Análise das personagens centrais da obra "Senhora" de José de Alencar

Ao analisar a obra de José de Alencar, "Senhora", nota-se a “aparente contestação dos valores da sociedade brasileira no século XIX” (FONSECA, s.d., p.3).

Durante a leitura, é possível identificar uma grande contradição com relação aos valores pregados na época, que se baseavam na concretização do amor verdadeiro, pois, o apego por dinheiro, bela aparência e visibilidade social estavam muito acima desses ideais.

Nessa perspectiva, com base na obra, temos como personagens centrais Aurélia Camargo e Fernando Seixas.

A primeira parte do livro inicia-se com uma descrição de detalhes que compõem a personagem de Aurélia, que definem sua posição em meio a sociedade. Sendo ela, uma personagem jovem, contundente, diferente das mulheres de sua época (por essas características) além de ser herdeira de uma grande riqueza e de "beleza esplendorosa", conforme cita o livro, possuindo assim muitos pretendentes.

O narrador, ao se direcionar a Seixas, realiza a descrição de forma exaustiva, explicitando o espaço onde a personagem vive. Esse detalhe merece atenção do leitor, pois somente após essa apresentação, traça de fato, o perfil da personagem, o qual era um homem de idade próxima aos trinta, elegante, que frequentava os melhores lugares da cidade, aparentando ser rico.

A princípio a narrativa encaminha o leitor a crer que Fernando encontrava-se nas mesmas condições de Aurélia. No entanto, a estratégia utilizada pelo narrador ao detalhar aspectos presentes no espaço vivido por Seixas, chama a atenção, pois, ao apresentar os dados nessa ordem, revelam que Fernando Seixas, na verdade, era um homem pouco responsável. Esbanjava-se de uma riqueza a qual não possuía, em contraposição a Aurélia que era dona de uma grande fortuna, e que desprezava seu poder. Esses contrastes evidenciam a necessidade de uma vida voltada para luxos, tal qual era a sociedade do século XIX.

Seixas, quando aceita a proposta oferecida por Lemos de se casar com uma mulher desconhecida, movido pelo interesse num adiantamento de dote, ao se deparar com Aurélia, sentiu-se profundamente humilhado. Em tempos anteriores a havia rejeitado, afinal Aurélia também fora pobre um dia, noivando-se com Adelaide que era rica. Assim sendo, Aurélia trazia consigo o desejo de vingança, além de querer expor sua superioridade financeira, em razão de sua experiência decepcionante. Tratava-se de um sentimento confuso, pois o amava e o considerava um homem vendido.

Deste modo, entende-se que nessa primeira parte do livro, o amor entre os dois jamais poderia se concretizar ao passo que Aurélia era rica e Seixas pobre, e isso não era aceito. Numa visão mais aprofundada, a época também não permitia a ideia de uma mulher possuir patrimônio elevado. Analisa-se então, que o amor na sociedade burguesa no século XIX só era possível se as pessoas possuíssem beleza estereotipada e poder financeiro.

Mais adiante, quando Fernando recupera o dinheiro equivalente ao dote, rejeita a fortuna de Aurélia, pois finalmente sentia-se digno do seu amor, entretanto, a narrativa evidencia uma rejeição superficial. Aurélia esperava que ele implorasse o seu perdão, mas ao dar-se conta de que tal ação não ocorreria e sem poder suportar a ideia de ver Fernando partir, revela um testamento que fizera (citado no início da história) no qual transfere a sua fortuna para Fernando. Nesse momento viu-se obrigada a redimir, e só assim houve a concretização do amor verdadeiro.

Outro aspecto relevante na análise dessas personagens centrais, é a relação entre Emília e Pedro Camargo, que são os pais de Aurélia.

Pedro não era reconhecido pelo seu pai, logo não poderia ser herdeiro da fortuna, porém enfrentou a família e se casou com Emília, que era pobre, levando o leitor a acreditar que dessa vez o amor falara mais alto que o dinheiro.

O Pai de Pedro, por sua vez, disse-lhe que o perdoaria, mas que tal erro era “irremediável”. Então, por medo de confessar seu amor, finge uma separação, a fim de não perder sua herança. Mais uma vez prova-se que o amor não era relevante diante das condições que a sociedade impunha na época, e sim o poder monetário.

Conclui-se que a sociedade do século XIX jamais aceitaria uma relação movida apenas pelo amor. Embora o autor tenha ousado ao criar uma personagem destemida (como a de Aurélia), ainda assim não conseguiu ultrapassar os valores de sua época que eram patriarcais.

REFERÊNCIAS:

FONSECA, Maria Nazareth Soares. Configuração das personagens de Senhora: o ser e o parecer. Revista do Centro de Estudos Portugueses, [S.l.], v. 4, n. 8, p. 3-12, nov. 1982. ISSN 2359-0076. Disponível em: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/cesp/article/view/4289>. Acesso em: 15 jun. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.17851/2359-0076.4.8.3-12.

Camila Mendes Lopes da Silva
Enviado por Camila Mendes Lopes da Silva em 15/06/2017
Reeditado em 08/02/2018
Código do texto: T6028081
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