A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica

 
Umberto Eco usou os termos “apocalípticos” e “integrados” para se referir as duas influentes escolas de pensamento que refletiam sobre o fenômeno da indústria cultural e da cultura de massa: por um lado, os “apocalípticos”, os expoentes da Escola de Frankfurt em sua primeira fase, Max Horkheimer (1895-1973) e T. W. Adorno (1903-1969), denominados de “teóricos críticos,” que, numa perspectiva marxista, diagnosticaram que a indústria cultural aliena os indivíduos através dos meios imaginários de fuga da realidade social, destituindo os cidadãos da possibilidade do pensamento crítico e autônomo. Por outro lado, a vertente “funcionalista” defendia que os meios de comunicação deveriam estar submetidos às demandas sociais e não às de mercado, de modo que as massas tivessem acesso aos bens culturais e essa função dos meios de comunicação poderia emancipar as massas e superar a luta de classes. Marshall McLuhan (1911-1980) defendia que a emergência das novas mídias permite interações culturais e unificadoras, num fluxo de redes globais, possibilitando uma “aldeia global”, baseada numa comunicação imediata, e isto trazia em si novas formas de aplicações e de usos. Consideramos que o funcionalismo faz um contraponto a “Teoria Crítica” acreditando no potencial dos meios.

Neste trabalho, nos ateremos a uma análise mais detalhada dos filósofos de Frankfurt , que analisam a comunicação de massa tendo em vista a tradição iluminista, assunto que se relaciona ao tema objeto de nosso estudo.

Para a Teoria Crítica, a indústria cultural e suas mídias operam como meios imaginários de fuga, deslocando a realidade para uma hiper- realidade e haveria sempre o perigo da semiformação e da semicultura. Esse mundo imagético, da perda de referencial, opera nos indivíduos uma consciência postiça da realidade. Como observa Adorno, a função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria cultural. “O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente (...) o mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural”.

Herbert Marcuse (1898-1979), outro expoente da Escola de Frankfurt, mas que se afasta das posturas “apocalípticas” dos “teóricos críticos”, fala do advento do ser humano unidimensional: o indivíduo míope que enxerga apenas a aparência do mundo, sem perceber com profundidade a realidade que o cerca. Esse ser conformado, consumista e despolitizado, tem a sua felicidade condicionada pela mídia e contém suas frustrações no consumo desenfreado. “A nossa sociedade se distingue por conquistar as forças sociais centrífugas mais pela tecnologia do que pelo terror, com dúplice base numa eficiência esmagadora e num padrão de vida crescente.”

Para Marcuse, as mudanças só ocorreriam se houvesse a liberação de uma nova dimensão humana. Um princípio básico deveria permear essa nova revolução: a liberdade. A respeito do uso da televisão, Adorno afirma que ela, na formação cultural, assume duas funções, uma deformativa e a outra formativa. A TV, a partir de sua função deformativa, contribui para a divulgação de ideologias, bem como dirige de maneira equivocada a consciência dos espectadores; entretanto, este meio de comunicação possui também um enorme potencial de divulgação de informações e esclarecimento e, portanto, de autonomia, e teria também uma função formativa.


Walter Benjamim (1892-1940) outro expoente da Escola de Frankfurt, mas que também se afasta das visões apocalípticas de Adorno e Horkheimer, em A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica (1936), acreditava que as tecnologias poderiam revolucionar a arte, na medida em que embora arte tenha perdido sua essência ou “aura” devido a sua reprodução em série, ela ainda assim não deixava de ser um produto cultural e, portanto, acessível às massas, que não teriam outro modo de manter contato com os bens culturais:

Essa própria vocação permite compreender sem maiores dificuldades os fatores sociais que provocaram a atual decadência da aura. Ela resuta de duas circunstâncias, ambas em correlação com o crescente papel desempenhado pelas massas na vida presente. Encontramos hoje, nas massas, duas tendências de igual força: elas exigem, por um lado, que as coisas se lhes tornem, espacial e humanamente, ‘ mais próximas’, e tendem, por outro lado, a acolher as reproduções, a depreciar o caráter daquilo que só é dado uma vez. A cada dia que passa, mais se impõe a necessidade de apoderar-se do objeto do modo mais próximo possível em sua imagem, porém ainda mais em cópia, em sua reprodução(...)”
(BENJAMIN, 2000, 227-228)

A aproximação como experiência sensorial estética é substituída em Benjamin pela sensibilidade. Essa experiência estética seria fundamental para entender como as massas recebem estes produtos culturais massificados. Emancipada de sua função ritualística, a obra de arte deixa de ter uma existência parasitária. As técnicas de reprodução aplicadas a obra de arte modificam a atitude da massa diante da arte. “[...] Muito reacionárias diante, por exemplo, de um Picasso, a massa torna-se progressista diante de um Chaplin [...]”.

