Análises realizadas na disciplina de Poesia Brasileira Do Século XVI Ao XIX

A Jesus Cristo Nosso Senhor (Gregório de Matos)

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque, quanto mais tenho delinquido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Ao abordar-se a estrutura aparente do poema, vê-se que possui quatro estrofes, dois quartetos e dois tercetos, tratando-se de um soneto e dispondo-se de rimas regulares. Todos os seus versos possuem dez sílabas poéticas, ou seja, são decassílabos. A métrica faz-se, assim, de rimas perfeitas, pois todos os versos têm o mesmo metro. Quanto à disposição das rimas nas duas primeiras estrofes, são intercaladas/interpoladas (A-B-B-A); nas duas últimas estrofes, são rimas C-D-E e C-D-E.

O soneto possui tanto rimas ricas (pecado/empenhado, gemido/ofendido...) quanto rimas pobres (despido/delinquido, história/glória...). Revela-se metáfora (“Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada”); aliteração do “p” durante todo o poema (Pequei, porque, pecado, despido, perdoar, empenhado, pastor, perder…); anáfora dos termos “se” e “vos”.

Com relação à estrutura profunda do poema, percebe-se a temática do medo da punição divina na busca desesperada pelo perdão e salvação. O percurso de sentido dá-se da seguinte forma: na primeira estrofe, o eu-lírico dirige-se ao Senhor — o caráter religioso do soneto é percebido desde o título, já no primeiro verso do poema e durante todo o poema —, alegando que pecou. Mas, mesmo assim, não desiste da piedade de Jesus, de ser perdoado. Além disso, afirma que quanto mais ele peca, mais o Senhor empenha-se em lhe perdoar.

Na segunda estrofe, o eu-lírico continua sua argumentação anterior, alegando que um único pecado já é capaz de “irar” o Senhor, mas que um só gemido já é também capaz de “abrandá-lo”. Nesse contexto, aduz que na mesma medida que comete pecado (culpa), também o senhor perdoa (perdão) na mesma proporção. Essa ideia é bíblica e o eu-lírico faz uso dessa referência para tentar “safar-se”.

Nas duas últimas estrofes, o foco bíblico (sacra-história) fica mais explícito, ao basear seu argumento em uma parábola de São Lucas na qual Jesus conta a história da ovelha perdida. Essa história consiste em um pastor que tem cem ovelhas. Uma das ovelhas some e o pastor vai encontrá-la. Ao encontrá-la, os “céus ficam em festa” porque trata-se da representação da ovelha como um pecador que é “recuperado”. A humanidade seria o rebanho. Nesse sentido, o eu-lírico compara-se com a ovelha, intentando — pode-se até dizer, chantageando para — ser perdoado da mesma forma.

O poema traz o estado de espírito do Barroco que gera manifestações de tensões, angústias e incertezas. Dessa forma, ficam evidentes no soneto características como contraste — na oposição entre pecado/culpa X perdão/arrependimento, divino X mundano — e conceptismo — ao abusar de argumentos, ideias e conceitos.

O poema em questão faz parte da lírica sacra/religiosa de Gregório de Matos, embora já possam ser observadas algumas “farpas”, preludiando a vertente sátira do autor na qual fica conhecido como “Boca do Inferno”. No soneto, tem-se a tese “Pequei, Senhor” e a antítese “mas não porque hei pecado / Da vossa alta clemência me despido”. A partir disso, nota-se, portanto, a elaboração de uma argumentação na qual o eu-lírico busca sintetizar o fato de ser pecador como garantia do perdão de Deus.

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MARÍLIA DE DIRCEU (Tomás Antônio Gonzaga)

LIRA I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

Que viva de guardar alheio gado;

De tosco trato, d’expressões grosseiro,

Dos frios gelos, e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal, e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite,

E mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,

Dos anos inda não está cortado:

Os pastores, que habitam este monte,

Com tal destreza toco a sanfoninha,

Que inveja até me tem o próprio Alceste:

Ao som dela concerto a voz celeste;

Nem canto letra, que não seja minha,

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,

Só apreço lhes dou, gentil Pastora,

Depois que teu afeto me segura,

Que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte, e prado;

Porém, gentil Pastora, o teu agrado

Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do Sol em vão se atreve:

Papoula, ou rosa delicada, e fina,

Te cobre as faces, que são cor de neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,

Para glória de Amor igual tesouro.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela! [...]

