Dialética da inveja

Eis alguns trechos extraídos de uma das obras literárias do, senão o maior, um dos maiores filósofos brasileiros - Olavo de Carvalho.
Chamo a atenção, para aquilo que o próprio autor reiteradamente ressalta em seus debates e paletras, de nunca tentarmos intrepretar um pensamento e/ou contexto de uma obra, a partir de informações resumidas e/ou superficiais. É preciso vencer a preguiça e a ânsia de querer opinar sobre algo, sem se aprofundar e esgotar a busca pelo conhecimento sobre as informações existentes.

Este artigo foi publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 26 de agosto de 2003

A inveja é o mais dissimulado dos sentimentos humanos, não só por ser o mais desprezível mas porque se compõe, em essência, de um conflito insolúvel entre a aversão a si mesmo e o anseio de autovalorização, de tal modo que a alma, dividida, fala para fora com a voz do orgulho e para dentro com a do desprezo, não logrando jamais aquela unidade de intenção e tom que evidencia a sinceridade. (grifos nosso)
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A gente confessa ódio, humilhação, medo ciúme, tristeza, cobiça. Inveja, nunca. A inveja admitida se anularia no ato, transmutando-se em competição franca ou em desistência resignada. A inveja é o único sentimento que alimenta de sua própria ocultação. (grifos nosso)
O homem torna-se invejoso quando desiste intimamente dos bens que cobiçava, por acreditar, em segredo, que não os merece.
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É precisamente nas dissimulações que a inveja se revela da maneira mais clara.
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Por trás da inveja vulgar há sempre inveja espiritual. (pág. 373)

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A facilidade com que todo revolucionário derrama lágrimas de piedade por eles enquanto luta contra o
establishment, passando a oprimi-los tão logo sobe ao poder, só se explica pelo fato de que não era o sofrimento material deles que o comovia, mas apenas o seu próprio sofrimento psíquico. O direito dos pobres é a poção alucinógena com que o intelectual ativista se inebria de ilusões quanto aos motivos da sua conduta. E é o próprio drama interior da inveja espiritual que dá ao seu discurso aquela hipnótica intensidade emocional que W. B. Yeats notava  nos apóstolos do pior. Nenhum sentimento autêntico se expressa com furor comparável ao da encenação histérica. (grifos nosso)
Por ironia, o que deu origem ao
grand guignol das revoluções modernas não foi a exclusão, mas a inclusão: foi quando as portas das atividades culturais superiores se abriram para as massas de classe média e pobre que, fatalmente, o número de frustrados das letras se multiplicou por milhões.
A "rebelião das massas" a que se referia José Ortega y Gasset, consistia precisamente nisso: não na ascensão dos pobres à cultura superior, mas na concomitante impossibilidade de democratizar o gênio. A inveja resultante gerava ódio aos próprios bens recém-conquistados, que pareciam tanto mais inacessíveis às almas quanto mais democratizados no mundo: daí o clamor geral contra a "cultura de elite", justamente no momento em que já não era privilégio da elite.
Ortega, de maneira tão injusta quanto compreensível, foi por isso acusado de elitista. Mas Eric Hoffer, operário elevado por mérito próprio ao nível de grande intelectual, também escreveu páginas penetrantes sobre a psicologia dos ativistas, "pseudointelectuais tagarelas e cheios de pose...
Vivendo vidas estéreis e inúteis, não possuem autoconfiança e autorrespeito, e anseiam pela ilusão de peso e importância." (pág. 374 - 375)

Por isso, leitores, não estranhem quando virem, na liderança do "movimentos sociais", cidadãos de classe média e alta, diplomados pelas universidades mais caras, como é o caso aliás do próprio sr. João Pedro Stedile, economista da PUC-RS. Se esses movimentos fossem autenticamente de pobres, eles se contentariam com o atendimento de suas reivindicações nominais: um pedaço de terra, uma casa, ferramentas de trabalho. Mas o vazio no coração do intelectual ativista, o buraco negro da inveja espiritual, é tão profundo quanto o abismo do inferno. Nem o mundo inteiro pode preenchê-lo. Por isso a demanda razoável dos bens mais simples da vida, esperança inicial da massa dos liderados, acaba sempre se ampliando, por iniciativa dos líderes, na exigência louca de uma transformação total da realidade, de uma mutação revolucionária do mundo. E, no caos da revolução, as esperanças dos pobres acabam sempre sacrificadas à gloria dos intelectuais ativistas. (pág. 375)

DICIONÁRIO:
Alucinógeno - Diz-se das substâncias que provocam alucinações artificiais ou estados eufóricos.
Establishment - Grupo sociopolítico que exerce sua autoridade, controle ou influência, defendendo seus privilégios; ordem estabelecida, sistema. .
Grand Guignol -
Foi um teatro (Le Théâtre du Grand-Guignol) na região do Pigalle em Paris (situado na rue Chaptal, número 20 bis), o qual, desde sua inauguração em 1897 até à data do encerramento, ocorrida em 1962, era especializado em espectáculos de horror naturalista.

Que cada leitor, faça sua reflexão a respeito.  

Fonte: CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2014.
SEBASTIAO
Enviado por SEBASTIAO em 08/10/2017
Reeditado em 30/08/2018
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