DIREITO E JUSTIÇA. 1.1 Vingança Privada.

     Conquanto a história dos povos sobre a terra seja muito diversa, variando de região para região, exigindo  nos dias atuais, quando já nos encontramos em pleno século XXI, tribos indígenas e agrupamentos humanos atrasadíssimos, mergulhados no mais denso obscurantismo, nota-se, no entanto, uma uniformidade e muitos pontos comuns naquelas civilizações que conseguiram evoluir e atingir o progresso científico e jurídico.

      Exemplo disso é a “vingança privada”, onde repousa a primeira manifestação daquilo que se transformaria no Direito Penal. Sendo a vingança um dos instintos naturais do homem, todas as sociedades, desde a mais remota antiguidade, sempre conheceram como legítimo o direito de “pagar na mesma moeda”, retribuir o “mal com o mal”, devolvendo os agravos e as ofensas tallis et tallis, ou seja, tal e qual (daí a palavra talião).

     Com o passar dos tempos, a vingança exercida implacavelmente pelos particulares tornou-se questão de honra e converteu-se em direito das vítimas e dos seus familiares. Recebeu a designação de lei de Talião: olho por olho, dente por dente.
     
     O crime é visto como “quebra da paz”, isto é, como ação inibidora contra o clã, e leva, portanto, à Faida, ou seja, à vingança de sangue, quando o motivo for um ato de sangue. Não se tratava apenas de represália ao ato individual, mas de guerra de honra entre os clãs. Não se leva em consideração, de maneira alguma o próprio autor do delito, mas a ira se dirige contra o clã inimigo.

      Junto aos povos germânicos, bem como junto aos que lhes são assemelhados, os parentes cuidavam do criminoso, por causa do crime, sem fazer-lhe nenhuma censura. Desafiavam, por ele a Faida, na qual se envolviam.

     Posteriormente, surgiram motivos práticos para a paz, e assim a Faida era decidida através de um contrato de conciliação, que encerrava ou contornava a situação mediante pagamento, de uma composição, ou seja, em outros termos, pelo pagamento de multa.

      Sujeita à multa são exatamente as ações graves de força, especialmente o homicídio. Credor e devedor da composição das clãs, não os participantes diretos do conflito, porque permanece sagrada a solidariedade do clã.

     Nas ocorrências pequenas às vezes o queixoso deixa que não seja imposta a multa, mas pode existir a inflição de castigo àquele que originou o conflito, com a perda da paz.

      Com a perda da paz o agente perde a solidariedade do clã e sofre uma espécie de exílio. Chega-se a uma espécie de compromisso. O clã abandona o que perdeu a paz, mas não para morte. Assim, ele fica sem a nacionalidade e sem a comunhão dos seus “irmãos”. Mas é suficiente que vá para outros países. Para isso lhe será concedido tempo suficiente. Se não aproveitar o prazo legal, ou retornar, será morto.

     Isto, como não poderia deixar de acontecer, redundou em terríveis e intermináveis guerras entre clãs, hordas, famílias. Em alguns países, na Itália, por exemplo, o sentimento de honra era tomado muito a sério, e aquele que não vingasse a ofensa sofrida por algum parente era considerado “desonrado”, indigno até mesmo de casar com a moça da sociedade, repelido das rodas sociais.

     Havia ocasiões em que se matava toda a família ou todo um clã, inclusive mulheres e crianças recém-nascidas, prevendo o perigo de uma vingança futura e tardia, na pessoa do próprio ofensor, ou de um de seus descendentes.

     Das decisões acerca da Faida e da composição, surgiu a primeira manifestação do Direito Penal: o Tribunal Familiar. O chefe do clã se reunia, a portas fechadas, com os demais integrantes, para, juntos, decidirem acerca do comportamento a ser adotado contra o criminoso e a pena ser-lhe aplicada.

     Esta “Justiça Familiar” criou o costume da “Justiça Secreta”, sem a defesa do acusado, que a sucedeu e funcioniu durante séculos, até, pode-se dizer, a Revolução Francesa, de 1789.

      As familias aceitavam também, dependendo do tipo de crime, do peso das circunstâncias e das injunções (pressão da Igreja ou de Príncipe), uma “compensação”, mediante a qual consideravam quitadas e perdoavam o agravo. Esta composição consistia num pagamento em dinheiro, entrega de cabeças de gado, cereais e até mesmo em terrenos ou outros valores quaisquer.

     A “composição” veio a servir de ideia para a implantação posterior da pena de multa, adotada pelas legislações penais em geral, até hoje, e cada vez mais intensamente.

      No período da vingañça privada, portanto, a justiça é feita pelas próprias mãos e o interesse individual se sobrepõe ao coletivo. Na composição há a substituição da pena pela reparação econômica. E, na Lei de Talião apresenta-se o primeiro passo na evolução do direito Penal, com a limitção da pena: em vez de vingança dasaçaimada e enlouquecida, surge uma pena proporcional ao agravo. Foi, sem dúvida, uma suavisação da pena.

     A “composição” aparece no código de Hamurabi e na Lei das XII Tábuas. A Lei de Talião vem consagrada no código de Hamurabi, na Lei das XII Tábuas e, sobretudo, na Bíblia.

      Assim, por exemplo, o Gênesis, I, 6: “Aquele que derramar o sangue de alguém, será punido com efusão do seu próprio sangue”. “Retribuireis vida por vida, olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” – “Deuteronômio”, XIX, 21. “ O parente do morto matará o assassino. (Números, XXXV, 19).

     Platão se manifsta: “Se o mais próximo parente não perseguir o assassino, também ele manchará o crime. O ressentimento do defunto se voltará contra ele. Qualquer pessoa poderá acusá-lo e será condenado e banido por cinco anoa, de acordo com a Lei” (“Leis”, IX).

     Maomé, por sua vez, no Alcorão: “quando exercerdes represálias, tende cuidado de que sejam iguais às ofensas recebidas”.



Fonte:
Bruno, Aníbal – DireitoPenal, Forense, Rio.
Carrara, Francisco – Opúsculo de Direito Criminal, Ed. Temis, Bogotá, 1973
Delmato Celso – Código Penal Anotado – Saraiva , S. Paulo.
Hungria, Nelson – Comentários ao código Penal, Forense.
Rosa, Antonio José Miguel Feu – Direito Penal – Ed Revista dos Tribunais
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Foto: Google.

* Nas próximas publicações, Vingança Divina e Vingança Pública.




LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 20/11/2010
Reeditado em 21/11/2010
Código do texto: T2626276
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