O presente trecho do poema é composto por quatro estrofes de 10 versos — exceto a 2ª estrofe, com 9 versos — que são rimados e decassílabos. Porém, os dois últimos versos de cada estrofe têm seis sílabas poéticas, sendo hexassílabos. Além disso, esses dois últimos versos de cada estrofe, os quais marcam um paralelismo do termo "Graças, Marília bela,/ Graças à minha Estrela!", possuem um espaçamento especial, recuado à direita.

As rimas são entrecruzadas, intercaladas e, nos dois últimos versos, paralelas; como podemos ver na primeira estrofe, por exemplo, onde tem-se a seguinte disposição de rimas: A-B-A-B-C-D-D-C-E-E. Ademais, o trecho em questão possui tanto rimas ricas (gado/queimado, ventura/segura…) quanto rimas pobres (assisto/visto, fonte/monte…).

Quanto à estrutura profunda do poema, percebe-se a temática da demonstração de amor. Dessa forma, o eu-lírico manifesta seu amor pela jovem Marília, que não o ama de volta por ele ser um simples pastor.

Na primeira estrofe, o eu-lírico apresenta-se como vaqueiro, dono de seu próprio rebanho, que, embora viva e conheça a vida no campo, é tão vaidoso quanto um burguês, mostrando que valoriza tanto a aparência quanto os bens materiais que possui. Ainda, vangloria e gaba-se pela fartura de especiarias alimentícias que esbanja, frutos de seu próprio trabalho. Finaliza dando graças à sorte, que é a responsável por tudo que possui.

Na segunda estrofe, o eu lírico envaidece-se pela sua beleza, dizendo que ao olhar seu semblante numa fonte, percebe que não aparenta a idade que tem. Seu orgulho é tanto que compara suas habilidades com as dos outros pastores e diz que até Alceste, figura da mitologia grega, inveja-o. Também, ressalta sua autenticidade, dizendo que não cantaria letras que não fossem de sua própria autoria.

Já na terceira estrofe, o eu-lírico mostra seu lado mais sensível, declarando que o mais importante, para ele, é o amor de Marília, pois os bens ele já possui e, embora os agrade, o afeto da amada completaria a sua fortuna, visto que é a única coisa que lhe falta. “É bom, minha Marília, é bom ser dono", ressalta o eu-lírico e, em seguida, insiste que é ainda melhor e mais valioso o amor da amada. Essa substituição dos bens materiais, do qual o eu-lírico sente tanto orgulho da posse, pela amada, é uma característica do romantismo no poema. O amor passa a ser tudo para ele: nada mais importa.

Por fim, na quarta estrofe, observa-se a idealização da mulher, tomada por metáforas como “faces, que são cor de neve”. O uso de expressões como “luz divina”, “Sol” e “fios d’ouro” fazem referência à mitologia grega, enquanto “rosa delicada e fina” diz respeito à valorização da pureza e ingenuidade no Arcadismo. Também, como o poema é uma declaração para a própria Marília, entende-se esta estrofe como uma tentativa de conquistá-la através de galanteios.

As características do Arcadismo evidenciam-se através do vocabulário simples e direto e da harmonia com a natureza — transmitindo a ideia da vida simples e trazendo, constantemente, referências à vida campestre (locus amoenus, aurea mediocritas) —, retratando aspectos do bucolismo, típico da poesia pastoral. Também, por meio da imagem estereotipada da mulher ideal, em que o poeta traz aspectos da mitologia grega, fazendo “Marília” a representação da beleza e poder que os conquistadores gregos almejavam.

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O Canto do Guerreiro (Gonçalves Dias)

I

Aqui na floresta

Dos ventos batida,

Façanhas de bravos

Não geram escravos,

Que estimem a vida

Sem guerra e lidar.

- Ouvi-me, Guerreiros.

- Ouvi meu cantar.

II

Valente na guerra

Quem há, como eu sou?

Quem vibra o tacape

Com mais valentia?

Quem golpes daria

Fatais, como eu dou?

- Guerreiros, ouvi-me;

- Quem há, como eu sou?

III

Quem guia nos ares

A frecha imprumada,

Ferindo uma presa,

Com tanta certeza,

Na altura arrojada

Onde eu a mandar?

- Guerreiros, ouvi-me,

- Ouvi meu cantar.

IV

Quem tantos imigos

Em guerras preou?

Quem canta seus feitos

Com mais energia?

Quem golpes daria

Fatais, como eu dou?

- Guerreiros, ouvi-me:

- Quem há, como eu sou?

V

Na caça ou na lide,

Quem há que me afronte?!

A onça raivosa

Meus passos conhece,

O imigo estremece,

E a ave medrosa

Se esconde no céu.

