a utilização de mais de uma língua pelo padre José de Anchieta:

Debaixo da ramada se representou pelos índios um diálogo pastoril, em língua brasílica, portuguesa e castelhana, e têm eles muita graça em falar línguas peregrinas, maximé e castelhana. Houve boa música de vozes, frautas, danças, e dali em procissão fomos até a igreja, com várias invenções [...] (CARDIM, Tratados da Terra e Gente do Brasil; 1939, p. 313)

 

Na segunda parte o auto Na Festa de São Lourenço

Na terceira parte Os Demais Autos: Auto da Pregação Universal, Na Festa de São Lourenço, Na Festa De Natal, parta só citar esses.

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Ajudaram na elaboração do texto:

Carlos Mendonça, História do Teatro Brasileiro.

Múcio da Paixão, O Teatro no Brasil.

Sábato Magaldi, Panorama do Teatro Brasileiro.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário.

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