Análise do Poema “O QUE HÁ” de Álvaro de Campos, Heterônimo de Fernando Pessoa

O QUE HÁ em mim é sobretudo cansaço –

Não disto nem daquilo,

Nem se quer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo.

Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém.

Essas coisas todas –

Essas e o que falta nelas eternamente – :

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvidas quem ame o infinito,

Há sem dúvidas quem deseje o impossível,

Há sem dúvidas quem não queira nada –

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço...

Álvaro de Campos

(09-10-1934)

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O poema “O QUE HÁ” do heterônimo de Fernando Pessoa mais representativo do Modernismo português, Álvaro de Campos, desde a estética, do ponto de vista visual, apresenta versos livres, uma desigualdade de versos por estrofe e as rimas externas (quando existem) não obedecem a uma cadência rimática estruturada em todo texto. Além disso, conforme o conteúdo semântico, o “eu-lírico” mostra-se cansado diante da realidade em que vive.

Esse cansaço se fará presente em todo o poema (através das constantes repetições – característica da linguagem popular que o Modernismo também se apropria), pois o “eu-lírico” encontra-se apático com o que está ao seu redor, como se estivesse entrando em um tédio. Porém, ele não se sente entediado por causa disto ou daquilo, nem porque não fez nada ou por tudo (antíteses – de acordo com o 2º e o 3º versos da 1ª estrofe); apenas está cansado, no sentido literal.

Contraditoriamente a idéia exposta na primeira estrofe, o “eu-poético” alega que “[...] A subtileza das sensações inúteis, / As paixões violentas por coisa nenhuma, / Os amores intensos por o suposto em alguém. /Essas coisas todas – / Essas e o que falta nelas eternamente [...]” são a causa desse cansaço. No entanto, essa apatia é vista apenas nesse “eu” que fala; pois, para outras pessoas, “[...] Há sem dúvidas quem ame o infinito, / Há sem dúvidas quem deseje o impossível, /Há sem dúvidas quem não queira nada [...]” (anáforas), uma vez que existem seres humanos que acreditam em algum ponto de apoio para não entrarem nessa estafa que o “eu-lírico” apresenta.

O “eu-poético”, no entanto, libera as emoções (através de anáforas, hipérboles e antíteses) ao dizer: “[...] Porque eu amo infinitamente o finito, / Porque eu desejo impossivelmente o possível, / Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, / Ou até se não puder ser... [...]”; e diferentemente dos outros que acreditam nos sonhos, ainda que não realizados, ele almeja tudo isso e mais um pouco.

O resultado disso, conforme a 4ª estrofe, é que para as outras pessoas há algo que as fazem viver, sonhar e buscar de forma equilibrada (“[...] a média entre tudo e nada [...]” – antítese). Para o “eu-poético”, em contrapartida, por não ser compreendido e não atingir seus desejos, deságua-se em um hiperbólico cansaço (“[...]Um supremíssimo cansaço/ Íssimo, íssimo, íssimo, / Cansaço...[...]”).

Em relação à musicalidade interna do poema, há alguns elementos que ajudam a dar sonoridade ao poema como um todo, como a assonância em [a] e aliteração em [s] que formam um eco (“[...] Essas coisas todas [...]”), as repetições de palavras ou de expressões no início de cada verso – anáforas (já mostrados acima), o eco provocado pela repetição do “[...] Íssimo, íssimo, íssimo[...]”, a forte nasalização na 1ª e 3ª estrofes (“mim”, “não”, “nem” “assim”, “sem”, “quem”, “infinitamente”, etc.). Além disso, a própria palavra cansaço que, enfadonhamente repetida, causa no leitor a mesma sensação do “eu-lírico”, a de estar cansado.

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Conclusão

Ao observar o poema como um todo, percebe-se a aproximação do “eu-lírico” e a segunda fase do próprio Álvaro de Campos ao exaltar o tédio/ cansaço do homem moderno. Além disso, por ser o mais Modernista dos heterônimos de Fernando Pessoa, apresenta características como a utilização de versos livres e soltos, a distinção de versos por estrofe e a aproximação da linguagem oral através do uso de repetições.

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Referência

PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2003.