Crime Passional – E se não fosse por amor?

Crime Passional – E se não fosse por amor?

Histórias de crimes passionais são antigas, tão antigas quanto a civilização humana. Mulheres e homens sempre foram vítimas de crimes cruéis e justificados por amor. Em épocas mais remotas, (Clássica e Média) era comum e até mesmo banal a pratica desse tipo de crime, uma vez que na maioria dos casos a justiça podia e era feita com as próprias mãos. As vítimas geralmente eram mulheres, já que eram consideradas como coisas, objetos de prazer, apenas uma serva do seu esposo ou amante. Não raro, aconteciam casos em que envolviam homens.

Essa espécie de delito justificado pelo desejo fomentou a imaginação de muitos escritores que passaram a adentrar no mundo dessas mentes criminosas e supostamente apaixonadas. Entre eles, Agatha Christie, Mary Higgins Clark, (Um crime passional), Elllery Queen, Ruth Rendell e vários outros. Aqui no Brasil também tivemos autores que ficaram conhecidos por escreverem romances realistas que retratavam a vida cotidiana dos indivíduos. Machado de Assis foi a expressão máxima da história da literatura Realista/Naturalista brasileira. Machado centrou seu interesse na sondagem psicológica, ou seja, enquanto escrevia buscou compreender os mecanismos que comandavam as ações humanas. Entre os seus romances de maior relevância está A Cartomante, que narra a história de três personagens, Vilela, Camilo e Rita, envolvidos em um triângulo amoroso e com final trágico para os amantes.

Histórias de crimes passionais não acontecem apenas na ficção. Atualmente, vários são os casos de crimes amorosos, que diferente do que acontecia antes, não podem ser vistos como de mera importância, devem ser punidos com todo o rigor da lei, uma vez que ninguém, ou melhor, não se mata por amor. Para muitos profissionais, o crime passional é aquele cometido por amor. Para outros, não passa de um tipo de crime egoístico que não pode e nem deve ser explicado ou justificado pela forte emoção, paixão e até mesmo pelo amor. Pois como já dizia Fernando Caio de Abreu:

“Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? Amor não mata. Não destrói, não é assim. Aquilo era outra coisa. Aquilo é ódio” [In Caixinha de Música].

Trechos como este nos fazem refletir e enxergar como a palavra amor está banalizada. Mata-se por amor. Destrói por amor. Maltrata-se por amor. Mas até onde isso pode ser encarado como verdade?

O que leva uma pessoa a matar por amor?

Como já foi dito antes, e ainda de acordo com a escritora e psicóloga americana Mary Higgins Clark, não existe crime cometido por amor. Existem sim, motivos egoísticos e particulares que não permitem ao criminoso deixar que o outro seja feliz . São pessoas que não conseguem conviver com a rejeição por se acharem maravilhosas demais para si mesmas. E assim como são vistas, desejam que outros também assim os enxerguem. No entanto, sabemos que nem sempre acontece assim. O que às vezes é maravilhoso demais para nós, não é para o nosso semelhante e não faz o mesmo efeito.

É crescente a onda de Crimes passional. É realmente assustador o fato de como a coisa vem ganhando proporção. E crimes assim são cometidos todos os dias, em todos os lugares do mundo, por pessoas de várias idades, cor, raça, sexo ou religião. A desculpa mais usada nesses casos é a rejeição. Mas temos de levar em consideração, que não somos seres humanos pertencentes a outros, e que também não pertencemos a ninguém. Somos livres para nos relacionarmos com quem nos sentimos bem, com quem nos faz feliz. Cada pessoa tem o direito de reconstruir sua vida amorosa quando aquele relacionamento em que estava não deu certo.

Caso seja considerado um crime privilegiado, em conseqüência de como foi praticado, se assim for entendido pelo júri, ter a pena reduzida de um sexto a um terço. Este benefício está descrito no art. 121, parágrafo 1º do CP que diz:

Caso de diminuição de pena

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

De acordo com Nucci, essas são três as hipóteses em se que podem configurar o homicídio como privilegiado. E sendo ele reconhecido como tal, deve ser aplicada a redução da pena. Nesses casos, o agente atua movido por incontrolável instinto de agressão, decorrente de dominação emocional súbita e intensa, ou seja, estado de choque, que o faz reagir logo em seguida à

provocação sem justificativa razoável da vítima que se transforma em atitude desafiadora, consubstanciada em ofensa, em ato de desprezo, insinuação, humilhação, zombaria, exercício abusivo de direito etc. matando-a. No entanto, a defesa terá que demonstrar que a provocação da vítima foi realmente injusta, não dando chance ao agente pra raciocinar, pra agir com a razão. Como uma tempestade mental que naquele momento foi capaz de aniquilar toda a capacidade de raciocinar e de se conter, ou melhor, que houve nesse exato momento a privação momentânea dos sentidos, e que esses motivos atuaram de forma incontrolável sobre a agente.

É possível observar que a doutrina aponta como exemplo de violenta emoção, os casos em que um cônjuge flagra o outro em estado de adultério, ou ainda do pai que recebe a notícia de que a filha acabara de ser estuprada. Assim Sendo, entende-se que não aproveita do privilégio aquele que reage e age friamente, emocionado, em razão de dissabores sociais ou discussões banais. Logo, é preciso que haja uma distinção entre os motivos.

Não se pode jamais confundir a violenta emoção com a vingança que advém do ódio não esquecido, adormecido ou do aborrecimento concentrado, enraizado. Deve haver, em conseqüência do fato, necessária proporcionalidade entre a injusta provocação da vítima e a emoção dominante da ação criminosa. Além do mais a reação à injusta provocação da vítima deve ser logo após, de pronto, sem intervalo.

Quem ama mata?

De acordo com a psicanalista e escritora, Tatiana Ades, há dois tipos de amor, o saudável e o patológico. O amor saudável é aquele que ver o outro como companheiro, amigo. É aquele que compartilha sonhos, que deixa livre, que quer ser feliz, e também ver feliz e realizado o seu parceiro. Por outro lado, o amor patológico ver no outro o seu objeto de desejo. Se não for dele, não é de mais ninguém. E essa fixação, esse sentimento de posse, de ciúmes exagerado, nada mais é que uma capacidade dessa pessoa amar a si própria enquanto ser humano. Há na realidade uma baixa auto-estima que vai criar uma serie de fatores que vai influenciar a mente perturbada do homicida passional. Para a doutora Tatiana, “o homicida passional pratica o crime motivado pelo ciúme, egocentrismo, ódio possessividade, prepotência e até vaidade, o que leva a um incontrolável desejo de vingança e é esse inconformismo que o faz matar para impedir que seu companheiro se liberte e siga sua vida de forma independente”.

Por outro lado, não devemos esquecer que o amor usado como motivo ou até mesmo desculpa para a prática do crime passional, não deve jamais ser usado como desculpa para justificá-lo. Somos seres humanos livres para amar a quem quisermos, porque o amor de verdade começa quando aceitamos que o outro também é livre.

REFERÊNCIAS

Ades, Taty. HADES – Homens que amam demais. Editora: Isis. São Paulo, 2009.

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. Editora Agir. 1ª Edição. São Paulo, 2005.

Ruth Oliveira
Enviado por Ruth Oliveira em 18/04/2012
Reeditado em 19/04/2012
Código do texto: T3619772
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