Apego

Descobri a data da minha morte numa saleta disfarçada, com porta encoberta pelo papel de parede novo, porém aberta. Noutra ocasião, passaria por lá de cabeça cheia, obsessiva com a vida e incapaz de perceber o vão entre a porta retangular e o reboco. Naquele dia, estava feliz. Mergulhada na distração da felicidade, prestei atenção nas coisas além do dia, porque não precisei da obsessão que me sustenta.

Estava em choque sem motivo. A saleta guardava minha casa de dois anos à frente, limpa, preenchida por móveis em organização estonteante. Poderia, então, ser surpreendida pela onisciência sobre o tempo, mas espantei-me por perceber o quanto aquele lugar era meu, mas não me pertencia. Se as coisas são tão incertas, perco o direito sobre a insegurança da propriedade. Como disse, um choque sem motivo.

Atordoada, fechei a porta. Não havia percebido a ausência de maçaneta do lado de fora até aquele momento. E, acrescentando-se à sensação de que não possuía tal lugar, estava o sentimento de que tal momento fora incutido na minha parede procurando me castigar. Sem encontrar outra explicação plausível, dei a essa o veredito de fato. Dados os acontecimentos, bastava justificá-los. Julguei, portanto, suficiente enunciar sua causa.

A primeira tentativa consistiu em culpar a felicidade. Seja porque considerava sua ausência castigo suficiente para ainda surgir esse infortúnio, seja porque era instintivo, convenci-me. A segunda tentativa, por conseguinte, consistiu em encontrar utilidade. Poderia sofrer quando feliz, mas a qual intuito? Destrinchando o nó na garganta ao rever o motivo do primeiro susto, desvendei quem morria ali. Ou melhor, que parte de mim ficava à mercê.

Satisfatória ou não, agarrei a conclusão que me conforta e assombra, enquanto ela ainda faz parte do meu ser.