OLHAI TODOS OS LÍRIOS...

ÉRICO era o pai do menino LUÍS FERNANDO; agora, este é... o filho do saudoso pai. Absolutamente, não é a mesma coisa!

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Escritor ÉRICO VERÍSSIMO - Ele se dizia ‘um contador de histórias’. Contos iniciais reunidos em 1932 sob o titulo de “Fantoches”. Realismo social nos recentes romances anteriores “Caminhos cruzados”, Música ao longe” (Prêmio Machado de Assis) e “Um lugar ao sol” Para ÉRICO, dois caminhos: decadência do patriarcado rural do Sul X formação de burguesia urbana. Muito bom narrar o romance urbano brasileiro, diminuindo em parte o puro regionalismo. Neste livro, de 1938, mais vez cenário de Porto Alegre, décadas de 30/40, século XX, em fotografia objetiva, possível, da realidade social. --- A trilogia “O tempo e o vento” será outra ‘estória’... narrativa da saga de uma família, desde o século XVIII até o século XX, ciclo histórico iniciado em pelo autor em 1949: embora rudes, Ana Terra e o Capitão Rodrigo são personagens instintivos, primitivos e de envolvente força lírica e poética.) . --- Nos States, lecionou literatura brasileira e dirigiu um departamento cultural da OEA.

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO (1938), ficção do cotidiano, primeiro grande sucesso do escritor gaúcho:

1-CONTRASTES

Personagens principais: EUGÊNIO FONTES, descrença e desmedida necessidade de ascensão social X OLÍVIA, fé e amor sem dimensão: “Só a vida ensina a viver (...) ver (...) o que a vida tem de mau e de sórdido (...) depois descobrir o que ela tem de belo e de bom, de profundamente bom.”

2-INTRIGA (sequência dos fatos)

ELE - infância pobre, experiências humilhantes; adulto pessimista-infeliz-complexado; odiava pobreza em geral, sacrifício para formar-se médico, mas se sente incapacitado para exercer a profissão. / ELA - colega de trabalho, teria sido (foi!) o amor de sua vida. No dia da formatura, reconhece nela a grande sensibilidade, serenidade e senso de espírito. --- Contudo, casa-se com EUNICE, rica-fútil-vazia apenas por ‘status’, abandona a medicina, continua deslocado e inútil... --- OLÍVIA embarca para a cidade de Nova Itália, no interior do Estado, para cuidar dos pobres, e ali nasce a filha de EUGÊNIO que ele ignora. ---- Três anos depois, eles se reencontram e ele quer se separar da mulher; OLÍVIA morre e só resta a ele a criança. Anima-se e dedica-se à medicina, agora com no ideais, recordando a filosofia da amada: “Olhai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e no entanto nem Salomão com toda sua glória se cobriu como um deles.”

3-AÇÃO DO ROMANCE em duas partes distintas, isto é, dois planos narrativos - presente e passado:

a---antes (tempo com ELA)

b---depois da morte de Olívia (tempo sem ELA)

CARTAS - Intercaladas na narrativa as cartas de OLÍVIA e as reflexões de EUGÊNIO (eternas crises existenciais):

“Quando aprendi a te conhecer, vi em ti uma criatura que amava a vida mas não a vivia integralmente, um ser que possuía grandes qualidades humanas mas que não era ainda humano. (...) teus olhos se habituaram a olhar a vida com desconfiança e quase rancor.”

4-A narrativa do casal frequentemente sofre ‘cortes’ para apresentação também de personagens secundários .

ELA - achava-se feia, mas mostrava não sofrer, não odiar o mundo, nem se fazer de vítima - simples-honesta-genuína.

ELE - mania ou pressentimento de infelicidade, bloqueados pelo desejo de conforto, ânsia de sucesso, e ser alguém “com nome”...

DR. SEIXAS - amigo de Eugênio e médico dos pobres.

HANS FALK - o bom tipo alemão da caricatura; cachimbo + salsicha + cerveja; vera de Munique para o Brasil aos 25 anos; 55 agora.

SIMÃO - não ortodoxo: judeu rompido com a tradição

5-AMBIENTE SOCIAL - descrição ajuda leitor a compreender a origem dos problemas psicológicos dos personagens.

