“Bingo – O Rei das manhãs” (Crítica)

A década de 80, durante muito tempo conhecida como “a década pedida” em razão da instabilidade política (o tímido processo de redemocratização), da crise econômica, da inflação galopante, dos inúmeros – e fracassados – planos econômicos (Plano Cruzado, Os Fiscais do Sarney, Plano Bresser, etc.), do desemprego gigantesco. Essa década, a década da seleção de Telê (que maravilhou o mundo na Copa de 82 na Espanha), do ápice dos “filmes de macho” (Stallone “Cobra”,” Rambo”, Schwarzenegger “Exterminador do Futuro”, “Comando para Matar”, dos Van Damme e Chuck Norris da vida), da Guerra Fria e do temor de um holocausto nuclear (cujo filme “The Day After” arrastou uma multidão aos cinemas, que saíam apavoradas com a real possibilidade de um confronto nuclear EUA x URSS); do bambolê, do vestido “tomara que caia”, do rock Nacional da Blitz e Dr. Silvana e Cia, entre outros; dos brinquedos “Gennius” e “Aquaplay” dentre tantos; do Cassino do Chacrinha nas tardes de sábado na TV, da retomada da telenovela “Roque Santeiro” no horário nobre da Globo, do “Xou da Xuxa”, do “Programa Silvio Santos” e seu Show de Calouros, do Clube do Bolinha e do Bozo, entre outros ícones; de quando em quando volta à baila. Os anos 80 parecem estar sempre na moda, sejam em festas retrô, em remakes na TV ou no cinema, ou nos “ressurgimentos” de estrelas daquela época, de Stallone à Mel Gibson. Pois é a década de 80 a estrela principal de “Bingo – O Rei das manhãs”, estréia na direção do montador Daniel Resende (responsável pela montagem de “Tropa de Elite”, “Cidade de Deus, “Diários de Motocicleta”, entre outros grandes sucessos).

O filme brinca, desde o começo, com referências e figuras daquela época, tais como o “ajuste do training” dos antigos aparelhos de vídeos cassetes, as placas de certificação de censura, que eram exibidas antes das programações televisas nas décadas passadas; a TV Globo (Rede Mundial no filme), a TVS de Silvio Santos (TVP no filme), Xuxa , Gretchen (esta é a única que não tem o nome alterado no filme) e tantas outras figuras daquela época, sendo a principal o palhaço Bozo, atração número 1 das manhãs do SBT nos anos 80. Como a produtora que detém os direitos autorias do Bozo nos EUA não autorizou o uso de sua marca, a solução para a produção tupiniquim foi não só mudar o nome do palhaço de Bozo para Bingo, mas também alterar vários nomes de personagens e instituições da época, fazendo do filme uma divertida brincadeira de referências, quando o espectador tenta adivinhar quem são aquelas pessoas, programas de TV, ou instituições, na vida real. Vivenciar um pouco dos bastidores da TV nos anos 80 é também algo muito interessante que o filme proporciona.

“Bingo – O Rei das manhãs” é baseado na vida de um dos intérpretes do Bozo, Arlindo Barreto, ex-ator de novelas e pornochanchadas, que atingiu o ápice de sua carreira na pele do palhaço americano; mas que também foi sua desgraça, já que o anonimato era uma das obrigações contratuais principais para ganhar o papel. Logo, ele não pôde “desfrutar” do seu maior sucesso, mergulhando num espiral de álcool, drogas e orgias; hoje, sessentão, Arlindo Barreto é pastor evangélico e faz shows de palhaço, com conotação religiosa, pelo Brasil afora.

O filme acompanha a ascensão e queda de Augusto Mendes (Wladimir Brichita), alter ego de Bingo, que se perde entre sua vaidade ferida - pelo anonimato forçado - as orgias, os excessos regados à uísque e à cocaína, o afastamento do filho, até desembocar na “salvação” em um igreja evangélica. Além das brincadeiras e referências à década de 80 e a trilha sonora bacana - que colabora com o revival dos anos 80 - e o clima de bastidores da televisão naquela época, é importante destacar as excelentes atuações de Wladirmir Brichita, do ator mirim Cauã Martins, que manda muito bem como Gabriel, filho de Augusto Mendes; e de Emannuele Araújo, que quase sem nenhuma fala, rouba a cena, sempre que a parece na pele de Gretchen.

“Bingo – O Rei das manhãs”, entretanto, perde força com o andamento do filme. Parece que o roteiro acompanha o personagem principal em sua derrocada, pois principalmente do meio para o fim a narrativa vai ser tornando cansativa e um tanto entediante. O colapso da carreira de Augusto Mendes poderia ser o encerramento da película; mas parece que o caos que se estabelece na vida pessoal do personagem, arrasta para o ralo, juntamente com este, a parte final do filme. Parece que ambos, personagem principal e roteirista, não souberam lidar com o potencial que tinham nas mãos: O sucesso e as benesses que ele traz, no caso de Bingo. E uma boa história, no caso do roteirista.

Ao cabo e ao fim (como diziam os antigos), “Bingo – O Rei das manhãs” pode resultar em duas experiências diferentes, dependendo do espectador. Àqueles que viveram os anos 80, certamente vão se divertir e se emocionar com a boa ambientação do filme - que consegue captar a atmosfera daquela época, as canções e as referências televisas ( caso desse que vos tecla). Os mais jovens, aqueles que não viveram os loucos anos 80, talvez não se interessem muito por uma narrativa já há muito batida: ascensão e queda de um astro do show bussines, regada à muita droga, álcool e sexo; e redenção – um alívio para os mais conservadores - garantida pela “palavra de Deus”.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 31/08/2017
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