- Quem há mais valente,

- Mais destro do que eu?

VI

Se as matas estrujo

Co os sons do Boré,

Mil arcos se encurvam,

Mil setas lá voam,

Mil gritos reboam,

Mil homens de pé

Eis surgem, respondem

Aos sons do Boré!

- Quem é mais valente,

- Mais forte quem é?

VII

Lá vão pelas matas;

Não fazem ruído:

O vento gemendo

E as malas tremendo

E o triste carpido

Duma ave a cantar,

São eles - guerreiros,

Que faço avançar.

VIII

E o Piaga se ruge

No seu Maracá,

A morte lá paira

Nos ares frechados,

Os campos juncados

De mortos são já:

Mil homens viveram,

Mil homens são lá.

IX

E então se de novo

Eu toco o Boré;

Qual fonte que salta

De rocha empinada,

Que vai marulhosa,

Fremente e queixosa,

Que a raiva apagada

De todo não é,

Tal eles se escoam

Aos sons do Boré.

- Guerreiros, dizei-me,

- Tão forte quem é?

Na estrutura aparente do poema “O Canto do guerreiro”, é possível perceber a presença de nove estrofes divididas por números romanos (I a IX). Seus versos apresentam uma forma encadeada e não são uniformes, pois seis de suas estrofes possuem oito versos, uma possui nove, outra dez e a última doze. Entretanto, o poema apresenta uma métrica perfeita na qual todos os versos contêm a mesma quantidade de sílabas poéticas (5), afigurando-se, assim, uma redondilha menor.

Quanto às rimas, elas são irregulares e, em sua maioria, pobres (bravos/escravos/Guerreiros; lidar/cantar...). Vale destacar a presença da figura de linguagem hipérbole em: “Mil arcos se encurvam,/ Mil setas lá voam,/ Mil gritos reboam / Mil homens de pé”. Ainda, evidencia-se o paralelismo da expressão “- Guerreiros, ouvi-me”. Também, o poema é repleto de anáforas, tais como “Quem” e “Mil”.

Quanto à estrutura profunda do poema, o sujeito poético é um índio guerreiro que está se vangloriando de suas conquistas juntamente com seus companheiros de guerra. Como ele é o líder de sua tribo, seus guerreiros precisam reconhecê-lo como o mais forte e mais valente de todos; assim, conta-lhes seus feitos mais impressionantes para que seja respeitado “como um líder deve ser”.

Na primeira estrofe, esse índio apresenta ao leitor o local onde ele e sua tribo vivem “Aqui na floresta / Dos ventos batida”. No momento seguinte, ele menciona que lá todos eles são livres e resistirão à escravidão, se for preciso: “Façanhas de bravos / Não geram escravos, / Que estimem a vida / Sem guerra e lidar.” Por fim, ele reafirma a sua liderança através dos sétimo e oitavo verso, nos quais ele convida os outros guerreiros a ouvirem o seu chamado: “- Ouvi-me, Guerreiros. / - Ouvi meu cantar.”

Na segunda estrofe, o índio guerreiro denomina-se como “valente” e desafia seus colegas a falarem se há alguém tão temido quanto ele naquela tribo: “Quem há, como eu sou?”. Ele considera-se o melhor guerreiro entre os outros, aquele que “vibra o tacape com mais valentia” e que dá os “golpes mais fatais” em seus inimigos. Em seguida, ele convida novamente seus colegas para juntarem-se a si: “- Guerreiros, ouvi-me; / - Quem há, como eu sou?”.

Nas próximas estrofes (III e IV), o índio guerreiro continua questionando sua tribo e vangloriando-se de seus feitos. É ele quem tem o melhor manejo da “frecha”, “Quem guia nos ares / A frecha imprumada,/ Ferindo uma presa,/ Com tanta certeza,/ Na altura arrojada/ Onde eu [ele] a mandar?”. Foi ele quem mais prendeu os inimigos que sua tribo fizera pelo caminho (“Quem tantos imigos / Em guerras preou?”) e quem mais tem energia para derrotar mortalmente seus inimigos em batalhas.

É na quinta estrofe que o índio menciona o fato de que ninguém é tão corajoso a ponto de enfrentá-lo, “Na caça ou na lide, / Quem há que me afronte?!”. Ele é tão temido naquela floresta que, além de seus inimigos, até os animais que lá habitam têm medo dele: “A onça raivosa / Meus passos conhece, / O imigo estremece, / E a ave medrosa / Se esconde no céu.”. Após contar mais de suas conquistas, o índio questiona novamente seus colegas se há alguém mais valente do que ele, capaz de fazer tudo o que ele já fez: “- Quem há mais valente, / - Mais destro do que eu?”.

