O CONTO E SUA ESTRUTURA TRADICIONAL

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Estudos Literários

 

01. Espaço

• O Espaço deve ser reduzido, no geral, uma sala, ou mesmo um quarto de dormir, basta para que se organize o enredo. No máximo, uma casa, uma rua. Um deslocamento maior, o que seria muito raro, de duas uma: ou a narrativa procura abandonar sua condição de conto, ou advém da necessidade imposta pelo conflito que lhe serve de base. Portanto, a ação gera o espaço. Para exemplificar, tomemos A Missa do Galo, de Machado de Assis. Tudo se passa na sala da frente daquela casa assobradada da Rua do Senado. Ali o drama começa e termina.

02. Tempo

• O Tempo fica restrito a um pequeno lapso; horas e, quando muito, dias. Não interessa ao conto o passado ou o futuro das personagens. Se o contista dilata esse tempo para semanas, meses etc., parte dele ficará sem carga dramática; ou se trata de um tempo referido: “passaram-se semanas...”. Esse longo tempo referido aparece, assim, na forma de síntese dramática. Em a Missa do Galo, não há antecedentes temporais; podemos imaginar que tudo ocorra mais ou menos entre as vinte e três horas e meia-noite, pela seguinte frase do protagonista: “Ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso”.

03. Foco Narrativo

• Já vimos que o conto é essencialmente objetivo e, por isso, costuma ser narrado na terceira pessoa em uma dessas situações:

a) O escritor, como observador, conta a história.

b) O escritor, como observador analítico ou onisciente (sabedor de tudo), conta história.

Observação: Todavia, a primeira pessoa também pode ser empregada da seguinte maneira: A personagem principal conta a história; ou uma personagem secundária conta a história da personagem central.

04. Personagens

• Levando em consideração, as características de tempo e lugar, o conto só pode estabelecer-se com um reduzido número de personagens, normalmente duas ou três. Quaisquer outras irão desempenhar funções secundárias (de ambiente ou cenário social). As personagens centrais não exibem complexidade de caráter, isto é, são previsíveis em suas atitudes, pois a brevidade do conto não lhe dá tempo suficiente para mostrar uma faceta imprevisível. Só não parece possível o conto com uma única personagem; em todo caso, se apenas uma aparece, outra figura deve estar atuando ou vir a atuar, direta ou indiretamente, para que se estabeleça o conflito que gera a história.

• Serve de exemplo, O Ladrão, de Graciliano Ramos. No conto, o protagonista penetra na calada da noite, em uma casa para roubá-la. Inexperiente e dominado pelo medo, perde-se pela casa e tarda para chegar ao quarto de dormir onde estão guardadas as jóias que pretende roubar. Depois de muita indecisão, chega a seu destino. Mas diante da bela jovem que dormia placidamente, fica desconcertado. Que fazer? As jóias? O amor? Decide beijá-la, mas o alarme é dado e ele é preso. Vê-se que o protagonista permanece sozinho, e nesse período de tempo não há um drama, um conflito. É quando a figura da moça lhe aparece que o drama surge e completa-se somente no momento em que decide beijá-la. Portanto, dois protagonistas. Dá-se o nome a esse truque narrativo de epílogo enigmático.

05. O Diálogo

• A linguagem deve também ser objetiva e utilizar metáforas simples e de imediata compreensão para o leitor. Deve-se evitar uma quantidade excessiva de palavras e fluências, principalmente, para dizer coisas de pouca importância, ou de pouco conteúdo. O conto prefere a concisão na linguagem. Quanto ao discurso, deve ser, tanto quanto possível, dialogado. Como os conflitos residem nas falas das personagens (proferidas ou pensadas e não no resto); sem diálogo não há discórdia, desavença ou mal-entendido, e sem isso não há conflito, não há ação.

• O conto tem preferência pelo diálogo direto porque põe o leitor diante dos fatos, como participante direto e interessado. A comunicação entre o leitor e a narrativa é instantânea. O indireto aparece menos, e assim mesmo, só nos casos em que não vale a pena transcrevê-los diretamente.

06. O Epílogo

• O epílogo corresponde, geralmente, ao clímax da história que, via de regra, deve ser enigmático, imprevisível e abruptamente revelado para surpreender o leitor. Contudo, segundo os estudiosos, o cuidado do contista deve estar mais no inicio da narrativa - das primeiras linhas depende o futuro do conto - do que em terminá-lo. Pois, se o leitor se deixa prender desde o começo irá, por certo, até o fim. Caso contrário, desistirá. De qualquer maneira, as primeiras linhas seduzem e atraem o leitor e o epílogo contém a chama que lhe dá o êxtase.

• Um bom exemplo da objetividade do conto, da introdução encostada no epílogo, nos dá o escritor americano Willian Saroyan (apontado como um dos contistas revolucionários do século XX), pela autoria deste conto em apenas algumas palavras:

O padre voltou-se para o homem que o apunhalara nas costas, examinou-lhe cuidadosamente a cara e, morrendo disse:

— Por que me matas? Nunca te fiz nenhum favor’?

• Este conto de Willian é também um bom exemplo do conto contemporâneo, que vem substituindo a estrutura clássica, rígida, pela construção de um texto mais curto ainda, com o objetivo de conduzir o leitor para além das linhas, para além do dito, para a descoberta de um sentido nas entrelinhas, o não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos e a exploração de um tempo interior, psicológico. ®Sérgio.

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Ajudaram na elaboração deste texto: Luzia de Maria Reis, O que é o conto.

Assis Brasil - O Romance, A Poesia, O Conto, A Crítica - A Nova Literatura.

Massaud Moisés - A Criação Literária.

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