Analisando os Contos de Fadas com um olhar Psicanalítico

Analisando os Contos de Fadas com um olhar Psicanalítico

Os Contos de Fadas colocam a criança num tempo indeterminado ao começar com “Era uma vez...” proporcionando um espaço para sua imaginação, excluindo toda possibilidade daquela história ter acontecido. Outro fator dos contos é a metáfora, ela trabalha de forma indireta o conflito utilizando-se do enredo e personagens. “É ouvindo história que se pode sentir emoções importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o pavor, a insegurança, a tranquilidade, e tantas outras mais, e viver profundamente o que as narrativas provocam.” (ABRAMOVICH,2009, p.17)

Os contos diferentemente de outras narrativas possuem características que auxiliam as crianças a identificarem seus conflitos, ao trazer histórias que possuem personagens sem muitos detalhes. ”Quanto mais simples e direta é uma personagem boa, tanto mais fácil para a criança identificar-se com ela e rejeitar a outra má.” (BETTELHEIM, 2007, p.17) Os conflitos existenciais como separação e morte são trabalhados de forma categórica.

Ao colocar os personagens em algumas situações, leva a criança a percorrer e achar junto com eles (personagens) uma resposta para seus conflitos. Num processo vivido através das fantasias, do imaginário, que com a intervenção dos personagens fantásticos como: bruxas, duendes, fadas, animais falantes, os Contos de Fadas trazem um significado mais profundo, diz Bettelheim (2007) ao afirmar que:

[...] essas histórias têm tanto êxito no enriquecimento da vida interior da criança, mas me dei conta de que esses contos, num sentido bem mais profundo do que qualquer outro material de leitura, começam no ponto em que a criança efetivamente se acha em seu ser psicológico e emocional. Falam de suas graves pressões interiores de um modo que ela inconsciente compreende e, sem menosprezar as lutas íntimas mais sérias que o crescimento pressupõe, oferecem exemplos tanto de soluções temporais quanto permanentes para dificuldades prementes. (BETTELHEIM, 2007,p.13).

Ao expressar em palavras e ações os contos de fadas falam das coisas que se passam nas mentes infantis. No conto de “João e Maria” os irmãos são abandonados no meio da floresta por seus pais, por alegarem não ter mais condição para sustentá-los. Os irmãos ficam assustados e com medo. Ao ler esse conto para a criança, oferece a ela segurança no que diz respeito a esses medos vividos no dia a dia, pois, os irmãos saem vitoriosos no final da história. Bettelheim (2007) afirma que:

[...] ao discutir “João e Maria”, o empenho da criança se agarrar aos pais [...] a angustia de separação - o medo de ser abandonado – e o medo de passar fome, incluindo a voracidade oral, não estão restritos a um período particular de desenvolvimento. Tais medos ocorrem em todas as idades no inconsciente; e, assim sendo, esse conto também tem significado e oferece encorajamento a crianças mais velhas. (BETTELHEIM,2007,p. 24)

À medida que a criança vai se desenvolvendo, tanto fisicamente como cognitivamente ela deve entender o que está acontecendo no seu consciente e inconsciente, pois, os contos de fadas tem um valor importantíssimo ao oferecer novas descobertas na imaginação da criança, o que por si só seria incapaz de descobrir de forma tão verdadeira. Portanto, os contos são importantes para cada etapa da vida da criança, não apenas por serem atraentes e divertidos, mas, também por contribuírem para o desenvolvimento de suas habilidades e conflitos na sua vida adulta. Bettelheim (2007) afirma que:

Muitos jovens que hoje repentinamente buscam fuga em sonhos induzidos por drogas, tornam-se discípulos de algum guru, acreditam em astrologia, envolvem-se na prática de “magia negra”, ou que de alguma outra maneira fogem da realidade em devaneios sobre experiências mágicas que deverão mudar suas vidas para melhor, foram prematuramente pressionados a encarar a realidade de uma forma adulta. [...](BETTELHEIM 2007,p.74)

Os contos de fadas direcionam a criança para descoberta de sua vocação e identidade. Auxilia, ainda mais, a desenvolver o seu caráter, portanto, a fase mágica da criança que começa aos quatro anos onde sua imaginação torna-se criadora, não deve ser perdida ou desperdiçada para evitar transtornos e problemas futuros. Um detalhe importante é quando a criança pede para repetir determinada história, provavelmente ela está lidando com aquela situação, enquanto não resolver ela pedirá para repetir tantas vezes for preciso até encontrar um final feliz para sua situação como na história.

O adulto, no entanto, não deve ficar procurando uma história adequada para a criança, mas ela mesma é capaz de encontrar uma história adequada para seu conflito até porque a criança encontra significados diferentes de uma mesma história e quando um adulto traz o significado da história para a criança “destrói, além de tudo, o encantamento da história, que depende em grau considerável, de a criança não saber absolutamente por que está maravilhada.” (BETTELHEIM, 2007, p.28) Ao crescer encontra segurança em si mesma por ter resolvido o problema sozinha e não porque alguém veio e explicou-lhe como resolver aquela situação.

No entanto, contar a história para criança torna-se um fator importantíssimo para sua formação, aprendizagem, descoberta e compreensão do mundo. Diz Bettelheim (2007) que: “lê sozinha a criança pensa que apenas algum estranho – a pessoa que escreveu a história ou organizou o livro – aprova que se sobrepuje...” (BETTELHEIM,2007,p.39) ao lê sozinha a criança interpreta que somente entenderá a história quem a escreveu, por isso, é essencial contar a história para ela.