Na sexta estrofe, o eu-lírico alude que é com a ajuda de sua trombeta que ele chama seus guerreiros para a guerra; fazendo, assim, a floresta inteira estremecer com o som do seu instrumento e da multidão que o segue: “Se as matas estrujo / Co os sons do Boré, / Mil arcos se encurvam, / Mil setas lá voam, / Mil gritos reboam, / Mil homens de pé / Eis surgem, respondem / Aos sons do Boré!”. Dessa forma, por ser capaz de liderar esses homens e de conquistar tudo o que já conquistou, ele continua pedindo que seu batalhão confirme a sua bravura: “- Quem é mais valente / - Mais forte quem é?”.

Na estrofe seguinte, o sujeito poético cita que seus guerreiros, por terem nascido naquelas matas, conseguem vaguear por lá sem fazerem barulho algum (“Lá vão pelas matas; / Não fazem ruído”); permitindo que, no momento em que estivessem em uma guerra, os inimigos não soubessem onde eles estariam, já que a mata e os bichos que lá vivem continuariam agindo normalmente com a presença deles: “O vento gemendo / E as malas tremendo / E o triste carpido / Duma ave a cantar”.

Na oitava estrofe, o índio guerreiro menciona uma cena de guerra, na qual o pajé de sua tribo toca o seu maracá para abençoar os guerreiros e livrá-los da morte: “E o Piaga se ruge / No seu Maracá”. Nos próximos versos, ele diz que os campos de guerra estão repletos de inimigos mortos; contudo, aduz que todos os guerreiros comandados por ele continuam vivos: “A morte lá paira / Nos ares frechados, / Os campos juncados / De mortos são já: / Mil homens viveram, / Mil homens são lá.”

Na última estrofe, o sujeito poético, mais uma vez, reforça o seu poder como um líder, já que se acaso ele precisar chamar seus guerreiros para a guerra novamente, a floresta irá balançar ao som de sua trombeta: “E então se de novo / Eu toco o Boré; / Qual fonte que salta / De rocha empinada, / Que vai marulhosa, / Fremente e queixosa”. Além do mais, ele deixa claro que uma nova batalha estará por vir, pois a raiva que sente de seus inimigos não passou mesmo após a sangrenta batalha (“Que a raiva apagada / De todo não é”). Por fim, ele invoca seus guerreiros a enunciarem mais uma vez quem é o mais forte de todos: “- Guerreiros, dizei-me, / - Tão forte quem é?”.

Como o presente poema faz parte da Primeira Geração – Indianista e Nacionalista – do Romantismo no Brasil, as características desta podem ser percebidas através da temática da coragem, da força, das façanhas indígenas, da resistência à escravidão, e em seu sujeito poético; pois, há o enaltecimento do índio o qual é o próprio eu-lírico da obra. O índio, aqui, tem seus feitos exaltados e é lembrado e tratado como herói, valente, virtuoso e nobre – nosso legítimo antepassado nacional –, análogo ao cavaleiro medieval para o europeu. Ainda, há a forte presença da natureza e animais (flora e fauna); manifestando, assim, elementos principais das obras de Gonçalves Dias.

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AO POVO (Fagundes Varela)

Não ouvis?... Além dos mares

Braveja ousado Bretão!

Vingai a pátria ou valentes

Da pátria tombai no chão!

Erguei-vos, povo de bravos,

Erguei-vos, Brasílio povo,

Não consintais que piratas

Na face cuspam de novo!

O que vos falta? Guerreiros?

Oh! que eles não faltam, não,

Aos prantos de nossa terra

Guerreiros brotam do chão!

Mostrai que as frontes sublimes

Os anjos cercam de luz,

E não há povo que vença

O povo de Santa Cruz!

Sofrestes ontem, — criança

Contra a força o que fazer?...

Se nada podeis, — agora

Podeis ao menos morrer!

Oh! morrei! — a morte é bela

Quando junto ao pavilhão

Se morre pisando escravos

Que insultam brava nação!

Quando nos templos da fama

Nas áureas folhas da história,

Gravado revive o nome

Por entre os hinos da glória!

Quando a turba que se agita

Saúda a campa adorada,

— Foi um herói que esvaiu-se

Nos braços da pátria amada!

