Estrofes 37-40, canto V. “Os Lusíadas” de Luiz Vaz de Camões.

No canto V, após ter passado por Melinde, no Oceano Índico, Vasco da Gama narra a viagem ao Canal de Moçambique, e em seguida a passagem pelo Cabo das Tormentas, simbolizado pelo Gigante Adamastor. É uma parte da viagem repleta de acontecimentos causados por fenômenos naturais como as trombas marítimas, ou por doenças como o escorbuto, típica da região onde se localiza Luanda, capital de Angola. (Escorbuto: doença provocada pela falta de vitamina C, que causa inchaço e hemorragias internas e externas, as gengivas apodrecem, e os doentes morrem em pouco tempo).

Estas estrofes fazem a introdução a uma nova etapa da viagem, em que os portugueses terão de vencer os medos, vindos das superstições medievais sobre monstros e abismos, que diziam existir entre o mar Índico e Atlântico e da expressão de temas constantes da lírica de Camões: A do amor impossível e a do amante rejeitado.

O Gigante Adamastor simboliza esta passagem. Ele era um dos gigantes filhos da terra, que se apaixonou pela nereida Tétis, filha de Nereu e Dóris, e neta de Tétis, a deusa da terra e do mar. O gigante tenta tomá-la à força, o que provocou a ira de Júpiter, que o transformou no Cabo das Tormentas, personificado por uma figura monstruosa nos confins do Atlântico. ( Tétis era considerada a mais bela ninfa do mar, era desejada por Zeus e Poseidon. No entanto, existia uma profecia de que se ela se casasse com um deus, daria à luz a um filho mais poderoso do que seu próprio pai. Então Zeus desistiu de desposá-la, e ela foi desposada pelo seu neto Peleu. Tétis era mãe de Aquiles, semideus, que desencadearia a Guerra de Tróia).

O 1º Verso, da estrofe 37: “Porém já cinco Sóis eram passados...” representa um verso decassílabo, mas está sujeito a diversas pausas musicais, que podem criar três cadências distintas: “Porém/ já cinco sóis/ eram passa/ dos.” Estas cadências criam algo como um balanço ou uma ondulação musical na pronúncia do verso, que constituem o ritmo. A sonoridade desse verso se perde, se o acento em “sóis” for deslocado: “Cinco sóis/ porém/ passados já eram.” Ainda com o mesmo número de “pés”, perde-se a sonoridade, o efeito musical do ritmo e se torna embaraçoso e sem razão de ser. (Gramática poética, por Myriam Peres).

Figura, também, a rapidez e calmaria da viagem até então. Cinco sóis, cinco dias, e a entrada no ponto forte da epopéia, que conjuga as dificuldades do mar, a narrativa das profecias, a história de amor que enredará a narrativa da ilha dos amores, a tragédia, o amor e a morte e a vitória do homem sobre os elementos naturais constituídos de água, fogo, terra e ar.

Na estrofe 38, inicia-se a conversa entre Vasco da Gama e o Gigante Adamastor. Vasco da Gama exclama: “Ó Potestade”, e passa a reclamar da tormenta que ele causara. Na estrofe 39, ele compara o Gigante a um terrível demônio, pela sua estatura grande e disforme, pelo seu rosto carregado de ira e maldade, de cor da terra e pálido, e pelos cabelos crespos, olhos arregalados, boca negra e dentes amarelados. Nesta parte, ficam claras as características da descrição que preenchem quase toda a estrofe. Exceto pelos dois primeiros versos desta estrofe, que são de caráter narrativo:

“Não acabava, quando uma figura

Se nos mostra no ar, robusta e válida,”

Na estrofe 39, Vasco da Gama compara o Gigante a Rodes, a estátua do deus grego do Sol, que tinha trinta metros de altura, pesava setenta toneladas e era feita de bronze. Como a estátua ficava com os pés apoiados em cada margem do canal que dava entrada à ilha grega de Rodes, nenhuma embarcação no mar egeu entraria sem passar embaixo das pernas da estátua, considerada a protetora do lugar. Vasco da Gama compara o Gigante ao “segundo de Rodes”, ou tão estranho colosso quanto o era a estátua considerada um dos milagres do mundo.

Na Música “Os argonautas” de Caetano Veloso, ele lembra os versos de Camões e as palavras de Fernando Pessoa:

“O Barco!

Meu coração não aguenta

Tanta tormenta, alegria

Meu coração não contenta

O dia, o marco, meu coração

O porto, não!...

Navegar é preciso

Viver não é preciso...(2x)”

Navegar, a meu ver, assume aqui um significado conotativo. Em outras palavras, diz que viver é navegar. Navegar significa viver intensamente, porque navegar é mover-se, enfrentar desafios, sentir medo, alegria, conquistar a glória, e amar. No entanto, viver por viver, não é preciso. Viver sem o sentido de navegar perde toda a essência de vida, e, portanto, o ser está morto para tudo que a vida os reserva. Navegar compara a vida a uma epopéia, longa, em que o seu valor está na conquista e na realização de fatos heroicos.