Análise do poema "As sem-razões do amor" de Drummond

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

(Carlos Drummond Andrade)

“Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo”

O poeta manifesta no verso um amor que não depende do que a pessoa faz ou de como ela é. “Eu te amo porque te amo”, diz Drummond. E a pessoa não precisa ser como amante, que buscará conquistar, encantar, ganhar um lugar, como se pelo esforço próprio esse amor chegasse.

“Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga”

Ao se falar em “estado de graça” penso que o amor vai muito além de um sentimento passageiro ou de uma simples ação do cotidiano e sendo “estado de graça”, esse amor tem potencial para afetar as diversas áreas da vida do poeta. O amor parece ser uma forma de viver e pensar o mundo. É sentimento que traz sentido.

“Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários”

Trazendo a comparação com a natureza, o poeta me faz pensar que esse amor é algo maior que nós e é para nós algo inalcançável com atitudes. O bonito é que nos é “dado de graça”. É presente! E por ser maior que nossa forma pequena de pensar e viver, esse amor foge a dicionários: não pode ser definido, limitado e está além que qualquer regulamento. É amplo, incomensurável.

“Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim”

Como diz Martin Buber, “todo viver real é encontro”. Parece haver em nós um espaço para amar, no qual o nosso amor próprio, ainda que essencial, não é o bastante. Com o outro, damos sentido ao nosso próprio viver. Nascemos para algo a mais e é o amor que chega com essa possibilidade.

“Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo”

É um sentimento que não pode simplesmente ser substituído. É algo que nos foge do controle e muitas vezes nos controla. Ainda que a pessoa busque maneiras de expressar esse amor para com a pessoa amada, esse amor que habita lá dentro da alma não pode ser visto pelos outros, não pode ser compartilhado em sua essência. Cada um amará de uma maneira diferente que jamais poderá ser vista e medida. É algo que não se explica, não se conjuga.

O que é compartilhado no mundo é a poesia que nasce dessa alma habitada pelo amor. Aí sim, a "poesia do viver" será a maneira pela qual o amor aparece com cores vivas nesse mundo tão pequeno e carente de vida.

“Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor”

Amor beira a loucura do existir, burla regras, lida com perigo, com falta de sentidos. E transcende as diversas limitações que nos contornam. O amor insiste em trazer novos significados, em lançar luz na escuridão do existir.

É questionado, testado, ganha diferentes contornos ao longo do tempo, “veste diferentes roupas” para se fazer “acessível” à pessoa amada, e continua ali, independente de mim, de você de nós. Continua sendo infinito, confuso, bonito, indo além de qualquer tentativa de racionalização.

Nos toca, sem se deixar ser visto, nos afeta, tirando esse controle que pensamos ter. Ganha novos sentidos a cada dia, a cada vivência e continua sendo o grande motor desse nosso mundo tão pequeno e confuso. É amor, apesar de tudo.

Lirlaine C Vaz
Enviado por Lirlaine C Vaz em 23/01/2017
Reeditado em 23/01/2017
Código do texto: T5890295
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