Ao explorar-se a forma do poema “AO POVO”, sua estrutura aparente, observa-se a disposição de 32 versos agrupados em 8 quartetos; contudo, de quatro em quatro versos, acontece uma mudança de inclinação que se dá da seguinte forma: a segunda, a quarta, a sexta e a oitava (última) quadras apresentam um leve recuo à direita.

As rimas são irregulares, pois há uma coordenação que começa com A, B, C, B na primeira estrofe; D, E, F, E na segunda estrofe e assim vai difundindo-se até o oitavo quarteto: com o segundo e o quarto verso de cada estrofe rimando. Além disso, verifica-se a existência tanto de rimas pobres (fazer/morrer, adorada/amada...), quanto ricas (povo/novo, não/chão).

Nesse sentido, não há versos livres, porque seguem uma métrica; mas fazem-se presentes versos brancos, que são os versos que não possuem rima. Sendo assim, a métrica é perfeita, já que todos os versos possuem 7 sílabas poéticas, ou seja, são heptassílabos (redondilha maior).

Ademais, evidencia-se frequente uso de pontos de exclamação – para dar maior eloquência – e travessões – para sinalizar apreciações. Há figuras de linguagens tais como anástrofe (“Da pátria tombai no chão!”), hipérbato (“Gravado revive o nome”) – que são figuras de inversão –; metáfora (“Guerreiros brotam do chão!”).

Ao examinar-se o conteúdo, sua estrutura profunda, nota-se o assunto – aquilo de que o poema fala concreta e diretamente – “a morte como patriotismo” e o tema – ideia ou sentimentos depreendidos do poema – da bravura, vingança, autonomia, coletividade e, claro, da valorização da nação brasileira, do patriotismo.

O percurso de sentido sucede do seguinte modo: o eu-lírico começa com uma pergunta ousada “Não ouvis?...” de forma a dar sequência a despertar no leitor o sentimento de pertencimento, de vingança; posteriormente, eleva o povo brasileiro (“povo de bravos”) de forma que este se sinta encorajado a reivindicar seu lugar – sem piratas, sem Bretões.

Também, o eu-lírico alude que “Aos prantos de nossa terra / Guerreiros brotam do chão!”, ou seja, que o sofrimento e a vontade alimenta o povo e faz este se unir e lutar por seus ideais; assim, o “brotar do chão” ressalta tanto a terra quanto a população em grande massa. Em seguida, “frontes sublimes” – e, mais para frente, “turba que se agita” – realçam essa questão dos cidadãos em grande quantidade, da nação, do “povo de Santa Cruz”, o qual é abençoado (“Os anjos cercam de luz”) e forte, imbatível (“E não há povo que vença”).

Por conseguinte, continua provocando o patriotismo no leitor ao lhe remeter ao passado (“Sofrestes ontem, – criança”) e insinuar que este, no presente – como adulto –, pode ao menos “morrer” pela pátria. Nos últimos quatro quartetos acontece justamente essa valorização da morte, que é um alastro da Segunda Geração. Todavia, nesse poema, que pertence à Terceira Geração, a morte não é mais vista como uma “solução definitiva para o mal de viver”; ela é descrita como “bela quando junto ao pavilhão”, isto é, a morte não está mais ligada ao ultrarromantismo, mas ao progresso, à liberdade, à glória. Assim, o eu-lírico finda o poema afirmando que quem morre pelo seu país fica marcado na história e é adorado como herói pelos seus compatriotas.

Nos dois poemas em análise, identificam-se eu-líricos persuasivos com grande anseio de transmitir suas mensagens. Outrossim, nos dois poemas, constata-se a existência do termo "Guerreiros". No primeiro, é o guerreiro índio, rememoração – ideal no início do século XIX – do passado; no segundo, o guerreiro civil patriota –"ideal" do final do século XIX. Ambos de cunho nacionalista.

Em “AO POVO”, presente em “O Estandarte Auriverde” (1863), testemunha-se a passagem de Fagundes Varela (1841-1875) da Segunda para a Terceira Geração do Romantismo. Embora mantenha um alto teor subjetivo, típico do período como um todo, ele preludia temas sociais e políticos, a questão anglo-brasileira, assim como vigora o nacionalismo da Primeira Geração. Varela experiencia, portanto, desde os lamentos sentimentais, as queixas amorosas, até às reivindicações políticas e sociais, sendo um poeta – ultrarromântico e condoreiro – de transição.

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Textos elaborados na disciplina de Poesia Brasileira Do Século XVI Ao XIX do curso de Licenciatura Em Letras Português-Inglês – UTFPR-PB.

Profa. Dra. Égide Guareschi.