A Duquesa - análise do filme (*)

O filme A Duquesa (2008), com roteiro Jeffrey Hatcher e Anders Thomas Jensen, dirigido por Saul Dibb, mostra a vida da inglesa Georgiana Cavendish, duquesa de Devonshire: uma mulher que se mostrou, em determinados momentos de sua vida, uma pessoa à frente do seu tempo – numa época (século XVIII) em que o sexo frágil ainda não tinha queimado sutiãs em praça pública e o destino feminino certamente não era se envolver em política, sequer frequentando palanques, tampouco ajudando a eleger um primeiro-ministro e muito menos apoiando as Revoluções Francesa e Americana.

Georgiana fez tudo isso, não apenas demonstrando inteligência e perspicácia perante a corte inglesa, mas se tornando a 'queridinha' do povo.

O filme britânico é baseado no best-seller de Amanda Foreman, que escreveu sobre a vida da aristocrata inglesa. O diretor optou para sinalizar desde o início que se trata de um filme “baseado numa história real”, tentando capturar a simpatia do espectador num mundo pós-utópico, onde tantas conquistas femininas foram realizadas, mas nem de longe todas.

A duquesa de Devonshire é uma típica heroína do século XVIII, casando-se por conveniência com um aristocrata que só queria gerar um herdeiro e, depois, vivendo um amor impossível – que o diga Os Sofrimentos do jovem Werther (1774), obra-prima de Goethe.

A história desenvolvida pelo trio Hatcher-Jensen-Dibb mostra o quanto a jovem de 18 anos era ingênua, acreditando estar-se casando por amor, para descobrir, depois, que na verdade o marido queria apenas uma parideira que lhe gerasse uma porção de meninos que levassem o seu nome. O primeiro conflito surge na vida de Georgiana quando ela engravida – sempre de meninas, e quando lhe nasce algum menino, é natimorto.

A infelicidade matrimonial parece estar no cerne da vida aristocrática inglesa: no lançamento do livro, e também no do filme, não foram poucos os que traçaram um paralelo entre a infeliz vida matrimonial da duquesa de Devonshire e a de sua descendente direta, a princesa Diana (morta em 1997, mais de dez anos antes do lançamento do livro e do filme).

Mas o que torna, em pleno século XXI, uma heroína como Georgiana ainda atraente o suficiente para o livro virar best-seller e gerar um filme, que ganhou o Oscar de Melhor Figurino?

Podemos analisar que a necessidade dramática da heroína cumpre o seu papel: gerar conflito. Ela sofre, como deve sofrer toda heroína romântica: primeiro com a indiferença do marido – todos são cativados por sua inteligência, beleza e perspicácia, menos o duque.

O sofrimento não para aí: depois ela se vê traída pela única amiga que conseguiu, Lady Bess Foster, que se torna amante do duque. A duquesa a leva para viver debaixo de seu teto e recebe a punhalada ao flagrar o marido com sua melhor amiga.

A partir de então, com tanta desilusão no seu mapa astral, Georgiana só quer ser feliz e encontra a felicidade nos braços de um jovem político, idealista como ela: Charles Grey.

Sinto dificuldade em classificar o tipo arquétipo da bela duquesa. Ela é uma mistura de uma jovem heroína que une a 'criança impetuosa' (corajosa, verdadeira, leal até o fim; uma garota com determinação, que só quer ter seu próprio cantinho, ser amada pelo político idealista e viver uma linda história de amor) a características de outros arquétipos. A heroína é também a 'guerreira' – é uma lutadora dedicada, que cumpre seus compromissos; basta lembrar que ela, ao ser chantageada pelo marido, larga o amante para ficar com os quatro filhos, cumprindo sua sina de mártir. Já ela ter sido capaz de aceitar a filha bastarda do marido, que ela cria com se fosse sua, nos revela traços do arquétipo de uma grande 'mãezona'.

Isso a torna cativante?

Cativante o suficiente para carregar o leitor por todo o enredo? Pulando fora das páginas do livro e da sala de projeção nos cinemas?

Sinceramente?

