A teus pés, de Ana Cristina Cesar

 

A teus pés, de Ana Cristina Cesar, na verdade, traz quatro livros da autora: Cenas de abril (1979), Correspondência completa (1979), Luvas de pelica (1980) e A teus pés (1982). Os três primeiros foram publicados artesanalmente, seguindo a proposta da Geração Mimeógrafo. Apesar de pertencer a chamada Poesia Marginal, a poeta traz algumas particularidades em sua poesia, como marcas de erudição de uma professora de Letras e tradutora. Há recorrentes intertextualidades com outros autores (brasileiros e estrangeiros), conforme deixa explícito no poema “Índice onomástico”. Há citações, inclusive bricolagens, que exigirão dos leitores uma percepção mais “aguda”, como no poema “por trás dos olhos das meninas sérias”, que trazem versos integrais de Manuel Bandeira, mudando apenas um pronome (“eles” por “elas”). Há mistura de gêneros também é uma característica, lemos poemas em forma de prosa que se assemelham a relatos, diários, cartas, confissões. Isso mostra a quebra de limites impostos pelos gêneros que dialoga com o momento da escrita, marcado por quebras de tabus, a contracultura. Um dos protagonistas desse movimento, o estadunidense Jack Kerouac, é referenciado por Ana Cristina Cesar, até mesmo na maneira telegráfica e caótica de sua composição. As experiências de vida ganham reflexos em sua poesia, principalmente com suas viagens. Não se pode perder de vista a reflexão de uma existência em busca de sua própria consciência. Há vários momentos em que as lembranças se afluem numa tentativa de conciliação. Como num labirinto em que se caminha numa gradação, numa correria de libertar-se. Apesar de o título, A teus pés, a poesia de Ana Cristina Cesar traz uma ironia, já que o ser feminino, outrora visto aos pés dos homens, aqui possui atitudes de reconhecimento de seu valor e se impõe na contramão dos valores machistas. Essa ousadia no comportamento é representada pela escrita audaciosa, que quebra elementos sintáticos, que desestrutura a coesão e coerência, com versos longos e curtos, poéticos e prosaicos, com títulos e sem títulos. A poesia de Ana Cristina Cesar é uma escrita construída com mãos de mulher que se ampliam ali e aqui para dar conta do todo.

 

CESAR, Ana Cristina. A teus pés. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.