DOIS LIVROS SOBRE ESCRITORES
 
 
Parece haver um prazer especial dos fãs, leitores ou admiradores em conhecer os segredos e as manias dos seus ídolos ou, simplesmente, das pessoas ditas famosas. São várias as revistas e jornais, no mundo, que se dedicam exclusivamente a apresentar as celebridades em sua vida privada. Indo além do permitido, os chamados paparazzi invadem a privacidade de atores, escritores, músicos e desportistas – suas vítimas preferidas – devassando a sua intimidade. Várias biografias, autorizadas e não-autorizadas, são publicadas todos os anos, revelando o lado oculto das personalidades. Seria uma necessidade de desmitificá-los, tirá-los do pedestal, mostrando que são tão humanos e falíveis quanto qualquer outro “mortal”? Que são deuses criados à nossa imagem e imperfeição?
 
As formas como podem ser apresentados, nessas publicações, são as mais diversas. Acabo de ler dois livros completamente opostos, apesar de tratarem de um mesmo tema: a vida privada dos grandes escritores. Enquanto o cínico A Vida Secreta dos Grandes Autores, de Robert Schnakenberg (Ediouro, 2008) cuida apenas em “avacalhar” os grandes nomes da literatura universal, o Inventário das Sombras, de José Castello (Record, 2006), apresenta um pungente e até poético retrato de grandes nomes da literatura brasileira e de alguns escritores estrangeiros.
 
Enquanto Schnakenberg ironiza o transtorno obsessivo-compulsivo de Charles Dickens, Castello nos fala de um modo quase reverente sobre as excentricidades de Clarice Lispector, a quem ele chama de “A Senhora do Vazio”. Se Schnakenberg cita o alcoolismo de Edgar Allan Poe, Jack London e Scott Fitzgerald, José Castello conta das lições aprendidas com o boêmio João Antônio. Schnakenberg relata de forma ridícula o beijo na boca dado por Oscar Wilde em Walt Whitman; já Castello relata a forma destemida como Caio Fernando Abreu enfrentou a morte, então contaminado pelo vírus da aids.
 
Schnakenberg, ao longo de todo o seu livro ironiza com tudo que diga respeito às crenças espiritualistas dos escritores, a exemplo de Dickens e Conan Doyle. Castello fala com respeito das experiências de Hilda Hilst com a transcomunicação, tentativas de diálogo com o mundo espiritual. Se o primeiro cita, com luxúria, as centenas de mulheres que Lord Byron levou para a cama, o segundo apresenta o mais humano retrato de Nelson Rodrigues, um homem solitário, vivendo o conflito entre ser reacionário e literariamente pornográfico.  Luisa May Alcott podia ser viciada em ópio, como diz Schnakenberg, mas com Castelo ficamos sabendo o quanto Adolfo Bioy Casares era “viciado” em Jorge Luis Borges, e vice-versa, o que os levou a escrevem seis livros a quatro mãos.
 
Mas o melhor de todos os relatos de Castello sobre seus encontros com escritores é aquele realizado com José Saramago. Como numa releitura de Borges, o Prêmio Nobel de Literatura afirma: “se há um momento decisivo na vida de um homem, é aquele em que ele aceita o que é, dá essa questão por resolvida e deixa então de se trair”. E felizmente Saramago, com mais de 50 anos de idade, “aceitou” ser escritor e nos legar tantas obras maravilhosas, cumprindo a sua sina.
 
Não sabemos ao certo se todas as histórias contadas a respeito dos escritores são verdadeiras. Parece ser da própria natureza desses homens e mulheres de letras misturar a realidade com a ficção. Enquanto admiradores enaltecem as suas virtudes, detratores relevam os seus defeitos e inventam falácias, construindo um mito além da personalidade. Como diz José Castello, “jornalistas ou poetas, quando falamos, todos mentimos, pois as palavras não passam de um instrumento imperfeito – mas é na imperfeição, também, que guardam sua beleza.”
 
Na minha humilde opinião de escritor amador e leitor profissional, o que é fundamental é não perder de vista esse exercício do Belo, no que quer que se diga, sob pena do feitiço virar contra o feiticeiro, e o ridículo passar a ser aquele que relata, e não de quem se fala.