Frankenstein: o inerente conflito morte/vida na eterna busca por uma verdade libertadora

A autora de Frankenstein, Mary Shelley (1797-1851), tornou sua obra um clássico romance da literatura inglesa. Foi uma escritora que viveu numa época em que o ser humano buscava respostas aos seus questionamentos mais secretos. Era um tempo em que as dúvidas pairavam no ar, e o aspecto do “eu” emergia com força total. A sociedade passava por bruscas mudanças. Sendo assim, a arte, mais precisamente, a literatura, também acompanhou esse processo de transformação, o qual recebeu o nome de Romantismo. Conforme Cereja & Magalhães (1999, p. 14),

O Romantismo é a expressão cultural de uma época de transformações e rupturas, de lutas e incertezas e, por isso, nele convivem tendências ou aspectos variados e contraditórios. Contudo, essa riqueza de formas, temas e atitudes foi fonte de pesquisa e informação para movimentos literários subseqüentes, pois na literatura romântica se verificam traços típicos do gosto e da sensibilidade moderna, tais como a espontaneidade e a naturalidade de sentimentos, o interesse pelo mundo concreto, a psicologização do eu, o respeito às tradições populares.

As características, mencionadas acima, são encontradas em Frankenstein, obra que fora idealizada durante um verão em que a escritora e o marido – o poeta Percy Bysshe Shelley – passavam na Suíça. De acordo com Burgess (2005, p. 193),

Foi escrita durante um verão chuvoso na Suíça, enquanto seu marido (o poeta) e Lord Byron se divertiam escrevendo histórias de fantasmas e lhe pediram que ela escrevesse uma também. Ela jamais poderia ter adivinhado que sua história do cientista que cria um homem artificial – pelo qual ele é eventualmente destruído – acrescentaria uma nova palavra à língua, e se tornaria conhecida até mesmo entre os semiletrados (graças principalmente a Hollywood), elevando seu tema da condição de uma humilde ficção a um mito universal.

Publicado pela primeira vez em 1818, esse romance gótico aborda o duelo morte/vida, cujo cenário principal se dá em Genebra e Ingolstadt – sendo a primeira cidade pertencente à Suíça; a segunda, à Alemanha. Conforme Shelley (2004, p. 46), “Ao completar dezessete anos, meus pais decidiram que eu deveria ingressar na Universidade de Ingolstadt. Até então, freqüentava as escolas de Genebra”. Mas, outros locais são mencionados no livro, como Londres e São Petersburgo, “Já estou bem ao norte de Londres. Ao andar pelas ruas de São Petersburgo, sinto uma brisa fria do norte em minha face, que revigora minhas forças e me envolve de prazer”. (p. 21).

Nota-se, ainda, que boa parte dos lugares, onde a narrativa é descrita, ocorrem em ambientes fechados, o que se permite deduzir como uma característica de fuga – causada pelo medo, melancolia, onde tudo à volta conclama o sombrio – observada na era romântica . Essa angústia está enunciada neste trecho, “[...] ferido pelas pedras e toda sorte de objetos, que me arremessavam, fugi para o campo aberto e, cheio de medo, busquei refúgio numa cabana acachapada [...]” (p.102).

Quanto aos acontecimentos, na trama, desenvolvem-se de forma tão complexa como seqüenciada. Inicialmente, tem-se um narrador em primeira pessoa, Robert Walton, que conta a história através de cartas a sua irmã. Assim, pode-se afirmar que se trata de um tempo cronológico, em que datas são mencionadas da primeira à última carta, “São Petersburgo, 11 de dezembro de 17...”. (p. 21).

Depois é a vez de Victor Frankenstein narrar os acontecimentos de sua própria vida. Dessa vez, o narrador, também em primeira pessoa, volta no tempo para dar início aos enfadonhos e trágicos acontecimentos, “Pode perceber, capitão Walton, que sofri inúmeras desgraças. Tinha decidido que a lembrança desses males iria morrer comigo; mas você me cativou a ponto de fazer-me alterar essa determinação [...]”. (p. 33).

Após o que foi dito acima, o primeiro narrador interrompe o relato do segundo e prossegue com sua irmã, “Calcule, Margaret, como fiquei alvoroçado com a promessa da narração do meu hóspede”. (p. 34).