Para a maioria dos leitores que tornaram o livro (que acabou gerando o filme) um best-seller, talvez.

Não para mim.

Vale ressaltar que não li o livro, minha análise se baseia exclusivamente no filme. Certamente algum mérito a obra tem, porque senão não teria se tornado um livro mais vendido. Contudo, sinto no filme o eterno clichê romântico que não surpreende ao final.

Ok, ok, ok. Admito que é um ótimo filme para se ver na Sessão da Tarde, num dia chuvoso, quando a gente fica debaixo do edredom, tomando chocolate quente e vendo o amor impossível de uma mulher do século XVIII, aquelas belas roupas (o filme ganhou o Oscar não foi à toa!). Mas, se for para realmente me emocionar com uma mulher que sofreu, prefiro 'A cor púrpura' (1985), drama dirigido por Steven Spielberg e baseado no romance epistolar da escritora Alice Walker. É apenas uma questão de gosto, vou logo avisando.

Ao se analisar a evolução da personagem principal, a duquesa, tenho a sensação de que este processo é previsível, não me surpreendendo enquanto espectadora.

Está certo que a duquesa demonstra ter uma força interior – ninguém que renegue o amor de sua vida pelo bem dos próprios filhos pode se dizer um fraco; ela sublimou os desejos próprios em virtude do bem-estar da prole. Mais romântico do que isso, nem Goethe ou nenhum dos autores do Movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) pensariam em algo melhor.

Alguns entendidos podem argumentar que este papel de sublimação do amor é próprio do gênero, ainda mais se pensando na época em que a personagem viveu. Pode ser.

Talvez eu seja ‘muderna’ demais e não consiga acreditar neste tipo de heroína. Que a duquesa seja capaz de despertar em mim a verossimilhança tão necessária para criar empatia entre personagem/espectador/leitor.

Analisemos o antagonista do filme, o marido da duquesa. Ele é um homem do seu tempo.

Claro que não estou aqui defendendo que um homem pode estuprar a própria mulher num momento de raiva, longe disso! Admito que o conflito entre eles (heroína e antagonista) é crucial para o desenvolvimento do enredo; se ele fosse um banana, a história contada seria outra.

Entretanto, não classifico os objetivos do enredo como algo vibrante e interessante, apesar de a oposição do duque ser tão forte quanto a personagem principal.

Quando disse, no início deste texto, que a duquesa foi uma mulher que mostrou ser apenas em determinados momentos de sua vida uma pessoa à frente do seu tempo é porque me lembrei de outras personagens da “vida real” que também enfrentaram situações contrárias à moral vigente e realmente optaram por viverem à margem da sociedade.

Um exemplo disso é a brasileira Chiquinha Gonzaga (1847-1935), que realmente enfrentou a sociedade patriarcal, largando o marido, os pais e a reputação para viver sua arte e seu amor por um jovem muitos anos mais novo do que ela – Chiquinha já tinha 52 anos, e o jovem era um adolescente, com 16 anos.

Este é apenas um exemplo de uma personagem que quebra todos os tabus, mostra-se realmente à frente do seu tempo. É bem verdade que Chiquinha viveu um momento histórico completamente diferente do de Georgiana, mas ela sim é uma mulher à frente do seu tempo.

O filme tem seus encantos, mas, no frigir dos ovos, não me convence.

Talvez se o foco da história fosse a luta de Georgiana perante a corte e sua influência política me convencesse mais.

Entretanto, do jeito como foi conceituada, a história mais parece uma maneira de exaltar outra figura da aristocracia inglesa, a princesa Diana, que também sofreu por se casar com um lorde que na verdade só almejava ter herdeiros enquanto desfrutava da alcova alheia.

(*) Artigo feito para o curso de pós-graduação de Roteiro para Cinema e TV da Universidade Veiga de Almeida (UVA), para a matéria PERSONAGENS, ministrada pela professora Dayse Marques (2013).

Carla Giffoni
Enviado por Carla Giffoni em 19/09/2013
Reeditado em 02/10/2013
Código do texto: T4488581
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