Guy Debord (1931-1994), outro herdeiro da Teoria Crítica, fará uma importante analise sobre a tendência à espetacularização crescente das sociedades atuais, observando que:

O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por ‘coisas suprassensíveis embora sensíveis,’ se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se fez reconhecer como o sensível por excelência. (DEBORD, 1997,28)

Debord acrescenta: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”. Para Debord, o conceito de espetáculo está intimamente relacionado com a vida humana, ele é a sua afirmação como aparência. Com a tendência das peculiaridades das atitudes das pessoas se tornarem shows espetaculares, o homem acaba se tornando ator e plateia do espetáculo humano. O natural e o autêntico da vida das pessoas estão, cada vez mais, ocupando os espaços que eram reservados para as artes.
A estas questões cabe a seguinte aporia: a realidade concreta, o dia-a-dia, também não passa de uma representação da qual só temos acesso às coisas mediante o uso da linguagem. Uma questão se impõe: haveria uma representação da realidade que seria mais correta que as demais, mais próxima da verdade? O que diria Platão de uma sociedade intermediada pelas imagens, onde elas seriam cópias distorcidas da realidade? Estaríamos todos condenados aos simulacros?
10.3 NEM APOCALIPTICOS E NEM INTEGRADOS

Umberto Eco faz uma critica tanto às visões pessimistas da Escola de Frankfurt quanto aos funcionalistas. Considera que essas duas escolas fetichizam os conceitos como cultura industrial e cultura de massa, servindo-se de idéias generalistas para explicar fenomênos complexos. A cultura de massa é a cultura do homem contemporâneo, surgida no contexto da revolução industrial. Independente da qualidade de seu conteúdo, esta forma de cultura é um fenomeno legitimo de um momento histórico. Para ele, tanto a teoria crítica quanto os funcionalistas se equivocam ao superdimencionar o fenômeno da cultura de massa e da industria cultural e propõe uma outra perspectiva de análise a partir dos meios de expressão dos produtos culturais e o modo como eles se difundem pelo público. Ao termo cultura de massa que trás em si toda uma carga ideologica ele propõe comunicação de massa.

.
Na visão de Eco, os meios de comunicação de massa adequam a linguagem dos produtos culturais que veiculam às capacidades médias do público. As caracteristicas fundamentais dos produtos da cultura de massa são a efemeridade e a reprodutibilidade em série. A finalidade dos conteúdos dos meios de comunicação de massa é agradar o público. É um material de evasão, mas também pode informar e educar. Para analisar essa comunicação de massa a metodologia proposta por Eco é o da analise estrutural da mensagem que deve levar em conta a linguagem empregada; o modo como são percebidos e interpretados pelos receptores; o contexto histórico e cultural em que se insere a mensagem e o pano de fundo politico e social.

Habermas, apesar de compartilhar com o diagnóstico da Teoria Critica, quanto à apropriação dos meios de comunicação pelas classes dominantes, e dos seus usos para a manutensão do seu status quo, através da persuasão e da manipulação dos conteudos veiculados, acredita que há um potencial emancipador nesses meios e não encerra seu pensamento nas aporias paralizantes a que chegaram os filósofos Adorno e Horkheimer. A intersubjetividade que Harbemas aponta na Teoria da Ação Comunicativa propõe convencer pelo argumento racional e não pela imposição. Para Habermas, apesar da hegemonia da razão instrumental, há espaço para uma razão comunicativa, pois os seres humanos continuam a necessitar do entendimento mútuo e a manter uns com os outros uma certa relação dialógica. O filósofo alemão distingue razão instrumental, sistêmica, ligada ao trabalho, à dominação técnica da realidade objetiva pelo sujeito; e a razão processual, inter-subjetiva, que se liga à necessidade do diálogo, na busca de um consenso comunicacional. Desta última, residiria o potencial emancipativo dos meios de comunicação de massa.

Numa perspectiva que o aproxima de Humberto Eco, Gianni Vattimo observa que o efeito dos mass media foi contrário às conclusões que chega Adorno. Adorno previu que os meios de comunicação de massa, e a apropriação deles pelo poder político, resultaria em regimes totalitários e consequentemente no controle sobre os indivíduos. Ao contrário do que predizia Adorno, com a emergência das TICs, sobretudo com a Internet, houve uma pluralidade de visões de mundo permitindo à “periferia” ter voz. Se o ideal de uma sociedade transparente, defendida por Adorno, não se concretiza em face da tendência autoritária da mídia, a realidade mostrou que houve um processo de libertação de diversas culturas possibilitadas pelos mass media. Se este processo não se traduz em emancipação, abre-se, na opinião de Vattimo, uma possibilidade para tal, na medida em que as sociedades midiáticas atuais, caracterizadas pela complexidade, pelo caos e pela pluralidade, levam o ser humano ao desenraizamento, e isto propicia a emancipação na medida em que desenraizar-se é libertar-se das diferenças. Desse modo, há um deslocamento da liberdade que esteve condicionada a uma visão de realidade como um sistema de causa e efeito. A liberdade consiste, nesse mundo adverso, na escolha entre o pertencimento e o desenraizamento. Se as tecnologias de informação e de comunicação disponíveis poderiam em tese aprisionar o ser humano, por outro lado, o seu caráter descentralizado cria condições novas de uso, na medida em que não há mais centralidade de conhecimento e de informação.
Este estado de coisas diagnosticadas por Vattimo é que pode ser compreendido, o atual contexto do desenvolvimento técnico-científico ocorrido nas décadas de 70 e 80, com a propagação da informática, possibilitou outra revolução ditada pela microeletrônica. Os antigos transistores são ultrapassados pelos microprocessadores, pelos chips eletrônicos, cada vez mais velozes no processamento de dados, possibilitando um incremento nas tecnologias de informação. As interfaces alteram a base material da comunicação, que a cada dia opera transformações profundas no seio das tecnologias da informação e no modo como elas são utilizadas.

 
Labareda
Enviado por Labareda em 12/06/2014
Reeditado em 03/01/2017
Código do texto: T4842710
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.