Finalmente, o terceiro narrador – a criatura – que ao encontrar-se com o seu criador, já esperava pela recepção negativa e revoltada. Mesmo diante dessa repulsa, o monstro suplica-lhe atenção ao fato seguinte: “Somente com muita dificuldade me lembro dos primeiros tempos da minha existência. Todos os acontecimentos daquele período estão encobertos pela névoa do tempo, e parecem-me confusos e indistintos”. (p. 99).

Nesse contexto, além de se ter um tempo psicológico, a narrativa é complexa, pois a criatura é mencionada dentro do relato de Victor Frankenstein. Portanto, há três narrativas, uma dentro da outra, a saber: o terceiro narrador é citado pelo segundo, que por sua vez, é mencionado pelo primeiro. Faz-se necessário ressaltar que o terceiro narrador está, igualmente, em primeira pessoa, pois assim como os demais, ele também participa da trama.

E por falar em participações, esse romance apresenta várias personagens, das quais, Victor Frankenstein, aparece como protagonista. Ele é uma personagem complexa porque, durante a narrativa, passa por diversas transformações tanto de ordem física quanto psicológica, “Seus membros estavam quase congelados, o corpo terrivelmente enfraquecido pela fadiga e pelo sofrimento. Jamais vi alguém em tão lastimável estado”. (p. 29).

Mas, nem sempre as coisas foram assim, houve tempos felizes na vida de Victor, como quando relata a Walton sobre a sua convivência com a jovem Elizabeth, “Fomos criados juntos; não chegava a um ano a diferença entre nossas idades. Não preciso dizer que desunião ou disputa eram coisas totalmente inexistentes para nós”.(p. 40).

Contrapondo-se à personagem principal, existe a antagonista – também chamada e anti-herói – ou seja, o monstro, que vive oscilações, tais quais as do Dr. Frankenstein, em outras palavras, trata-se de uma personagem complexa. Apresenta os seguintes caracteres físicos:

Sua pele amarela mal encobria os músculos e artérias da superfície inferior. Os cabelos eram de um negro luzidio e como que empastados. Seus dentes eram de um branco imaculado. E, em contraste com esses detalhes, completavam a expressão horrenda dois olhos aquosos, parecendo diluídos nas grandes órbitas em que se engastavam, a pele apergaminhada e os lábios retos e de um roxo-enegrecido. (SHELLEY, 2004, p. 59).

Um exemplo de criatura feliz – que aponta uma característica psicológica – é percebido neste fragmento, “Ao mesmo tempo que melhorava na fala, aprendi também o que estava nos livros, tal como era ensinado à forasteira, e isso me deu grande satisfação”( p. 113). Outro aspecto narrado pelo gigantesco ser é o quão a literatura é importante para a contínua construção do saber:

O livro pelo qual Félix instruía Safie era As Ruínas ou Meditações sobre as Revoluções dos Impérios, de Volney. As minuciosas explicações que Félix acrescentava, ao lê-lo, ajudaram-me a entender o alcance dessa obra. Ele a escolhera, dissera-o, porque o estilo declamatório era estruturado à maneira dos autores orientais. Pude, assim, assimilar um conhecimento generalizado de história e uma visão dos vários impérios existentes no mundo. (SHELLEY, 2004, p. 113).

A criatura também revela sobre como ela, a literatura, faz vir à tona inúmeras sensações, “[...] o efeito de tais livros. Apresentavam-me uma infinidade de novas imagens e sentimentos que, por vezes, me elevavam ao êxtase, porém, com mais freqüência, me lançavam na mais profunda depressão”. (p. 122).

É necessário dizer, ainda, que a “criação” demonstra sua total indignação por conta do abandono de seu mestre, “Maldito criador! Por que vivi? Por que naquele instante não extingui a centelha de vida que você tão desumanamente me transmitira? Não sei. Talvez porque não tivesse atingido ainda do limites do desespero” (p. 130).

Além das duas personagens, acima destacadas, podem-se citar outras, que atuam na narrativa de forma secundária, são elas: Elizabeth, que fora adotada pela mãe de Victor – Caroline – e mais tarde se tornaria a Srª. Victor Frankenstein, William e Ernest – irmãos de Victor, Henry Clerval, que era o melhor amigo, Justine – babá de William – e o pai do protagonista, Alphonse Frankenstein.