6-TEMPO cronológico marcado nos tempos verbais

SINCRONIA - início da narrativa, o ‘agora’ - trajeto de automóvel da chácara è cidade, curto lapso das seis da tarde às nove da noite, “em menos de três horas”

---Verbos no presente do indicativo

Capítulo 1 - “O auto pôs-se em movimento, passa o grande portão da chácara e ganha a estrada real. / Eugênio cerra os olhos.”

Cap. 2 - Os minutos passavam. O auto desliza em grande velocidade... (...) Eugênio tira o chapéu, passa a mãos pelos cabelos.”

(omissão de algumas amostragens...)

Cap. 10 - “A cidade cresce para ele, começam os subúrbios. / Olha o relógio.”

DIACRONIA - vida de EUGÊNIO e de OLÍVIA até aquele momento: relato do passado

---verbos no pretérito

Cap. 2 - “Foi no pátio da escola (...) Soou a sineta. Terminara o recreio. (...) Eugênio caminhava acossado pela gritaria.

Cap. 3 - “Era setembro.”

Cap. 5 - “Terminara a cerimônia da entrega dos diplomas.”

SINCRONIA novamente - após a morte de OLÍVIA, de mãos dadas com a filha, caminha na direção do horizonte (=Chaplin).

DIACRONIA novamente - as cartas de OLÍVIA, lidas após sua morte.

DIACRONIA/SINCRONIA - Primeira parte do romance - dominância da diacronia (pretérito: memória para ‘explicar’ atualidade dos personagens), mas presente no trajeto ‘chácara / cidade’;

Segunda parte - inversão. --- Dominância da sincronia na segunda parte (pretérito no tempo atual), mas diacronia nas cartas (presente do indicativo); cartas presentes no passado, na perspectiva da emissora Olívia, porém depois pretéritas em relação ao receptor.

“O Dr. Teixeira Torres acha que a internação deve ser feita imediatamente (...) O inverno aqui é terrível (...) Às vezes eu me pergunto (...”

7-NARRATIVA - Deixando de lado as ideias de diacronia ou sincronia, o pretérito imperfeito é o tempo específico da narrativa:

“Ele estava numa rua sombria!” (...) “Eugênio tomava o pulso do paciente.” (...) “Os obres o procuravam (...)”

8-METAMORFOSES DA PERSONALIDADE DE EUGÊNIO

INFÂNCIA - “,,,vergonha de olhar para as pessoas que passavam. (...) velho sobretudo preto, esverdeado de tão velho (...) rasgão da calça. (...) humilhação da vaia.” -

ASCENSÃO SOCIAL - “...seu eu puro e implacável lhe cochichou ...) fraternal para com a secretária e para com os outros empregados da fábrica (...) cumplicidade (...) sua situação de inferioridade naquela firma. (...) manequim (...) autômato que assinava papéis (...)”

MATURIDADE - “...calma aceitação dos homens e das coisas. (...) não desejava mais nada além da posse daquele paz interior que agora começa a entrever.”

9-FAMÍLIA - Dividido em todos os níveis do comportamento humano, seu complexo de inferioridade em relação à origem humilde não lhe permitiu amar os pais, assim como se negava a aceitar o amor puro e honesto de OLÍVIA, também médica e com admirável caráter.

10-ATITUDE OTIMISTA do romance, apesar de tudo - “Havia muita coisa a fazer no mundo:proporcionar uma vida melhor àquela gente.”

NOTA DO AUTOR:

TELENOVELA - TV GLOBO, 1980, às 18 horas, co-autores GERALDO VETR, diretor novelista, e WILSON ROCHA, baseada no romance de ÉRICO VERISSIMO. Fundo musical “Esses moços, pobres moços...”, de LUPICÍNIO RODRIGUES. Excelente interpretação de CLÁUDIO MARZO (Dr. Eugênio Fontes) e NÍVEA MARIA (Olívia). Apenas 85 capítulos, audiência fraca pelo horário, que pena! Trama retratando a década de 20, figurinos ‘classudos’, ambientação cenográfica.

FONTES:

“Notas sobre três romances de Érico” , de Ernesto Wayne - Santa Maria, Revista do CLA-UFSM, v.5, n.1, jul.-dez./1983.

F I M