Em “Branca de Neve” que conta a historia de um rei e uma rainha onde viviam com sua filha Branca de Neve e que um dia a rainha ficou muito doente e morreu, o rei sentindo-se muito sozinho casa-se novamente e Branca de Neve ganha uma madrasta muito má. Analisando esta história com um olhar psicanalítico (BETTELHEIM, 2007) A mãe boa de Branca de Neve e a madrasta são a mesma pessoa. Quando a menina começa a crescer e a mãe começa a brigar com essa criança, na cabeça dela (criança) essa pessoa que está brigando não é a mãe verdadeira, mas, sim uma impostora, a madrasta má que ela ouviu no conto de fadas da Branca de Neve. O Conto de fadas nesse momento é de suma importância, não permitindo a criança sentir raiva da sua mãe, mas ele faz com que a criança transmita essa raiva para a madrasta má e ela (criança) continue amando sua mãe normalmente, pois, aquela impostora irá embora, e a mãe boa e amável voltará para o seu lugar. Bettelheim (2007) em seu livro afirma que:

[...] Assim, a divisão, característica dos contos de fadas, da mãe entre uma mãe boa (normalmente morta) e uma madrasta má é bastante apropriada para criança. Não só é um meio de preservar uma mãe interior toda bondade quando a mãe verdadeira não o é, como também permite que se sinta raiva dessa “madrasta” má sem comprometer a boa vontade da mãe verdadeira, que é vista como uma pessoa diferente.Assim, o conto de fadas sugere como a criança pode lidar com os sentimentos contraditórios que, de outro modo, a esmagariam nesse estágio em que a habilidade para integrar emoções contraditórias está apenas começando.

(BETTELHEIM, 2007, p.100)

Outro Conto de Fadas é “Os Três Porquinhos” muito prestigiado pelas crianças. A história de três porquinhos que constroem suas casas de palha, madeira e tijolo para se esconderem do lobo mau, que por fim acaba com a cauda toda queimada. Analisando com um olhar psicanalítico esta historia (BETTELHEIM, 2007), orienta a criança a não ser preguiçosa, a trabalhar e a planejar, e ser vitoriosa. Nesta história a criança pode se identificar com os três porquinhos, pois, ela irá passar por essas fases até amadurecer como o terceiro porquinho.

O primeiro porquinho ainda está no princípio do prazer, quer acabar logo para poder brincar; o segundo demonstra um pouco de amadurecimento ao construir sua casa um pouco mais resistente, mas, o terceiro porquinho já amadurecido consegue adiar seu desejo de brincar e pensar no futuro. “Interiormente, as ações dos porquinhos mostram o progresso da personalidade dominada pelo id para personalidade influenciada pelo superego, mas essencialmente controlada pelo ego.” (BETTELHEIM, 2007, p.60) A criança que é convidada a se identificar com os personagens, vê que o lobo representa todos os poderes antissociais, por ser um animal ruim e desejar destruir tudo e todos. O conto, no entanto, mostra como ela pode lidar com a situação de forma construtiva. Essa história é muito apreciada pelas crianças, além do soprar do lobo que as deixam fascinadas, entretanto, o personagem recebe o que merece no final da história por ser tão mau. Nas palavras de Bettelheim (2007) ao afirmar que:

“Os Três Porquinhos” orienta a reflexão da criança sobre o seu próprio desenvolvimento sem nunca dizer como este deveria se dar, permitindo-lhe extrair suas próprias conclusões. Somente esse processo provê um verdadeiro amadurecimento, enquanto o que dizer para criança o que deve fazer apenas substitui o cativeiro de sua própria imaturidade pelo cativeiro da obediência aos ditames dos adultos. (BETTELHEIM, 2007, p.65)

Os contos de fadas trazem esperanças, expectativas, promete um tipo de triunfo que a criança almeja ao terminar suas histórias com “e viveram felizes para sempre”.

Contar, ler história é muito bom, mas, saber o que ela proporciona na vida da criança é ainda melhor. A leitura não é só uma diversão, mas um instrumento importantíssimo para vida adulta da criança.

Leiam, contem muitas e muitas histórias para as crianças...

BEIJOCAS!!! Maria Cecília Caldas

Referências

ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5 ed.São Paulo: Scipione, 2009.

ANDERSEN, H. C.. O Patinho Feio. 4 ed. São Paulo: Melhoramentos, 2010.

BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

COELHO, B. Contar Histórias: Uma Arte Sem Idade. São Paulo: Ática, 2000.

DISNEY FÁBULAS: História para Ler com a Família [ tradução e adaptação de Teresinha Martino e Marco Antônio Garcia]. São Paulo: Melhoramento, 2006.

SOUZA, R. C. de; BORGES, M. F. S. T.. A práxis na formação de educadores infantis. Rio de Janeiro: DP& A, 2002.

ZIBERMAN, R. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2003.

PERROTI, E. Um espaço de liberdade, imaginação e aventuras. Revista Pátio. São Paulo, ano 8, n. 24, p. 16-19, julho/ setembro 2010.

Maria Cecília Caldas
Enviado por Maria Cecília Caldas em 01/09/2012
Código do texto: T3860790
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