Sobre o “Dossiê Márcio Seixas”

Texto escrito em 2017. Essa é uma versão revisada e ampliada

Desde agosto de 2017, o jornalista Marcelo Moreira Rezende tem divulgado, em uma série de vídeos, áudios constrangedores e comprometedores do notório dublador e seu ex-parceiro de negócios Márcio Seixas (mais conhecido como dublador do personagem da DC Comics, Batman). Pretende-se aqui discutir este caso do ponto vista ético-jornalístico.

Marcelo estrutura o dossiê em revelações de fatos acerca dos supostos abusos sexuais cometidos por Seixas, na relação do dublador com as amantes e o que ele pensa dos alunos, dos fãs, de outros dubladores e até dos nordestinos.

Sobre a acusação de assédio sexual, trata-se de um fato que tem interesse público. É o conteúdo mais relevante e chocante do dossiê. Márcio Seixas é uma pessoa pública, é convidado para eventos e tem uma quantidade relevante de fãs. A informação de que ele supostamente assedia alunas deve vir a público, mas neste caso o “outro lado” deveria ser ouvido. Marcelo não se preocupou com isso.

Embora esteja nos vídeos fazendo um trabalho essencialmente jornalístico do ponto de vista técnico, na parte ética deixa a desejar. A apuração de Marcelo, que o levou a descobrir que Márcio tem problemas com assédio sexual desde 1998, foi uma legítima prática jornalística. Mas ele tem se comportado mais como um ex-sócio do que como um jornalista, pois não há um afastamento necessário que se exige no jornalismo. Isso fica evidente no uso abusivo que ele faz de adjetivos.

O dossiê foi montado para que Marcelo explicasse como houve o conflito de ambos e como Seixas lhe tentou tomar a sociedade. É uma “defesa da honra”, segundo Marcelo, pois nas redes sociais muita gente o considerou como “vilão” nesta história. Também foi produzido para explicar como o envolvimento do dublador do Batman com as amantes prejudicou seus negócios, neste caso seria inevitável menciona-las (sem ter que expô-las).

Mas o sucesso do dossiê, visto pela audiência como entretenimento semelhante às produções da Netflix, subiu a cabeça de Marcelo. A "defesa da honra" deu lugar ao desejo de divertir os espectadores no Youtube, para ganhar likes e compartilhamentos.

Assim, o que era para ser uma denúncia séria virou folhetim digital de qualidade duvidosa, composta de exposições constrangedoras e desnecessárias como divulgação de áudios íntimos e de fotografias de supostas amantes - expondo-as ao escracho público - e relatos de casos íntimos do dublador.

Se o propósito era se defender, Marcelo poderia ter feito isso sem ter que recorrer a estes áudios ou relatos que não acrescentam em nada. Mas como foi dito antes, a defesa ficou em segundo plano, o foco agora é "roteirizar" uma série utilizando de baixarias como matéria-prima.

Responsabilidade social

Revelar o que Márcio pensa dos alunos, dos fãs, dos nordestinos e de outros dubladores foi importante, tem interesse público. Os fãs e os alunos têm o direito de saber o que uma figura pública ou seu professor realmente pensa deles. Acaba sendo um alerta a quem pretende fazer um curso com Márcio como professor: pode ter problemas com o dublador do Batman (e aqui deve se considerar também a acusação de assédio).

Com a conscientização da sociedade, hoje em dia exige-se que empresas e pessoas públicas tenham responsabilidade social. Neste contexto, é dever do jornalista revelar se determinada empresa ou celebridade é preconceituosa. A sociedade exige saber, mas, como foi dito antes, escutar o “outro lado” é igualmente importante.

Se Marcelo mantivesse a prática jornalística de revelar ao público as práticas imorais e até ilegais de Seixas, aliando preocupações éticas com apuração rigorosa, o dossiê teria se tornado um importante instrumento em prol do interesse público, podendo até mesmo pautar a grande mídia. Mas infelizmente, no processo, houve uma metamorfose em que Marcelo passou de jornalista para produtor e roteirista de um reality show de baixo nível.