Análise Literária da Prosa Poética "Horas Prístinas" de EDNA FRIGATO

Horas Prístinas

Um cheiro orvalhado de saudade penetra em minhas narinas como água em guelras ressecadas, ressuscitando momentos só meus. Momentos em que, à beira de meus abismos, me estendo imensa de ternura, de lonjura, de imensidão, de estendal imprevisível, alargando minhas profundezas. Enxertando em minhas raízes um útero natural propício ao desenvolvimento da vida que sinto latejando, passarinhando a beleza que brota em meus galhos com essa universal substância, restumes de pólen e olhos vermelhos com lágrimas selvagens, dessas que não há registro nos léxicos, mas tem tudo pra ser altar, liames primordiais preparados para a vinda de primaveras, bichos e pessoas com língua-escamas e plumagem de aves na garganta. Nos túneis construídos pelas correntezas de olhos de regato, onde nada mais acontece: desacontecem; brota um frescor de nascente virginal, sufocando o mormaço de nuvens esvaziadas com cachos estacionados...

Respiro fundo e vislumbro, por cima das pupilas de nuvens de rouxinóis, o silêncio investindo contra outras nuvens esculturas que enchem de entardeceres a luz do dia. Nas cordas nubladas da flora, as notas ganham som de cachoeiras, de sinfonia regida por um maestro com ar altivo de coisa preciosa indefinida. Em um desses cantinhos sem nome próprio, os jardins ainda sobrevivem. Percebo que o rumor das pequenas margaridinhas brancas não cessa, já que é ele que alimenta o enevoamento armado pelo tempo nessa estrutura de chover. No corrimão empoeirado das horas, vou deslizando as mãos distraídas em caracóis e assusto peixinhos lilases que nadam no reflexo do espelho d'água, entre algas azuis e caramujos jovens, sobreviventes de incêndios crepusculares que vieram espojar-se no frescor dos limos com olhos reluzentes de Aurora. Um desses reflexos que ensinam a ser verdejar translúcido como o silêncio cor-de-rosa espumoso das marés.

A mim parece um sacrilégio que seres tão mágicos só existam dentro de mim, nessas notas líricas entre meus suspiros e soluços. Os luares andam nus à beira da vazante de olhos mar(ejados)... são hábeis observadores, conhecem tudo pelo toque. O resto tem olhos inúteis que só se movem ao som fúnebre do tilintar dos ossos da imaginação. Aqui me perco e só desvendo-me com a pena em punho ao escavar o subterrâneo das palavras e alcançar a nascente límpida. O canto silencioso que brota nas profundezas das horas prístinas.

EDNA FRIGATO em 13/03/2017

Análise Literária da Prosa Poética "Horas Prístinas"

Performance, declamação e poesia anunciam (em alegorias e metáforas) a fusão mulher/natureza num dramático fluxo de consciência cuja pena (multicolorida) esbanja talento quando ilustra surreais e impactantes imagens numa esplendorosa pintura na mente do leitor. Epifânica experiência para esse leitor! Porque, para ele, a Literatura (antes repousada em estática zona de conforto) se vê obrigada a levantar voo, considerando que a imagética Prosa Poética é um pictórico processo de construção em constante movimento em todas as direções: o estado de ser do eu-lírico feminino comanda essa fusão e a surpreendente transformação da Física em Humana-Metafísica.

Tal mutação é uterina! É nascente e se ramifica em infinitos leitos: tudo ao mesmo tempo agora! É musical: plasticamente sonora! É presente e passado no mesmo estado de tempo: "No corrimão empoeirado das horas, vou deslizando as mãos distraídas em caracóis (...)". Findado o batismo, o sujeito poético agora é parte integrante (e relevante) da Physis e de seu vívido e multicolorido mosaico. Impera, portanto, a metonímica harmonia barroca/gregoriana da Parte e do Todo: "O todo sem a parte não é todo / A parte sem o todo não é parte / Mas se a parte o faz todo sendo parte / Não se diga, que é parte, sendo todo". Harmônica e com(fusa) junção da Mulher Primeira e sua Bela Natureza.

Passado o primo tempo, é hora de derrubar a quarta parede? Edna Frigato acredita que sim. Findada a Pictórica Obra Prima, o eu-lírico feminino confessa, no terceiro e último ato da teatral declamação poética, que toda essa paisagem metafísica (agora já emoldurada) existe tão somente dentro dela. Egotrip? Se sim, a mais bela já lida! "Horas Prístinas" é, com toda certeza, a maravilhosa experiência epifânica vivenciada, testemunhada e registrada, em poesia, pela pena frigatiana. As horas virgens primam por inaugurar uma inédita e surreal natureza em festa por não ter sido ainda maculada pelas mãos do homem. É dramático sim! Porque essas horas não são eternas.

Não são eternas, mas são raras. E, provavelmente, não terá o deleite de tantos. Daí, um adendo em digressão: como pode uma escritora (à margem da Literatura Consagrada) se colocar, naturalmente, em Supremo Patamar Poético tanto no verso quanto na prosa? A Fortuna Crítica da Literatura Brasileira vai continuar ignorando toda essa produção qualitativa publicada em diversos sítios de poesia? Quantos excelentes escritores brasileiros, simplesmente, não serão conhecidos pelo grande público leitor devido ao preconceito, ao comodismo, à inércia e à preguiça de pesquisadores de mentalidade elitista? Parabéns, Edna Frigato! Seu Legado Literário vinga e emociona privilegiados leitores agora e sempre.

Por Renato Passos de Barros em 17/03/2017

Edna Frigato
Enviado por Edna Frigato em 17/03/2017
Reeditado em 17/03/2017
Código do texto: T5943677
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