Vale dizer também que, Robert Walton – um homem que queria ir em busca de aventuras através dos gélidos mares do norte – foi uma espécie de intermediário entre Victor e a criatura, para que a narrativa se tornasse conhecida pelo leitor.

No que se refere ao temido gigante, este também teve em sua trajetória momentos imprescindíveis de silencioso convívio com as seguintes personagens: De Lacey – um cego ancião – que era pai de Félix e Aghata. Eles eram uma família de camponeses. Havia também, uma moça árabe – Safie – que fora prometida a Félix pelo pai dessa jovem, caso o rapaz conseguisse libertá-lo da prisão. Só que a promessa era válida até o momento em que o pai dela conseguisse a liberdade.

Os De Lacey foram banidos de seu país e tiveram todos os bens confiscados porque o governo francês descobriu que Félix tinha participação na fuga do condenado. Tal situação é descrita nas linhas seguintes, “A injustiça de seu julgamento era flagrante e toda Paris se indignara [...]. Félix estivera acidentalmente presente ao julgamento. Sua indignação foi incontida quando ouviu a decisão da corte de justiça” (p.117).

As informações dadas nos dois parágrafos anteriores fazem parte da narrativa da criatura, que passou vários meses oculta num abrigo, o qual fazia comunicação com o casebre da família de camponeses. Através de uma fresta imperceptível era possível de se observar não só os movimentos das pessoas da casa, mas também a maneira deles se comunicarem. Isso possibilitou ao monstro as habilidades da fala e da escrita, “Assim passei o inverno. As gentis e belas figuras dos donos da casa levaram-me a gostar deles imensamente. Quando estavam tristes, sentia-me deprimido. Quando estavam contentes, eu era solidário com sua alegria” (p.108).

Mas, a criatura enfrentou momentos de dificuldade, entre eles o medo e rejeição das pessoas devido a sua aparência horripilante. Dessa forma, o gigante se revolta contra o seu criador e, como havia trazido consigo o diário do Dr. Frankenstein, resolve procurá-lo para vingar-se.

A tensão da narrativa aumenta no momento em que o monstro se depara com o garotinho William. A criança, ao ser agarrada, dá um grito estridente. A criatura pede para que o menino se cale, pois não tinha intenção de machucá-lo, queria apenas a companhia de um ser inocente. Mas o garoto continua a gritar que o pai dele, o senhor Frankenstein, vai castigar o hediondo ser. Quando escuta William mencionar o nome “Frankenstein”, o monstro estrangula-o. Dá-se, então, o clímax no enredo.

Como se isso não bastasse, a inteligente criatura, ainda incrimina a pobre Justine – enquanto esta dormia – ao colocar em seu bolso a jóia que o menino usava. Tratava-se do retrato de sua mãe, Caroline Frankenstein. Acusada de roubo seguido de assassinato, a babá é julgada e condenada, sendo por isso, enforcada. Abalado e sentindo-se culpado, Victor adoece e perde a lucidez, conforme este fragmento, “O sono desapareceu de meus olhos. Eu errava como um espírito do mal, pois fora o causador de atos de horror indescritível, convencido, ainda, de que mais, muito mais, estava por vir” (p.87).

O pressentimento de Victor estava certo, aconteceriam outras desgraças. Portanto, seu rancor e idéia fixa pela criatura eram visíveis:

Minha obsessão por esse demônio é difícil de ser descrita. Quando pensava nele, enchia-me de rancor, meus olhos se inflamavam e eu era tomado pelo ímpeto de extinguir a vida que impensadamente lhe dera. Meu anseio de vingança rompia todas as barreiras da moderação ante a evidência de suas maldades e de seus crimes. (SHELLEY, 2004, p. 88).

Torturado, Victor resolve mudar de ares, “Por vezes eu conseguia conter o tumulto de emoções que me avassalava. Mas, por outras, era compelido a procurar no esforço físico, na mudança repentina de ambiente, a fuga de minha desordem interior” (p.90). E é numa dessas crises que ele resolve rumar para os vales alpinos, na tentativa de esquecer suas frustrações em meio ao espetáculo proporcionado por aquele lugar. Todavia, o esquecimento da realidade dura muito pouco, pois o cientista de uma hora para outra se vê frente a frente com a horrenda criatura, “[...] subitamente, a figura de um homem, a alguma distância, avançando em minha direção com uma velocidade sobre-humana” (p.95).

Essa proximidade de criador x criatura instiga, ainda mais, a ira de Victor pelo monstro, “Maldito! – exclamei. – Como ousa aproximar-se de mim? Não teme a vingança do meu braço sobre essa cabeça diabólica? Vá-se, verme asqueroso! Ou, antes, fique, para que eu possa espezinhá-lo, fazendo-o voltar ao pó de onde o tirei” (p. 95).

O gigante implora-lhe que ouça a sua narrativa, antes de ser condenado, “Não basta o que tenho sofrido, e você ainda procura aumentar-me a desgraça?” (p. 96). Também, o monstro dá seqüência à própria desventura, “[...] eu sou sempre irrevogavelmente excluído. No entanto, eu era bom e compreensivo. Foi a desgraça que me converteu em demônio. Devolva-me a felicidade e voltarei a ser virtuoso” (p.96).

Frankenstein aceita ouvir com atenção essa narrativa e acompanha-o até o esconderijo. Após o relato de como tinha sido sua vida – com raríssimos momentos de alegria e muitos de angústia e rejeição – a criatura faz uma exigência a Victor, “Você deve criar para mim uma fêmea, com a qual eu possa viver no decorrer de minha existência. Somente você pode fazê-lo, e exijo-lhe isso como um direito que não me deve recusar”. (p. 138). A princípio a proposta é recusada pelo cientista, que depois acaba aceitando. Contudo, ele é advertido pelo monstro que se não cumprir a promessa, a vingança não tardaria a chegar.

O tempo passa e Victor – na companhia do amigo Clerval – viaja à Inglaterra, a fim de encontrar um local apropriado para iniciar o “trabalho”. Apenas ele e a criatura tinham conhecimento do fato. Depois de visitarem vários lugares, chegam à Escócia, onde Victor propõe ao amigo que este continue a divertir-se sozinho, “É meu desejo ficar em paz e solidão por breve tempo, e espero regressar com o coração mais leve, em condições de ser uma companhia mais amena para você”. (p.155).

Victor vai à procura de um lugar longínquo para realizar a sua “tarefa”, “Atravessei os planaltos setentrionais e fixei-me numa das ilhas mais remotas das Orkneys, cenário dos meus trabalhos. O local me pareceu apropriado” (p.155).

Quando a nova “obra” já está quase pronta, Victor começa a divagar sobre os acontecimentos passados, época em que trazia à vida o monstro e em tudo que acontecera desde então. Voltando ao tempo presente, tenta prever acontecimentos futuros, após dar vida a uma nova criatura, dessa vez numa versão feminina, “Poderia vir a ser muito mais nociva do que seu companheiro, e comprazer-se no crime e na perversidade por pura tendência para o mal” (p. 157). As preocupações do cientista não param por aí,

Se a criatura já existente abominava sua própria deformidade, poderia ver recrudescido seu ódio quando a visse apresentar-se em forma feminina. Ela, por sua vez, poderia vir a ter aversão por ele, inclinando-se pela beleza do homem normal. Nesse caso o abandonaria e o monstro voltaria a ficar só, mais exasperado ainda pelo fato de ser desprezado por alguém de sua própria espécie. (SHELLEY, 2004, p. 157).

De repente, ao erguer os olhos à realidade, Victor detecta a presença do monstro por detrás da janela. Concluíra estar sendo vigiado bem de perto desde o último encontro que tiveram. Diante disso, Frankenstein, num acesso de fúria, destrói aquele ser feminino, “[...] apanhei o que me estava à mão para usar como arma destruidora e fiz em pedaços a estrutura que começava a tomar forma definitiva. Meu ímpeto de raiva era indescritível”. (p. 158).

Horas depois do ocorrido, Victor escuta um barulho na porta e adivinha quem possa ser, “Que pretende fazer? Descumprir sua promessa? Tenho sofrido de tudo. Segui-o quando deixou a Suíça” (p. 159). O cientista brada que não há mais promessa. A criatura, revoltada, jura fazer seu criador mais infeliz do que já é e, antes de afastar-se afirma: “Vou-me; mas lembre-se de que estarei presente à sua noite de núpcias” (p. 160).

Alguns dias são idos quando Victor fica sabendo que seu amigo, Clerval, fora encontrado morto na praia. A suspeita recai sobre Frankenstein, que é acometido de violenta febre, voltando à realidade dois meses depois, tendo sido encarcerado desde então. Ele consegue provar a sua inocência, no entanto, a consciência não o deixa em paz um só instante. Seu pai, Alphonse, o traz de volta à Suíça, onde Victor e Elizabeth marcam a data do casamento a realizar-se no prazo de dez dias.

Na noite de núpcias, conforme prometido pelo monstro, Elizabeth é estrangulada. Victor, completamente fora de si, começa uma implacável perseguição ao assassino de sua esposa. O monstro vai para os gélidos lados do Pólo Norte. O desenlace da narrativa ocorre com a morte de Victor, que estava a bordo do navio de Robert Walton.

Constata-se, que essa história é recheada de conflitos, como, por exemplo, o preconceito racial e a exclusão social, ambos os casos sofridos pela criatura. Destaca-se, também, o preconceito religioso do turco com relação a Félix, “Ele abominava a idéia de sua filha unir-se a um cristão” (p.119). Percebe-se, ainda, a hipocrisia desse turco em simular ter aceitado a união do jovem casal para o seu proveito, “O turco articulou, assim, mil maneiras de prolongar a simulação enquanto fosse necessário e, no momento exato, levar a filha consigo, em segredo, quando partisse” (p.119).

A ingratidão é outro referencial que se faz presente, “Ao saber que Félix fora destituído de sua posição e fortuna, o mercador ordenou à filha que não pensasse mais no namorado e se preparasse para voltar com ele ao seu país de origem” (p.120).

Todavia, o principal fator registrado aqui é o embate morte/vida presente do início ao fim da narrativa:

Posso então, Margaret, perder esse ser admirável? Eu tenho ansiado por sua amizade. Tenho buscado um verdadeiro amigo. Veja: nestes mares desertos encontrei-o, mas receio que apenas para saber de sua valia e depois perdê-lo. Como desejaria reconciliá-lo com a vida! Mas ele repele a idéia. (SHELLEY, 2004, p. 197).

De fato, a morte para o Dr. Frankenstein representava a liberdade, o fim de um longo e penoso sofrimento. O mesmo dilema pode ser observado neste trecho, “Se me faltassem entusiasmo e obstinação, esse novo intento seria penoso e quase intolerável, visto que, para examinarmos as causas da vida, devemos começar pela morte” (p.54).

Com o monstro a situação não foi diferente, ele teve seu próprio pensar sobre a dicotomia morte/vida e a sociedade daquela época, “Diante de tanta incompreensão e injustiça, tangido pela revolta, assassinei criaturas inocentes, que nem mesmo sabiam da minha existência” (p.205).

Ao se pensar na época atual – a pós-modernidade – pode-se afirmar que o homem pós-moderno é tão fragmentado quanto as personagens desse romance, escrito no século XIX. Afinal, o ser humano encontra-se num mundo informatizado, no qual não há mais fronteiras entre as esferas do planeta. Há, ainda, o espetacular avanço da medicina, pelo qual é cada vez maior o número de doenças que estão sendo vencidas, seja por intermédio de vacinas, seja outro tipo de medicação.

Entretanto, no que diz respeito ao conflito morte/vida, a ciência ainda não possui uma posição definida sobre o que acontece depois que alguém morre. É por isso que se diz que o indivíduo é um ser fragmentado, pois constantemente vive catando pedacinhos da verdade para construir uma resposta plausível aos seus mais íntimos questionamentos.

Por essa razão, a sociedade do século XXI não está muito diferente daquela do século XIX. O egoísmo, a falsidade e, principalmente, a ingratidão estão igualmente presentes. Por exemplo, amigos são amigos quando levam certo tipo de vantagem, caso contrário, são os primeiros a mudar de lado, ou seja, ir para uma direção contrária, na qual não seja necessário haver qualquer tipo de comprometimento com a verdade.

Não obstante, o ser humano – comprometido com seu semelhante – jamais sucumbirá ante a tais injustiças, porque ele realmente sabe que, primeiro, é necessário travar um duelo com a morte para depois encontrar uma verdade que liberta: a vida sendo bem vivida.

Analise literária do livro "Frankenstein".

Referência:

SHELLEY, Mary. Frankenstein. São Paulo: Martin Claret, 2004.